30.6.09

o último passo de dança de Pina Bausch na Terra

"No fundo, todas as nossas criações possuem uma relação estreita com o que acontece no mundo" (Pina Bausch)

foi encantada pelo azul de um poema que me veio a lume a notícia da morte da dançarina, coreógrafa e performer Pina Bausch (27/07/1940 — 30/06/2009). quando lia o poema não me veio à lembrança as cenas que eu já havia visto e das quais ela era a autora: foi a poeta, que fazia uma homenagem a ela no dia de sua morte, quem me chamou a atenção para o fato e me convidou a ver alguns videos no youtube. ao assistir, constatei que já conhecia um pouco de seu trabalho. sem guardar o nome da bailarina — não sou boa em memorizá-los — de alguma forma a imagem de seu corpo esguio, cheio de vigor, serpentiando entre outros bailarinos, ficou gravado na minha telinha interior. uma das vezes que a vi foi em uma cena do filme de pedro almodóvar Hable con ella. em outra ocasião, eu assisti a uma comunicação sobre performance na faculdade de letras (ufmg) em que uma colega de mestrado apresentava uma leitura sobre sua obra. ainda outras imagens foram por mim guardadas a partir de fotos belíssimas de suas danças — aqui edito algumas — onde eu nem supunha que era a mesma bailarina que ali a mim se revelava, distraída que sou. é assim, quem cria arte de corpo e coração, como fez Pina, não precisa de um nome para ser reconhecida ou recordada. sua obra fala por si só, sua imagem marca à brasa a memória de quem a toca com o olhar. assim aconteceu comigo! essa artista completa revolucionou a dança moderna e o teatro-performance dos séculos XX e XXI. seu estilo considerado expressionista é identificado pela repetição, simultaneidade e movimentos ritmicos do corpo que suscitam os sentimentos de angústia, paixão, solidão, frenesi, delírio, as relações entre homem e mulher (...). bisbilhotando sua vida e obra, descobri que algumas vezes, enquanto dançava, contava histórias. seus espetáculos mais famosos são: Café Müller, Sagração da Primavera , Barbe Bleue, Bandoneón, Vollmond, Mazurca Fogo, Viktor, entre muitos outros. segue dois vídeos que compartilho enquanto descobertas.

"Existem certos momentos que não sei como criar um espetáculo, não sinto nada, é muito difícil continuar criando. Então o que podemos fazer? É muito complicado. É usar algo que está dentro de nós, mas não só. No fundo, todas as nossas criações possuem uma relação estreita com o que acontece no mundo."(Pina Bausch)



"Trabalho a maior parte do tempo dentro de um estúdio sem janelas, em Wuppertal. Era um antigo cinema, que usamos como sala de ensaios. Mas eu coloco minha fantasia lá dentro também. Eu tenho o nascer do sol, a areia. Para mim, tudo pode estar lá. E, normalmente, nós não vemos apenas esses elementos da natureza em nossas peças, nós os vivenciamos, eles interferem em nosso movimento, seja a grama ou folhas... Isso traz uma nova experiência para o corpo, para o som. Há tantas coisas também sensoriais para tratar. Se eu não posso ir lá fora, eu trago tudo isso para dentro" (Pina Bausch)




"A dança é a única maneira que eu consigo me expressar de fato. É a minha linguagem, é como eu sei dizer o que acho que devo dizer -e não em palavras apenas. O que espero, do que gostaria. É através das peças que as pessoas me conhecem de verdade" (Pina Bausch)

edito o poema azul que me trouxe a re-descoberta da bailarina labareda e aproveito para agradecer a márcia zanelatto pela notícia, ainda que tardia, sobre a identidade dessa extraordinária artista do corpo.

