28.3.10

uma homenagem à Lua Cheia


(y un saludo cariñoso a una guapa che de ojitos achinados!)


花間一壺酒
獨酌無相親
舉杯邀明月
對影成三人

月既不解飲
影徒隨我身
暫伴月將影
行樂須及春

我歌月徘徊
我舞影零亂
醒時同交歡
醉後各分散
永結無情遊
相期邈雲漢


***

Bebo sozinho ao luar

Li Po
(tradução: Cecília Meireles)

Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou o único a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à lua:
com ela e a minha sombra, já somos três pessoas.


Mas a lua não bebe, e a minha sombra imita o que faço.
A sombra e a lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a lua vacila.


Quando danço, a minha sombra se agita em redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
Depois, cada um vai para a sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
nossos encontros são na Via Láctea…

***

Tradução-pt: Poemas Chineses: Li Po e Tu Fu. [Por: Cecília Meireles]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.


25.3.10

Se tudo pode Acontecer :: Arnaldo Antunes

*


Composição: Arnaldo Antunes

Se tudo pode acontecer
Se pode acontecer qualquer coisa
Um deserto florescer
Uma nuvem cheia não chover

Pode alguém aparecer
E acontecer de ser você
Um cometa vir ao chão
Um relâmpago na escuridão

E a gente caminhando de mão dada de qualquer maneira
Eu quero que esse momento dure a vida inteira
E além da vida ainda de manhã no outro dia
Se for eu e você
Se assim acontecer...

***


auto-retrato

*

me mirando no espelho
posso ser esta ou aquela
margarida ou flor fingida
e até borboleta amarela

***


do livro PSIA :: Arnaldo Antunes

porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlat O’Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia Filípovna, a minha Brigite Bardot, o meu Tadzio, a minha Anne, a minha Lou Salomé, a minha Lorraine, a minha Ceci, a minha Odete Gracy, a minha Capitu, a minha Cabocla, a minha Pagu, a minha Barbarella, a minha Honey Moon, o meu amuleto de Ogum, a minha Honey Baby, a minha Rosemary, a minha Merlin Monroe, o meu Rodolfo Valentino, a minha Emanuelle, o meu Bambi, a minha Lília Brick, a minha Poliana, a minha Gilda, a minha Julieta, e eu dizia a você do meu amor e você ria, suspirava e ria.

***

bibliografia degustada: ANTUNES, Arnaldo. PSIA. São Paulo: Iluminuras, 2001.

***

21.3.10

O cinema fabrica lembranças :: blog de Felipe

*
*
No ar desde outubro de 2009, o blog O CINEMA FABRICA LEMBRANÇAS. Ideia de Felipe, estudante do ensino médio da Escola da Serra, que surgiu da vontade de dividir com outras pessoas que adoram cinema as suas perspectivas sensitivas de estética e crítica cinematográfica. O Cinema para ele é mais do que a sétima arte, é o olho da objetiva que nos vê através da matéria de nossos corpos. No cinema os movimentos projetados de corpos se desenrolam como uma pintura viva, desenham sobre os nossos rostos cenas cativantes cheias de perturbação, de espera, de explosão, de dor, de gritos, de emoção, de raiva, de ódio, de amor. Enfim, assistimos perplexos ao prazer das nossas mais contraditórias emoções que só o cinema é capaz de nos apresentar. Felipe propõe então uma reflexão sobre essa erupção de sensações e emoções e razões que nos fazem ir ao cinema em busca de respostas para mais perguntas.

Visitem o seu espaço e façam parte da troca de ideias sobre cinema e vida. O blog está cheio de colaboradores ilustres: Godard Fellini Truffaut Bergman Kieslowski Hitchcock Lars Von Trier Joaquim Pedro de Andrade Luis Fernando Carvalho Almodóvar Jean Renoir Alain Resnais Buñuel Tarkovsky Glauber Kubrick. Esses gigantes do cinema são para Felipe "tudo e mais um pouco, mas não deixam de ser apenas uma parte" do que ele busca em suas experiências com a vida e com a sétima arte.



***

dica: Felipe já participou da produção de duas obras interessantes:

o curta Soroco, sua mãe, sua filha

e o documentário Gendarme

***

e mais: ele está organizando o “Cineclube Escola da Serra” que propõe uma homenagem por mês a um grande diretor da história do cinema. Será exibido um filme escolhido pela comissão organizadora e em seguida será proposta uma reflexão crítica sobre o filme com alguns convidados e participação do público. Confiram a agenda no blog O cinema fabrica lembranças.

