30.7.09

Os sertões :: Grupo Oficina :: Teatro Ritual

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interesses culturais, pessoais, artíticos, históricos, geográficos, literários, filosóficos, cênicos, performáticos, musicais, plásticos, arqueológicos, biográficos, ritualísticos, humanos, antropofágicos, corporais, biológicos, poéticos, políticos, sociais, metafísicos, comunicativos, expressivos, antropológicos, estratégicos, dançantes, teológicos, astrológicos, experimentais, caricaturais, etc.
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ufa! uma pesquisa que me acomete a 3 anos.
divido com vcs alguns vídeos da peça.
em alguns deles eu estava presente de corpo
e entregue de alma ; j
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é um espetáculo simplismente maravilhoso de ver com os ouvidos, tocar com os olhos, sentir com a razão e pensar com o coração. experimente fazer isso, é pura metafísica!
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(Associação Teatro Oficina apresenta"Os Sertões" ::
Rio de Janeiro nov/2007)



(Rio São Francisco :: A Terra :: em Os Sertões :: Rio de Janeiro 06/11/2007)




(Teatro Oficina Uzyna Uzona o2/10/2006 :: Homem I)




(Teatro Oficina Uzyna Uzona 19/09/2006 :: Homem II)



(Ensaio aberto 23/12/2005 :: A Luta I :: estréia em cartaz em 2006)


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(Teatro Oficina Uzyna Uzona 10/10/2006 :: A Luta II)
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29.7.09

estados de ânimo :: de mario benedetti



às vezes me sinto
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanés)


algumas vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de cumbres repetidas

algumas vezes me sinto
como uma encosta
e em outras como um céu
azul mas distante

às vezes alguém é
nascente entre rochas
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas

mas hoje me sinto só
uma lagoa insoniosa
com um ancoradouro
já sem embarcações

uma lagoa verde
imóvel e paciente
conforme suas algas
seus musgos e seus peixes

serena em minha confiança
confiante que numa tarde
você se achegue e se mire
se mire ao mirar-me
***

(tradução livre :: patrícia mc quade)
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25.7.09

*

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"Mas o tempo linear é uma invenção do ocidente
o tempo não é linear,
é um maravilhoso emaranhado onde a qualquer
instante podem ser escolhidos pontos,
e inventadas soluções
sem começo nem fim...

(Lina Bo Bardi)


**

23.7.09

um prosac com cachaça, moça?

**
"— por favor!
antes, um copo d'água para engolir umas pastilhas de clichê"

...


sentada à mesa do bar
dá de ombros para ficar mais fácil escalar
os destroços de um predestino sem definição

repassa a lição de um sábio budista:
(são nos descaminhos que as frutas mais saborosas são comidas)

foi depois dessa descoberta que passou a se meter
em-beco-sem-saída
e passou a entender tudo a partir do ponto-de-vista da fotografia

mistura na bebida um pouco de luxúria e preguiça pra esquecer
o incômodo do sapato furado colado com chiclete

— há contra-gotas de alma na calma do vinho —
(receita médica guardada na bolsa)

um tempo fugaz a atropela a cem anos de solidão por hora
marcados no velocímetro

a ampulheta no meio da descida não pára para prestar socorro
e no fim do amor alguém lhe pergunta:
o que é eterno?
ela atropelada por um lado se vira sem responder
e segue a derramagem do tempo

espera a última gota d'areia cair

põe as cartas na mesa do bar
e se choca com a manchete do dia:
"suicídio no jornal, ninguém mais lê – esquece"


...


e ao encontrar-se na cartomancie o seu fastio, alguém grita:
"— mais uma bica de cachaça, garçom!
que essa moça tá precisando de mais precipício na veia
e espanto na hora da queda"


...


[instante congela]
uma paradinha para apreciar
a última gota d'areia em suspensão


!


[descongela]

Ufa! de chapada não cai,

...


e dorme na mesa do bar o sono dos anjos

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18.7.09

Ibrahim Ferrer :: Omara Portuondo :: Buena Vista Social Club

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Tom Brasil - São Paulo - abril/1999 - Heineken Concerts

Dos Gardenias
Isolina Carrillo


Dos gardenias para ti
con ellas quiero decir
te quiero, te adoro, mi vida.
Ponles toda tu atención
porque serán tu corazón y el mío.