Pina Bausch

esse azul todo
suspenso
impressionante
sobre nós

agora entendo

é teu corpo
pina
que se estende
infinito
alongado
irrestrito
abrindo os átomos
teu corpo
lindo

azul livre
translúcido
reluzente
assume
toda luz
entre as células
não está mais
doente

hoje
em teu nome
o inverno
cede
espera
para que tua
eternidade
se faça
sagração da primavera

:: mz, 30 de junho de 2009 ::

***

as citações de Pina Bausch foram retiradas de uma entrevista que a bailarina concedeu a Fabio Cypriano quando esteve no Brasil, publicada originalmente na Ilustrada, quinta-feira, 03 de agosto de 2006, intitulada "Pina Bausch equilibra a tristeza do mundo".

para ler a entrevista na íntegra acesse o blog:

Mistérios Gozosos de Frau Stu

***

29.6.09

Alma ao ar

**
eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

Segundo dizem algumas antigas tradições, a árvore da vida cresce ao contrário. O tronco e os ramos para baixo, as raízes para cima. A copa se afunda na terra, as raízes miram o céu. Não oferece seus frutos, senão sua origem. Não esconde debaixo da terra o mais entranhável, o mais vulnerável, senão que o arrisca à intempérie: entrega suas raízes, em carne viva, aos ventos do mundo.

— São coisas da vida — diz a árvore da vida.

***
**
bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004.


***

26.6.09

sudário de um libelo

**
das crises e dos crimes

aspiro
u
disritmia do vício

suspirou
paixão sem lira

respirou
rosas e ventos

inspirou
de vaga em lume

expirou
abismo pós-fácil

enfim
**

24.6.09

qual-não-quer

**

ser borboleta espetada
ninfa diminuta de fábula
sem poesia sem brilho sem fita
alfinetada no peito bamba as asas
na página amarela escondida
presa desprovida de graça
quase morta meio viva

à beira de sua crisálida
qual-não-quer
ser borboleta espetada

caprichosa estira uma
e a outra antena atentada
define entrevoar de atrevida
seja por fim borboleta decidida
livre, levita, arrisca arco-iris
chacoalha uma e outra asa
esvoaça, freme, rodopia
**

17.6.09

desabafo

de tanta vida de tanto sono de tanto sucesso de tanto óbito de tanto estudo de tanta emoção de tanto trabalho de tanto superfluo de tanta leitura de tanta escrita de tanta derrota de tanta cultura de tanto ofício de tanto ônibus


de pouco talento de pouco tempo de pouca cerveja de pouca leveza de pouco romance de pouco apoio de pouco alento de pouca centelha de pouco concerto de pouca virtude de pouca atitude de pouco arbítrio de pouco verde de pouco vento


creio: logrei a primícia do cansaço
primevo
principiante
preambular
prefacial
primeiro
primitivo
do mundo


sou esse ser primígeo do esgotamento
recito o desabalo dos prelúdios de caracteres de-codificados


do enfado
do agastamento
do declínio
do desalento


arre!


forço a marcha
engato a primeira
e subo na retranca

POEMA PIAL :: fernando pessoa acriançado!

**
Toda gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.

Pia número UM,
Para quem mexe as orelhas em jejum.

Pia número DOIS
Para quem bebe bifes de bois.

Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.

Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.

Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.

Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.

Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.

Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.

Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.

Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.

E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!


15.6.09

assim é o Pai Nosso em aramaico

**
Pai-Mãe, respiração da Vida,
Fonte do som, Ação sem palavras,
Criador do Cosmos!
Faça sua Luz brilhar dentro de nós,
entre nós e fora de nós,
para que possamos torná-la útil.

Ajude-nos a seguir nosso caminho,
Respirando apenas o sentimento que emana do Senhor.
Nosso EU, no mesmo passo, possa estar com o Seu,
para que caminhemos como Reis e Rainhas,
com todas as outras criaturas.

Que o Seu e o nosso desejo, sejam um só,
em toda a Luz, assim como em todas as formas,
em toda existência individual,
assim como em todas as comunidades.

Faça-nos sentir a alma da Terra dentro de nós,
pois, assim, sentiremos a Sabedoria que existe em tudo.
Não permita que a superficialidade e a aparência das coisas
do mundo nos iluda, e, nos liberte de tudo aquilo que
impede nosso crescimento.

