30.11.05

e ele me olhava como quem queria saber
queria ler os segredos escondidos
nas entrelinhas das pálpebras dos olhos castanhos
e eu fingia
fugia o olhar para não revelar
revelar poderia provocar a morte do que me torna surpresa (tudo o que é revelado perde necessariamente o encanto)
estava encantada
tan encantada cuanto
Dulcinea de Toboso
e não me reconhecia nele
encantada o estranhava e pedia passagem
passagem para fingir que fugia
estranhava seu olhar curioso que me buscava para me levar até uma câmara oculta qualquer em preto e branco
e fingindo que fugia deixei-me levar
levou-me sem eu confessar minhas surpresas
passei a simular o segredo de que ele agora me conhecia
o simulacro do olho desvelado era mais intimista e fatalista do que nunca
e no país do nunca penetrei de pecados fechados no labirinto deste outro
que desconheço
descalço os descaminhos do labirinto interior deste outro que se perdeu de um amor sem nenhuma ariadne que lhe desse um novelo de fio de ouro
sequer um novelo de fio de nada
que servisse para marcar o retorno que
nunca mais aconteceria
o teseu embaraçou-se nas teias que se arranham
no labirinto do nunca de um arranhar amar demais e
deixou-se perder
intimista
fatalista
teso em desvelar os segredos.