Dos gardenias para ti
que tendrán todo el calor de un beso
de esos besos que te di
y que jamás encontrarás
en el calor de otro querer.

A tu lado vivirán y te hablarán
como cuando estás conmigo
y hasta creerás
que te dirán te quiero.

Pero si un atardecer
las gardenias de mi amor se mueren
es porque han adivinado
que tu amor me ha traicionado
porque existe otro querer.
**
***


Tom Brasil - São Paulo - abril/1999 - Heineken Concerts

Quizás, Quizás, Quizás
Osvaldo Farrés


Siempre que te pregunto
Que, cuándo, cómo y dónde
Tú siempre me respondes
Quizás, quizás, quizás

Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y tú, tú contestando
Quizás, quizás, quizás

Estás perdiendo el tiempo
Pensando, pensando
Por lo que más tú quieras
¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?

Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y tú, tú contestando
Quizás, quizás, quizás,

Estás perdiendo el tiempo
Pensando, pensando
Por lo que más tú quieras
¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?

Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y tú, tú contestando
Quizás, quizás, quizás
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"canciones de amor que hacen latir más fuerte el corazón"

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O albatroz

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eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

Vive no vento. Voa sempre, voando dorme.

O vento não lhe cansa nem lhe desgasta. Tem vida longa: aos sessenta anos, continua dando voltas e mais voltas ao redor do mundo.

O vento lhe anuncia de onde virá a tempestade e lhe diz onde está a costa. Ele nunca se perde, nem esquece o lugar onde nasceu; mas a terra não é o seu lugar, tampouco o mar. No chão, suas patas curtas caminham mal, e na água se aborrece.

Quando o vento o abandona, espera. Às vezes o vento demora, mas sempre volta; busca por ele, chama por ele, e por fim o leva. E ele se deixa levar, se deixa voar, com suas asas enormes planando no ar.

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bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004, p. 202.


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16.7.09

a metáfora da torre de babel :: por jerzy grotowski

"Ludwik Flaszer, o meu estreito colaborador, usou uma vez a metáfora da torre de Babel, que gostaria de desenvolver: parece-me de fato que hoje não só cada coletividade tradicional tenha se tornado uma torre de Babel, na qual as línguas sofreram uma nova mistura e na qual se esvaíram as crenças comuns, mas também cada homem é uma torre de Babel, por que na base do seu ser não há um sistema uniforme de valores. Na forma extrema podem observá-lo em vocês mesmos. Em cada um de vocês provavelmente coexistem diversas crenças: em primeiro lugar, a fé tradicional, a religião tradicional com a qual talvez vocês tenham rompido mas que permanece viva nos estratos profundos do seu ser – é essa que articula a linguagem da imaginação; em segundo lugar, aquela fé (se não desejamos chamá-la de religião, falemos em última análise de filosofia) à qual vocês aspiram conscientemente; no fundo vocês se esforçam para convencer os outros e vocês mesmos de que possuem essa fé de verdade, o que, em suma, se reduz mais a preocupar-se por possuir essa fé geral, do que em possuí-la de verdade, porque estão agitados demais dentro de vocês; depois, têm essa vida dividida entre diversos círculos sociais, pequenos pensamentozinhos, diria crenças pela metade para uso da família, dos colegas, do ambiente de trabalho; mas na base disso tudo há no profundo do seu ser algo como um esconderijo secreto, onde turbilhonam aspirações, crenças autênticas, a fé abandonada; eis a verdadeira torre de Babel. Vocês são assim porque nenhum de vocês quer reconciliar-se com o próprio ser. O velho quer ser um jovenzinho, o jovem quer ser moderno, mas não ele mesmo, porque a vontade de ser moderno se reduz – apesar de todos os protestos – à imitação dos outros, dos mais velhos. Por isso cada um tende a algo que na maioria das vezes não existe; essa é, creio, a doença da civilização, essa multiplicidade de fés; ela pode ter às vezes lados positivos, enquanto rigidez da fé, especialmente se se trata de fé religiosa o para-religiosa, se torna perigosa e conduz ao fanatismo. Porém isso pode ser analisado de diversos pontos de vista; (...)"
quadro de: Duke of Bedford, "Torre de Babel",
c. 1423. British Library, Londres


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bibliografia degustada:

GROTOWSKI, Jerzy. "Teatro e Ritual" in: Teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959 - 1969. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 126.