Não nos deixe ser tomados pelo esquecimento
de que o Senhor é o Poder e a Glória do mundo,
a Canção que se renova de tempos em tempos
e que a tudo embeleza.

Possa o Seu amor
ser o solo onde crescem nossas ações.

Que assim seja.


***
e MR diz assim: Foi desta oração que nasceu a versão atual do Pai-Nosso. A prece acima está escrita, em aramaico, em uma pedra branca de mármore, em Jerusalém, no Monte das Oliveiras.

***
encontrei essa oração ao pai nosso em um blog que apresenta a cidade de phoenix, arizona, EUA. o que mais me chamou a atenção entre as várias fotos lindas da cidade foi esse poema. não que eu seja evangélica ou coisa parecida. já fui, por imposição familiar e quando eu não podia escolher. gostaria de ser hoje atéia, mas não consigo. me contento em ser laica. mas tenho vários salmos de cor na retina da minha memória perpétua, vários trechos de são joão e apocalipse gravados como perturbadoras imagens surreais no meu imaginário e os dez mandamentos de moisés decor e salteado - se bem que nem todos eu sigo ao pé da letra. sim, eu li a bíblia pelo menos umas 4 vezes, de gênesis a apocalipse e creia-me, é um livro transformador. você não é a mesma pessoa depois de ler completamente a blíblia. acho que é por isso que eu virei essa metamorfose ambulante que eu prefiro ser. foi a partir dele que eu aprendi a fazer as minhas primeiras indagações sobre as verdades instituídas. eu lia e duvidava do que lia o tempo todo. e assim eu cresci. é desse livro que o nome débora me surgiu como revelação para ser o nome da minha filha. é a ele que eu retorno sempre que me sinto acuada ou em perigo de alguma espécie. salmos 91, 23, 01, 100, 25 são os meus poemas cantados preferidos — os imagino acompanhados da cítara de davi. puro lirismo! sem falar no livro cântico dos cânticos do rei salomão. daí eu encontro esse pai nosso em aramaico, lingua irmã do hebraico, em um blog de uma visitante surpresa que surge por aqui, e o acho ainda mais bonito do que qualquer outro trecho da bíblia. nele eu sinto a forte conecção que o ser humano tem com os fenômenos naturais da Terra-Mãe, a quem exploramos, prostituimos e defloramos todos os dias com o nosso consumismo desenfreado.

seguem os versos belíssimos que me conectaram com aquele desejo profundo de sobedoria, o anseio por um desenvolvimento sustentável do homem no planeta. gostaria de compartilhar essa descoberta com todos os que por aqui passeiam. mas lembre-se! toda prece é muito mais que um poema, é puro diálogo com o nosso ser primitivo que do pó da terra surgiu e ao pó da terra voltará:

"Faça-nos sentir a alma da Terra dentro de nós,
pois, assim, sentiremos a Sabedoria que existe em tudo".

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enfim, se quiserem conhecer um pouquinho mais da cidade Phoenix, acessem o blog da MR. tem cada foto maravilhosa lá! as montanhas rochosas, as estradas, arquitetura, paisagens desérticas mil. vale a pena conhecer.


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13.6.09

os laços me trazem algum tipo de desejo ultimamente

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laços :: ties ::



este curta-metragem foi o único finalista brasileiro do concurso PROJECT DIRECT, organizado pelo YouTube em novembro de 2007.

filme de flávia lacerda
roteiro: adriana falcão
atores: clarice, célia porto e jô abdu


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O LAÇO E O ABRAÇO

de Maria Beatriz Marinho dos Anjos

Meu Deus!... Como é engraçado!...
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço...
Uma fita dando voltas, se enrosca, mas não se embola;vira, revira, circula e pronto: está dado o abraço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido, em qualquer coisa onde o faço.
E quando puxo uma ponta, o que é que acontece? Vai escorregando devagarinho, desmancha, desfaz o abraço.
E na fita, que curioso, não faltou nenhum pedaço...
Ah! Então é assim o amor, a amizade, tudo que é sentimento? Como um pedaço de fita? Enrosca,segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora, deixando livres as duas bandas do laço?
Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade.
E quando alguém briga, então se diz:
— Romperam-se os laços!
E saem as duas partes, que nem meu pedaço de fita — sem perder nem um pedaço.
Então o Amor é isso... Não prende, não escraviza, não aperta, não sufoca.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço.