***

18.3.10

Cerejeiras em Flor :: Hanami

*

Quem me conhece sabe como eu adoro histórias de amor e também sabe como já me desmanchei em cachoeiras de Oxum com diversos filmes que tocaram nesta minha ferida aberta. Muitos filmes me marcaram profundamente e eu os guardo na memória do meu recordo. Cerejeiras em flor é de fato uma excessão à regra. Não que ele não seja uma história de amor, ele é. Não que ele não tenha tocado na minha sensibilidade ultra-sensível, ele tocou. Digamos que até demais. Ele não marcou só o coração. Ele é uma excessão porque fez transbordar do meu corpo aquilo que chamamos alma, a ponto dela vazar pelos olhos. Sim, por causa do filme eu não chorei simplismente lágrimas, eu chorei alma. E esse quadro me acompanhou o filme inteiro e ainda precisei de mais meia hora, depois de seu final, para conter os excessos de alma que não paravam mais de me transbordar, de me inundar em mim.
*
Dessa vez eu não vou me demorar fazendo análises semióticas do filme, pois tudo aquilo que mexe comigo de uma maneira muito particular é de difícil interpretação para mim. Diria que é indizível. Nesse caso eu prefiro guardar a experiência do apenas sentir, sem explicação. E indicar para que veja quem ainda não viu.
*
O filme, inspirado no balé japonês butoh, possui uma elegância refinada, o prazer de uma tranqüilidade na narrativa e uma simplicidade na produção que pode ser verificada na apresentação dos movimentos de suas cenas. Talvez isso seja de difícil compreensão para o pensamento ocidentalizado, exageradamente tecnotizado por estímulos audio-visuais e por tão arrojados efeitos mega-especiais. Talvez por isso várias críticas destrutivas sobre o filme soaram para mim como que carregadas de preconceitos e apresentando uma visão sobre o cinema formatada pelos moldes hollywoodianos da industria cinematográfica.
*
A base na arte japonesa é o diferencial de Cerejeiras em flor, pois configura o mundo no que é essencial: as relações humanas e as pequenas sutilezas da vida! A harmonia coabita com a serenidade dos sentimentos mais contraditórios: a serenidade diante da vida, a serenidade diante da morte. Isso em contrapartida com a velocidade e a ferocidade do nosso mundo pós-moderno. E é exatamente nesta serenidade e na ausência de violência sanguinária ou de cenas erotizadas que o filme nos surpreende de forma cruel, — como aquela crueldade que só Artaud sabe explicar — pois abre nossos olhos do sonho da realidade para que de fato possamos ver. Ver melhor!


***

::.. Ficha Técnica ..::
Título Original: Kirschbluten - Hanami.
Origem:
Alemanha / França, 2008.
Direção e roteiro:
Doris Dorrie.
Produção: Harald Kugler e Molly Von Furstenberg.
Fotografia:
Hanno Lentz.
Música: Claus Bantzer.


site oficial do filme:
http://www.kirschblueten-film.de/

***

14.3.10

Louise Bourgeois: faço, desfaço, refaço :: de Denise Stoklos

*
Fui assistir no Teatro Alterosa, este último sábado (13/03/2010), a uma peça de Denise Stoklos, Louise Bourgeois: faço, desfaço, refaço. Fiquei sabendo dessa atriz através da minha irmã que chegou a pouco de Florianópolis e me contou, a título de comentário, que havia assistido a outras peças dela em São Paulo. O curioso foi que a Margareth me falou de Denise Stoklos em um final de semana e no próximo (no caso este) a peça entrou em cartaz aqui em Beagá. Coincidências à parte, energias e premonições não se explicam, convidei outra amiga e fomos ver o espetáculo.

Denise Stoklos realmente impressiona no palco. Vitalidade, voz poderosa e presença física conseguem retratar de forma ampla e densa a trajetória e as reflexões da escultora Louise Bourgeois: “Meu espetáculo é a Louise inteirinha. É o livro dela completo (Destruição do pai/ Reconstrução do pai: Escritos e entrevistas) e o que pude viver com ela em Nova York, tentando entender o que diz o livro”, afirma a atriz.

O espetáculo foi todo pensado e construído em um trabalho de parceria com a escultora. Esta pequena-gigante senhora de 99 anos, ao contar suas experiências e dividir o seu cotidiano com Denise, não serviu somente de inspiração para a atriz na montagem desse espetáculo autobiográfico, mas participou ativamente de todo o processo de construção da obra. Ela, Louise Bourgeois, escreveu o texto, canto e rap que compõem a dramaturgia da peça, construiu o cenário — que na verdade é uma instalação de objetos que retratam o subconsciente particular da escultora — e ainda atuou como co-produtora do espetáculo junto a Denise Stoklos. A atriz, por sua vez, concebeu o espetáculo a partir da imensa admiração que cultivou por Louise Bougeois, traduziu e adaptou o texto dramatúrgico e assumiu os papéis de direção, coreografia, figurino, sonoplastia, iluminação, além de uma atuação solo no palco.