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sobre o livro :: Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski

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não é preciso dizer que Grotowski é um dos mais significativos diretores e pensadores do teatro contemporâneo. depois de uma leitura gostosa e ao mesmo tempo inquietante do livro Teatro Laboratorio De Jerzy Grotowski, penso que suas teorias são muito mais do que teatro unicamente como expressão artística. ele, em suas palestras, leva o teatro para a vida e traz a vida para o teatro com uma intimidade impressionante nas duas esferas , que são uma na essência dos fatos discorridos por ele. em tom de conversa íntima com o público ele desvela os seus pensamentos e experiências sobre o espaço cênico unitário fora dos parâmetros das salas de teatro, o corpo como memória inscrita de uma subjetividade particular a um indivíduo, o ato como o fim de um movimento interior natural que termina no gesto, a autenticidade do ato, o respeito pelos movimentos do próprio corpo e de sua psique, a relação verdadeira entre ator/espectador, os diálogos e dissonâncias entre teatro e ritual, entre outras considerações viscerais que tocam a mente, o corpo, o espírito. considero suas palestras e textos neste livro reunidos argumentações filosóficas, que além de nos orientar em uma pesquisa voltada para o teatro enquanto arte – ajudando-nos a entender melhor esse universo codificado e decodificado das vertentes teóricas e experimentais – , abrange outras questões infinitas que habitam o ser humano e seu estado constante de confronto com a sua própria natureza.

recomendo em especial a leitura da palestra que Grotowski deu na Colômbia em 1970 intitulada "O que foi" (p. 199 a 211). ela por si explica tudo o que me falta em palavras e me sobra em reflexões.


“É necessário dar-se conta de que o nosso corpo é a nossa vida. No nosso corpo, inteiro, são inscritas todas as experiências. São inscritas sobre a pele e sob a pele, da infância até a idade presente e talvez também antes da infância, mas talvez também antes do nascimento da nossa geração. O corpo-vida é algo de tangível”. (grotowski, p. 205)

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bibliografia indicada:

GROTOWSKI, Jerzy. Teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959 - 1969. São Paulo: Perspectiva, 2007.

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eis o enigma que grotowski suscita :: a pergunta essencial

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"Porém, o fenômeno existe e a pergunta foi feita. Qual pergunta? A pergunta: “o que é essencial? O que é verdadeiramente essencial?”

Um dia Persifal chegou ao castelo do Rei Pescador, o rei estava paralisado, todo o reino estava em decomposição, as mulheres não procriavam, as árvores não davam frutos, as vacas – leite: esterilidade, total ausência de fertilidade. Sentado à mesa convival Persifal avistou um cortejo com uma virgem que carregava um vaso estranho, o cortejo atravessava a sala, saía, depois de algum tempo voltava e a coisa se repetia. Persifal não perguntou nada, a atmosfera do castelo lhe parecia um tanto singular; como se no ar se levantasse algo de obscuro. De manhã percebeu que o castelo estava vazio. Pensou que talvez a caça tivesse engolido todos, montou a cavalo e se pôs a caminho. Enveredou-se pelo bosque, onde se deparou com uma jovem mulher que tinha no colo o corpo morto do amado; então, virou-se para ela dizendo: “o que acontece neste castelo?” – “Você viu o cortejo?” – “Sim”. – “Com a mulher que carregava o vaso?” – “Sim”. – “ E você perguntou?” E Persifal respondeu: “Não, não perguntei”. – “Não perguntou e pela sua falta de curiosidade as mulheres não podem gerar, as árvores não podem dar frutos, as vacas não dão leite e o rei está paralisado. Você não perguntou”.

Creio que quando fazemos as perguntas fundamentais, ou mesmo uma pergunta fundamental, porque na realidade existe talvez só uma, é fácil acabarmos sendo considerados loucos (...) e talvez sejamos loucos (...). Passo a passo a nossa vida vai se transformar, lhe será imposta uma certa linha, uma qualidade totalmente diferente daquela que desejávamos e estaremos repletos de sofrimento, de tristeza e muito sós. Eis porque creio que não se deva repetir o erro de Persifal."