***
agradeço a autora maria beatriz marinho dos anjos pela gentil autorização em editar aqui "o laço e o abraço". este texto está circulando pela internet como autoria atribuída a mário quintana. segue o email da autora enviado a mim depois que solicitei esclarecimentos sobre o caso.

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Oi, Patrícia!
O texto realmente é de minha autoria. As versões que circulam na Internet contêm várias adulterações, quando as pessoas não o assinam ou acrescentam frases que distorcem a idéia inicial. Eu agradeço o seu contato, que nos permite desfazer esse equívoco. Ter um texto atribuído a Mário Quintana pode ser muito lisonjeiro para mim, mas existem versões circulando com o seu nome, inclusive com erros de Português, o que também não é justo com ele. Sua postura ética mostra que tem valido a pena batalhar para recuperar o que me é de direito. Estou enviando a você uma cópia do texto original e a do documento que comprova minha autoria (embora não o tenha solicitado). E é claro que tem minha autorização para utilizá-lo.
Com um grande abraço, Beatriz

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12.6.09

receituário para os apaixonados não correspondidos :: dia dos namorados!

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como dizia o marquês que maricá “mudamos de paixões, mas não vivemos sem elas.” que sina! a paixão é considerada um forte sentimento provinda de eros, filho de afrodite, ou seja, algo inexplicável. e pode também ser entendida como uma patologia, pois, quando manifestada a paixão em um devido ser humano proveniente de uma devida circunstância, perde-se a racionalidade gradualmente se a paixão não for correspondida. ai cresce o instinto de possuir o objeto que lhe causou o desejo que passa a ser o maior dos sentimentos. assim sendo, o apaixonado pode transcender seus limites no que tange a razão e, em situações extremas, beira ao precipício da obsessão.

dizem — os psiquiatras — que essa atração intensa e impetuosa está intimamente ligada à baixa de serotonina (C10H12N2O) no cérebro: substância química, neurotransmissor para os mais íntimos. suas propriedades são similares às que possuem as drogas alucinógenas: hidroxitriptamina. é ela a responsável por vários sentimentos e patologias, dentre eles a ansiedade e o estresse; a depressão e a psicose obsessivo-compulsiva.

eu, leiga de conhecimentos patológicos, mas viciada em classificar elementos a partir da necessidade de entendê-los para apreendê-los e não mais sofrê-los — sem aqui revelar as minhas vivências performáticas passionais: meus segredos — chego a algumas conclusões de que os psico-apaixonados não correspondidos são normalmente separados em três grupos:

(depois de longas entrevistas com psiquiatras e pacientes psico-passionais, leituras de bulas de remédios tarja preta e de ouvir relatos sobre a prática psicodélica, segue juntamente a síntese do receituário para o dia dos namorados sem namorado aprovado por profissionais e testado em vários casos comprovados de psico-paixão - mas cuidado: legitime o uso de narcóticos, só faça uso deles sob prescrição médica!).

o primeiro grupo são que sofrem em silêncio e se apegam à dor como se fosse a única razão de suas vidas. não comem, não bebem, não dormem. apesar de não falar sobre a sua dor, ela está estampada na cara, não há como negar as olheiras profundas e o estado apático: a paixão é avassaladora demais, nenhuma maquiagem consegue escondê-la. para estes é necessário inibir a atividade mental – sim, a paixão não tem nada a ver com o coração. como já foi dito acima, ela é considerada um distúrbio mental que promove um desequilíbrio hormonal e por isso é patológica. para este grupo recomenda-se as drogas leves como os opiáceos (ópio, morfina, heroína – são as melhores! – mas a metadona também ajuda), os barbitúricos, as benzodiazepinas e vários grupos de antipsicóticos que inibem a pulsão de morte (suicídio e/ou crime passional), e os inalantes voláteis, como o éter, talvez façam a alma dos apaixonados ir do peso à leveza do ser em fração de instantes.