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bibliografia degustada:

GROTOWSKI, Jerzy. "Teatro e Ritual" in: Teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959 - 1969. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 136.

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14.7.09

HYSTERIA :: grupo XIX de teatro

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segunda-feira, 13 de julho de 2009, Hystería – do Grupo XIX de Teatro de são paulo – foi novamente encenada em bh. eu havia assistido pela primeira vez essa peça em 2006 no FIT (festival internacional de teatro) evento que ocorre a cada dois anos na capital mineira. na época o prédio escolhido para o espetáculo foi o museu mineiro, monumento histórico situado na av. joão pinheiro, centro. dessa vez, o lugar foi um prédio de arquitetura neo-clássica – hoje ocupado pelo SESC Minas Gerais –, construído provavelmente na fundação da cidade, situado à rua caetés, 603 - centro. curiosidade interessante: o ano que marca o tempo ficcional da peça é 1897, a mesma data de transferência da capital mineira para belo horizonte. esse fato também me fez lembrar do êxodo rural que Minas Gerais sofreu com a construção da nova capital, fato que ocorria também em todo o Brasil com o crescimento das grandes cidades como são paulo e rio de janeiro (cidade ficcional onde acontece o enredo). coincidência ou não, esse foi o primeiro detalhe da peça que me chamou a atenção.


mas outras marcas históricas pode-se ler nesse espetáculo: a abolição da escravatura, o preconceito étnico contra os negros, as ideias positivistas que impulsionavam as descobertas científicas, a razão em supressão à emoção, a descoberta da psicanálise, o advento recente da república, a denúncia do infanticídio – crianças abandonadas nas Rodas de igrejas – ato que evitava os escândalos morais das mães-solteiras brancas, muitas vezes vítimas de estupro, e , principalmente o foco da peça, a repressão da mulher e o seu papel social em fins do séc. XIX:


“Falamos também de um tempo onde as vontades e decisões femininas, no seio familiar, eram secundárias perante a posição tomada pelo chefe da família. Assim, as mulheres acabavam por repreender (principalmente através da cultura da religião católica) e esconder suas vontades e seus desejos reais. Falamos de um momento de extrema repreensão feminina, onde o hospício vinha a ser uma punição e não um tratamento para o bem-estar. Situação essa favorável aos surtos histéricos, que também nos leva a defender a idéia de que existe muita verdade atrás da histeria. Como cita Breton Aragon; ‘A histeria não é um fenômeno patológico e pode ser considerada, em todos os sentidos, um meio supremo de expressão’ [paris, 1918]." (fragmento retirado do folheto de apresentação da peça Hystería do Grupo XIX de Teatro)

o espaço cênico é peculiar nesse espetáculo. o grupo sempre busca ocupar lugares de arquitetura correspondente à época da peça. totalmente alternativo, o espaço escolhido nunca é uma sala de teatro, o que me lembra a proposta do teatro pobre de grotowski. mas sim, salões amplos onde bancos de madeira estão dispostos de forma circular para o público feminino e uma arquibancada que fecha um dos lados do círculo é reservado ao público masculino. o ambiente é desprovido de recursos cênicos, o cenário se dá a partir da própria arquitetura do lugar – chão de tábua corrida, pilastras, janelas dispostas ao longo das paredes e que ocupam também quase a sua altura – enfim, espaço propriamente ambientado a um sanatório no clima do séc. XIX.

sem recursos sonoros de sonoplastia ou microfones, as atrizes se valem apenas de suas vozes femininas e ecos que ressoam os gritos inesperados de espanto, dor ou lamentos. a iluminação: somente a luz natural vespertina que entra pelas janelas que se mantém fechadas durante todo o espetáculo. o calor incomoda e em uma hora se torna insuportável, suamos juntos, respiramos o hálito daquele ambiente que vai se tornando aos poucos insalubre. antes de entrar no sanatório feminino, o público é separado: os homens na arquibancada – eles entram primeiro – e as mulheres vão ocupar os bancos de madeira e o chão fechando a arena do espetáculo. ao entrar, somos recebidas pela enfermeira (mara helleno) que nos trata como internas do lugar, ou seja, diagnosticadas todas como histéricas, também personagens involuntárias da obra. outras quatro atrizes estão presentes no ato cênico: uma sentada ao centro da arena de feição acriançada; outra colada ora às paredes, ora às janelas de vidro; uma outra sentada em um dos bancos de madeira aparenta docilidade e submissão e a última transita com familiaridade ajudando as mulheres-público a ocupar seus lugares de acordo com as órdens da enfermeira-chefe.

a peça acontece em um giro de 360º, todo o espaço é aproveitado para a encenação do enredo. as atuações das atrizes acontecem entre as mulheres da platéia, ao lado delas, em frente, atrás. a platéia é disposta para que haja um contraposição entre os gêneros: na sala de apresentação, os homens são os espectadores e tem um olhar distanciado sobre as cenas que discorrem no salão, assumem o papel que a sociedade lhes impõe, ou seja, o de observadores dos surtos e histerias, aqueles que avaliam, que compreendem ou que recriminam os desvarios femininos; as mulheres estão no olho do furacão, fazem parte do cenário e muitas são convidadas a encenarem junto às atrizes e assumem o papel de coadjuvantes do espetáculo: dão depoimentos, respondem a perguntas às vezes íntimas, declamam poesias, são diagnosticadas de insanidade, dançam pelo espaço cênico em rodas e folias, são repreendidas pela enfermeira-chefe, uma ou outra se manifesta com espontaneidade. esse happening garante que cada apresentação da peça seja única, pois as interações acontecem muitas vezes de forma livre, criando uma atmosfera de improvisações e surpresas, tanto para o público como para as atrizes. é o diálogo concreto e viceral entre atrizes e mulheres da platéia que faz o diferencial dessa peça. em especial nesse dia, uma senhora de terceira idade chamada Inês, com a qual conversei momentos antes de iniciar a peça, talvez identificando a cena que acabava de assistir com algo de sua vivência, chamou a atenção das pessoas com uma fala irônica dirigida à enfermeira: “sua benção, madre-superiora!”, talvez fazia ali uma alusão aos colégios internos católicos que educavam as meninas a serem submissas à família, à igreja e ao Estado, esferas de manutenção do poder patriarcal.

em uma conversa informal depois do espetáculo, perguntei sobre o processo pelo qual passou a construção das personagens. uma atriz me relatou, então, que elas foram nascendo a partir de leituras de diversos materiais de pesquisa, entre eles: depoimentos (história oral de tias, avós, mães, etc.); notícias de jornal, boletins de ocorrência e relatos médicos de casos psiquiátricos da época; estudos antropológicos da condição feminina ao longo dos tempos (a bibliografia lida para a pesquisa está no site oficial do grupo e pode ser consultada por quem se interessar). o figurino foi criado à moda do séc. XIX, a partir de vestidos de noivas, de primeira comunhão, de batizados de membros da família dessas atrizes.

sobre as personagens!

cada personagem possui uma personalidade, um temperamento, que se apresenta dócil e terno, mas que repentinamente se transforma em crises emocionais, com explosões psicológicas e atos de agressividade subversiva:

CLARA– interpretada pela atriz janaína leite – quando criança havia sido abandonada na Roda, fruto de um ato sexual considerado impuro pela igreja e sociedade. analfabeta e totalmente infantilizada, recusa-se em crescer e tornar-se mulher. agarra-se à deus e busca a purificação de sua alma, penaliza-se por um passado que desconhece. coleciona bilhetes que acompanham as crianças que são deixadas nas Rodas à própria sorte por mães anônimas.

HERCÍLIA – interpretada por evelyn klein – rebelde irremediável, é afastada da sociedade e internada no sanatório para não contaminar as mulheres com sua mentalidade revolucionária e avançada para a época. possui uma educação formal, conhece a literatura e impressiona o público com declamações de poemas de L. Brant (pseudônimo de hercília?) e Safo de Lesbos. se destaca por uma obstinação excessiva e um temperamento indomável. diversas vezes é castigada por isso. passa várias cenas escrevendo em paredes e no chão do lugar. é a personagem pivô das cenas de insubordinação, desobediência às regras e levantes entre as internas.