há também os que sofrem em silêncio e tentam distrair suas mentes para não pensar no sofrimento de rejeição. são aqueles que não querem incomodar ninguém com a dor que se sente. aqueles que gostariam de se livrar desse sentimento de comiseração, mas não sabem como fazê-lo. como consequência de tanto esforço de distração, estes apaixonados passam a não dar conta da demanda de suas vidas: esquecem os compromissos, os trabalhos urgentes, perdem objetos, tem dificuldade de focar sua atenção e, no meio do turbilhão de confusões, se esvaece a praticidade da vida, tamanha é a demanda da mente em desviar o foco de seus pensamentos da pessoa por quem se apaixonou. para estes o ideal seria estimulantes cerebrais: a ritalina é um tipo de substância que, predominantemente, estimula a atividade cerebral e oferece certo prazer e bem-estar. mas o menu é mais variável: são recomendáveis as anfetaminas, a metilanfetamina, a cocaína – essa é boa! –, nicotina, cafeína, e os antidepressivos. toda droga da lucidez é bem-vinda no caso para ajudá-los nesse processo de retorno a si mesmos.

e ainda há os que são considerados os perturbadores da ordem pública. são aqueles que extravasam sentimentos, que incomodam os vizinhos com altos graus de desespero e que precisam de uma platéia para compartilhar a própria histeria — sinto pena dos amigos desses indivíduos! — para estes casos mais graves são recomendáveis substâncias que nem inibem nem estimulam o sistema nervoso, mas que modificam o equilíbrio da atividade cerebral. os alucinógenos mais importantes para estes casos são substâncias como o LSD e a mescalina – uau! – neste grupo estão também incluídos os produtos da cannabis (haxixe e erva) — traga, segura, prensa, assopra. esse ritual acalma a pessoa que está a ponto de entrar em estado de sítio. mas, fiquem ligados! estas drogas apenas possuem um efeito alucinógeno muito limitado, por isso o uso constante é indispensável.

agora,

há um tipo de apaixonado não correspondido que não pode ser catalogado como enfermo patológico. são os que se apaixonam sim, como todos os outros, pois a paixão é uma condição humana, mas que não fazem disso uma doença. não estão contaminados pelo vírus da posse. não entendem seus desejos como objetos que precisam ser apreendidos. pessoas, para estes, nunca são objetos de consumo, muito menos propriedade privada. se não são correspondidos pela pessoa amada, afastam-se dela por um único motivo: respeito! respeito pela pessoa amada e por si mesmos. para estes, é recomentável passar o tedioso dia dos namorados entre amigos a fim de compartilhar cada momento de aprendizagem, cada pequeno milagre que nasce em cada assombro de se sentir vivo. e assim seguem a vida curtindo os pequenos prazeres que surgem no dia-a-dia: o sol secando os cabelos de manhã, o luar, as copas das árvores, o voo e canto dos pássaros, o vento, qualquer fenômeno por mais mínimo e invisível que possa parecer. estes sapientes da paixão não precisam de drogas que os ajudem a abdicar de seus sofrimentos. esperam pacientemente que o tempo e a distância os cure. e sabem que, depois de passado os sintomas da dor, pode aparecer outra arrebatadora paixão que seja tão sincera e intensa como eles realmente merecem — e também recíproca, e quem sabe "eterna enquanto dure". estes seres sãos e apaixonados caminham livres de patologias, de obsessões, de traumas. para esse gênero de paixão, há um outro nome mais popular :: amor ::

e atenção!

não se ama só uma vez na vida como dizem os fundamentalistas cristãos.

o beijo :: klint


p.s.:
o ministério da saúde te diverte!
durante o tratamento de qualquer distúrbio psico-passional, não consuma álcool. esta droga lícita é péssima para a recuperação do enfermo apaixonado, pois agrava o seu estado de histeria ou apatia.