M.J. – interpretada por juliana sanches – mulher de tendências lascivas, sofre de vapores (sensualidade sem controle, fora dos parâmetros sociais) que a induzem a práticas sexuais consideradas devassas. conta seus casos amorosos de forma voluptuosa e diz que o coito é algo essencial a toda mulher. afirma todo o tempo que aquele é seu último dia no sanatório, pois se diz curada pelo dr. Mendes. espera por seu marido joão que irá buscá-la àquele dia. a espera já é entendida pela platéia como eterna.

MARIA TOURINHO – interpretada por sara antunes – mulher dócil e gentil, educada para o casamento. aprendeu dotes importantes a uma mulher devota ao lar: costurou seu próprio vestido de noiva, borda, cozinha, toca piano, zela pelos filhos. legitima a submissão da mulher ao homem. ao final da peça revela seu lado negro de forma surpreendente: é a autora do assassinato do marido. presa ao passado, conta constantemente sobre sua criação severa quando menina e do sentimento de maternidade que continua a nutrir, ambas vivências marcadas em seus gestos e comportamento.

NINI – interpretada por mara helleno – enfermeira-chefe. solteirona que se dedica aos cuidados de outros a fim de sentir-se útil. apesar de enérgica, se apresenta também afetiva para com as moças do sanatório. possui segredos íntimos, desejos secretos e sonhos frustrados, que são registrados em seu caderno-goiabada (referência ao caderno de receitas escrito a mão pelas mulheres, tradição antiga passada de geração em geração). enfatiza ser diferente das demais internas, mas no fim, identifica-se na mesma solidão e angustias sofridas por todas que ali estão.

onde a peça nos toca?

talvez nessa memória corporal feminina que atravessa os séculos de história da humanidade e que repercute nas culpas e ações de autosabotagem da mulher. por mais que os tempos modernos sejam outros, por mais que as mulheres tenham conquistado liberdades sociais na esfera sexual e profissional, carregamos ainda o estigma do matrimônio, da maternidade, do zelo pelo lar, do sonho em encontrar “o príncipe encantado”, e da somatória de todas essas frustrações. pessoas ainda se sentem indignadas ao ouvir que uma mulher decidiu por não casar-se, por não ter filhos, por não se submeter às exigências sociais patriarcais. hoje a histería se chama TPM e é comum escutar de terceiros que o motivo de alguma indignação exposta por uma mulher através de suas reivindicações é resultado de uma tensão pré-menstrual. discurso muito utilizado para neutralizar o que ali foi dito por esse ser feminino, o que foi reivindicado por ela enquanto direito humano. essa ação impossibilita qualquer reflexão sobre o que foi reivindicado, impossibilita qualquer alteração social em favor da mulher do séc. XXI. a peça proporciona que esse discurso, que anula os movimentos políticos femininos, seja enfim desmascarado, que a sociedade mostre a sua cara assim como é: ainda machista e opressora, apesar de todos as conquistas feministas. como afirma o próprio diretor luiz fernando marques antes de iniciar o debate sobre a peça: “a histería não é aqui considerada um mal patológico, mas sim uma consequência de um distúrbio social”.

ao final da peça é anunciado por uma das atrizes a chuva que talvez lavará todo esse mal social que ofende os direitos humanos das mulheres. as janelas e portas são abertas e podemos respirar, quem sabe, o advento de uma nova era livre dos preceitos e parâmetros masculinos de poder sobre a mulher.

a comoção foi geral. os homens nos olhavam ainda com espectativa, algumas mulheres da platéia choravam, outras se entreolhavam com os corações apertados de angustia e cumplicidade. minha amiga que me acompanhava, heloísa lopes, deitou sua cabeça sobre meus braços cruzados nos joelhos e eu retribui o mesmo movimento de afeto e lhe dei um beijo entre os cabelos. compartilhamos por um momento dessa mesma dor:

“Na verdade não importa se é séc. XIX ou séc. XX, acho que é só um espelho mesmo para a gente se ver e, às vezes, se colocar [esse espelho] longe, na verdade traz mais para perto. Todas somos mulheres e alguém nos diz que somos histéricas”. (depoimento de uma mulher ao final da peça que aparece no vídeo publicado abaixo).



as atuações no espetáculo são primorosas, as atrizes desempenham seus papéis de forma muito intensa e possuem um trabalho corporal digno de elogios. parece que cada personagem nasce dentro de cada uma delas, e atuam no palco em partners (atriz/personagem) com a intimidade que tem a mãe com um filho, essa ação interna termina no gesto, na linha de seus braços e mãos, de seus corpos e voz. a direção alcançou, através da simplicidade dos recursos cênicos, efeitos afetivos e analíticos ao mesmo tempo. é uma experiência única esse espetáculo e as reflexões tiradas a partir dele são inesgotáveis. é possível fazer também uma leitura meta-teatral pois a obra trabalha elementos do teatro dramático do séc. XIX — identificação do público com as cenas suscitando comoção — assim como as teorias que surgiram no séc. XX a partir de brecht, becket, arthaud e, no meu ponto de vista, principalmente grotowski. aqui relato as minhas observações através de uma leitura livre de teorias. vale a pena conferir!

Dez mandamentos da mulher:

1. Amai a vosso marido sobre todas as coisas.
2. Não lhes jureis falso.
3. Preparai-lhe dias de festa.
4. Amai-o mais do que a vosso pai e vossa mãe.
5. Não o atormenteis com exigências, caprichos e amuos.
6. Não o enganeis.
7. Não lhe subtraias dinheiro, nem gasteis este com futilidades.
8. Não resmungueis, nem finjais ataques nervosos.
9. Não desejeis mais do que um próximo, e que este seja o teu marido.
10. Não exijais luxo e não vos detenhais diante das vitrines.

Estes dez mandamentos devem ser lidos pelas mulheres doze vezes por dia, e depois ser bem guardados na caixinha de toillete. (Jornal do Comércio, 1888)


(retirado do folheto de apresentação da peça Hystería do Grupo XIX de Teatro)

para mais informações sobre o trabalho do grupo e outras obras, acesse o site:

bibliografia consultada:

folheto de apresentação da peça Hystería do grupo XIX de teatro.
livro que reúne os textos dramatúrgicos, fotos e cometários críticos das peças Hystería e Hygiene editado pelo grupo e vendido a um preço simbólico de 10 reais (vale a pena adquirir o seu).
site oficial do grupo: www.grupoxixdeteatro.ato.br

13.7.09

mais um poema de renato mendes

**
Capa

Fosse eu, apenas, seria sempre alegre...
Meu problema são as máscaras
que carrego comigo desde que fiquei
sem alma (a partir do momento que nasci)...

Às vezes eu consigo me ser,
Fico alegre, ouço mais pássaros...
O mundo segue menos barulhento,
As plantas não estão reclamando,
As águas mais límpidas...
Assim... não, não quero nada...
nada além disso...
Ah!, mas... se fosse eu apenas...

Acendo meu cigarro...
Mas... algo me incomoda...
É que não fumo,
Não sei por que o acendi,
Não sei nem por que o tenho...
Fosse eu apenas...
Mas não sou...
As minhas máscaras

(que sempre quis guardar nos fundos da casa)...

Fosse uma casa mais quente,
Não teria por que reclamar que é,
Quando me sento (escondido),
Escura e fria,
E por sua escuridão e gelidão,
Já foi, várias vezes, arrebatado o meu sorriso...

Fosse eu apenas,
Isso não aconteceria...
Meus olhos brilhariam mais
E, quem sabe, talvez até me recordasse de o que é um abraço...
Fosse eu apenas...

Talvez (fosse eu apenas)
eu não me importasse de arrumar minha cama,
Nem de ir trabalhar....
Mas a minha solidão
(que, aliás, não é minha, pertence às máscaras...)
simplesmente me dominou...
É nestes momentos,
Em que minhas máscaras tomam-me o corpo,
Sem a principal
(que a muito custo tenho tentado achar),
A alma, a primeira máscara...
É nestes momentos que percebo que,
Fosse o chão mais macio,
Eu já teria me afundado
E, finalmente, desaparecido...