***
:: às amigas, eternas apaixonadas não catalogadas ::
:: júlia morena, heloísa lopes,
luciana gonçalves e júlia guimarães ::

9.6.09

comigo :: zeca baleiro

**



Você vai comigo aonde eu for
Você vai bem, se vem comigo
Serei teu amigo e teu bem
Fica bem, mais fica só comigo...

Quando o sol se vai a lua amarela
Fica colada no céu, cheio de estrela
Se essa lua fosse minha
Ninguém chegava perto dela
A não ser eu e você
Ah, eu pagava prá ver
Nós dois no cavalo de ogum
Nós juntos parecendo um
Na lua, na rua, na nasa, em casa
Brasa da boca de um dragão...

Na lua, na rua, na nasa, em casa
Brasa da boca de um dragão...

(cd :: líricas :: zeca baleiro)


8.6.09

Mirando a Miró

eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

Joan Miró :: Ballerina II

Almir D’Ávila entrou criança, declararam ele demente e nunca mais saiu.

Nunca ninguém lhe escreveu uma carta, nem foi visitado por ninguém.


Mesmo que pudesse ir, não tinha aonde; mesmo que quisesse falar, não tinha com quem.


Há mais de quarenta anos, passa seus dias no manicômio de São Paulo, perambulando em círculos, com um rádio colado na orelha, e em seu caminho cruza sempre com os mesmos homens que perambulam em círculos com um rádio colado na orelha.


Um dos médicos organizou uma visita à exposição de pinturas de Joan Miró.


Almir vestiu seu traje único, velhinho mas bem passado debaixo do colchão, enfiou até os olhos seu chapéu de almirante e marchou com os outros rumo ao museu.


E viu. Viu as cores que estalavam, o tomate que tinha bigodes e o garfo que bailava, o pássaro que era mulher nua, os céus com olhos e as caras com estrelas.


Andou, de quadro em quadro, com a sobrancelha franzida. Era evidente que Miró o tinha defraudado, mas o médico quis conhecer sua opinião.


— Demasiada — disse Almir.

— Demasiada o que?

— Demasiada loucura.


Joan Miró :: Tenedor que baila

***

bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004.

***

1.6.09

prosa insoniosa

**
o sono tarda e não há fala que se possa entender

no farfalhar das asas da graúna há uma voz que falha e falta
insisto num canto que entoe aquela melodia vaticínia:
esse corpo acanhado em vibrações a ponto de entreguar-se ao
som da sinfonia
uma combinação harmoniosa e inexpressiva de ruídos que vem do norte do sul do leste quiçá do oeste acaba por zunir
essa sonata

ela oscila meu estado anímico.

corro meus pensamentos e me adentro em um
subterrâneo ontológico
mergulho no céu de ninguém: este ser múltiplo e concreto da realidade que me assalta nesse exato momento em que transcorre o ocaso e o nascer do sol

não há data e hora marcada.

há sim no ar um convite a outros pardejos canários
pássaros pretos para compor um só canto primitivo
que ele se estenda livre em seu desafino e desfie as
fronteiras da noite vociferando melodias
que nunca foram cantadas
que nunca foram bailadas

enquanto ele não vem percebo
— ocupo um ninho que não é meu —

meu corpo é demasiado grande para caber dentro desta
circunferência demasiada inospitaleira.
ou demasiado pequeno para me aninhar nas crises de
hiperafrodisia.

[elas em largas vigílias me desacatam]

nessa inteireza auto-sugestiva percorro os sonos que roubei.
passeio pela insônia de outrem.
busco por um ninho insonhável.
me dedico a essa falta de princípios e nem fins.

cuchilo num átimo de milésimo de segundo

[...]

me desperto enevoada
volto ao tempo dos relógios e dos picos solares
dos compromissos e dos assombros diários

sonâmbula me levanto:
e eis que surge o dia no repique acústico do galo vizinho.