***

Renato Mendes Oliveira, aluno da Escola da Serra onde trabalho, 16 anos, antes de qualquer definição: poeta! hoje posso dizer com orgulho, meu aluno de espanhol. aluno meio relapso como todo adolescente que se descobre, mas muito sério no seu fazer poético. também excelente contista. outro orgulho meu: me escolheu como leitora. sempre me procura pelas dependências da escola para me entregar poemas e, da última vez, me presenteou com um belíssimo conto que me deixou encantada pela originalidade da composição literária e as artimanhas de uma linguagem inusitada que subverte o tempo linear e a estrutura convencional da narrativa. esse poema que hoje aqui edito fecha o conto. só mesmo lendo Renato Mendes em toda a sua profundidade e/ou conversando com ele é que se pode perceber o quanto que é especial. sorriso, tato, sensibilidade e expressividade poética se somam no carisma desse menino que tem um futuro literário de reconhecimentos, histórias e muita poesia pela frente. já me conquistou como leitora assídua e reverente à sua obra que nasce e floresce. os frutos? são saborosos textos que dão água na boca.

***

10.7.09

Bloguesfera: um estímulo às produções textuais

**
Aprender a escrever não é apenas uma forma de encontrar idéias e concatená-las. Os alunos do 3º ciclo da Escola da Serra descobriram que escrever textos criativos e/ou críticos ultrapassa, e muito, os limites das idéias criativas, do saber expressar-se se valendo da linguagem verbal, de seus códigos formais e informais, de sua meta-linguagem, de expor de forma organizada seu ponto-de-vista e da simples capacidade de contar narrativas fictícias ou reais ou mesclar as duas ao mesmo tempo.

Mais do que tudo isso, é preciso encontrar na escrita uma forma prazerosa de criação, uma forma interessante de dizer o que se pensa através de variados gêneros textuais.

E para encontrar o prazer na escrita é preciso também estabelecer interlocutores, ou seja, para quem se escreve (?). Um professor, por mais que esteja preocupado em desenvolver a arte da escrita entre seus alunos, não é o interlocutor “ideal” que estimule esse potencial criativo entre os adolescentes. Eles precisam ser lidos por outras pessoas que comentem e questionem o que escreveram, que concordem ou discordem com eles e que indiquem outros textos que dialoguem com aqueles. Enfim, que haja uma comunicação!


Escrever contos, crônicas e resenhas foi o desafio proposto para as turmas 3A2 e 3B da Escola da Serra (alunos entre 12 a 14 anos). Se esses textos fossem parar nas pastas dos alunos depois de passar pela correção da professora de português, perderiam a sua razão de serem escritos, perderiam a sua função social que é a comunicação. Um projeto literário está sendo desenvolvido com essas turmas a fim de extravasar os limites da sala de aula. Os alunos se empenham em melhorar suas produções textuais, escrevem e re-escrevem, escutam as opiniões de colegas e procuram ter atenção à forma e ao conteúdo de suas produções, pois a possibilidade de outras pessoas lerem e avaliarem seus textos se tornou concreta.

Tudo começou com a proposta do blog. Quanta polêmica isso resultou! Escolheram o nome fantasia, dividiram-se funções, e ampliaram-se as possibilidades de produções. Um conselho editorial foi escolhido por todos a partir do voto aberto. Esses alunos eleitos são responsáveis por: correção ortográfica, formatação, edição e ilustração (se for o caso) dos textos no blog. Quais os textos que são editados? Aqueles que se destacam dentre as produções dos alunos em sala, os que atingiram não só o objetivo da proposta de produção como jogaram com as várias possibilidades lingüísticas de forma criativa, interessante e, ao mesmo tempo, estabelecendo um diálogo com suas próprias vivências. As produções circulam entre as individuais e coletivas, entre as criativas e as críticas.


Os blogues “E por falar em pândega...” e “Primeira impressão” já estão ativos e gradualmente serão recheados de produções dos próprios alunos. Por lá já pode ser encontrado resenha de filme e de livros literários (todos trabalhados em sala), crônicas e contos.

O que falta agora? Os interlocutores citados acima.

Fica aqui o nosso convite. Visitem os blogs, deixem seus comentários (que serão moderados por mim, a professora responsável) e ajudem a estimular a arte da escrita de nossos, quem sabe, futuros escritores.


“O leitor, em princípio, é aquela pessoa que espera de nós um pouco de felicidade, de surpresa, de inteligência, e o nosso papel, como aprendizes de escritores, é corresponder a essa expectativa”. (turmas 3B e 3A2)