A peça é um monólogo, mas está longe de ser monótona. Além de incitar uma reflexão sobre os sentimentos humanos como eles são, arrancou risos da platéia apresentando na fala da personagem o humor negro da escultora. Sabemos da dificuldade que existe em conseguir montar um monólogo que prenda a atenção do público. O texto deve ser intenso e intrigante, além da presença física do ator precisar ser muito bem preparada e a força do personagem ser tão bem traduzida em gestos e voz a ponto de seduzir a platéia. No caso do monólogo Louise Bourgeois: faço, desfaço, refaço, Denise Stoklos alcança todas essas qualidades.

A personagem?! Denise Stoklos conseguiu captar em gestos e voz a lógica das pulsões de Louise; vinculou o espetáculo à vida/obra da escultora e teve como ponto de partida o livro de Bougeois: Destruição do Pai Reconstrução do Pai: escritos e entrevistas, ed. Cosac Naify. Assim como o livro, a peça aborda os grandes temas do conhecimento humano e da literatura. A arte não se apresenta nem no livro nem no espetáculo como uma organização de sistemas de arte propriamente ditos, mas em vida e desprendimento da aura em torno ao objeto de arte. Os recalques e embates da vida de Louise como o abandono e a ira, o desejo e a agressão, a comunicação e a inacessibilidade do outro são apresentados e vivificados no palco de forma visceral e fluida. Há o confronto permanente entre as pulsões de morte, as angústia e depressões, os medos, mas também as pulsões de vida. Louise Bourgeois é performatizada pela atriz de forma dolorosa e, ao mesmo tempo, triunfante. Parece que Stoklos vivencia a afirmação de si mesma quando vive a experiência da existência de Bourgeois. A erotização para a escultora é a forma plena e autêntica de comunicação de si com o outro. Na peça a atriz vivifica essa ideia erotizada da escultora no ato de transformar corpo e voz em arte, uma constante conversão física, que toca a conversão da energia da obra da escultora em força energética que emana do corpo da atriz. “Faço, desfaço, refaço” são as palavras de ordem da peça e o título foi sugerido pela própria Bourgeois. Esta tem o desejo de que sua arte seja um corpo erotizado que comunique emoções e pensamentos. Acredito que esse desejo tenha encontrado nesse espetáculo a sua materialidade e uma comunicação através do corpo da atriz Denise Stoklos em contato com o público. Quem assistiu a peça, com certeza, sabe do que estou falando.

O drama?! Esta peça intensifica a referência ao sujeito Louise Bourgeois. Esta por sua vez retira a figura feminina das sombras da história da arte. Denise Stoklos apresenta em carne e espírito esse sujeito duo de Bourgeois: a mulher e a artista excêntrica. Duas sem deixar de ser uma. A aranha é um signo trabalhado pela escultora e mencionada constantemente durante o espetáculo como uma referência à figura materna. Neste caso a teia passa a tomar uma importância muito maior que a imensa aranha das obras de Bourgeois. Teia enquanto texto, enquanto trama, enquanto drama, enquanto vida vivida e tecida pelas mãos femininas e maternas, as que engendram, que envolvem, que enredam.

O cenário?! Antes de tudo, uma instalação. Obras da escultora compõem o cenário do espetáculo. Do lado esquerdo e direito dois objetos, uma escada e um espelho oval. No centro uma célula, ou cela, em forma de octógono (signo da teia?) rodeada de tela de arame. Um penetrável onde são encenados os labirintos sensoriais da escultora que por sua vez são vivenciados pela atriz e apenas observados à distância pelos espectadores, o que considero uma pena! Um espelho redondo no teto da célula em posição levemente inclinada, apresenta outros pontos de vista sobre o local da encenação. Ali dentro, dizem, estão alguns objetos do ateliê de Louise, como ferramentas e moldes de suas esculturas.

Enfim, nesta experiência espetacular, podemos conhecer um pouco mais sobre a vida dessa escultora rara e polêmica que completa seu centenário ano que vem (* 25/12/1911), pensar na função do objeto de arte para nós, sobreviventes do séc. XXI e compreender com maior profundidade as contradições que envolvem estas duas artistas em particular que são dotadas de uma percepção da realidade inconscia e que percorrem os recônditos sentimentos recalcados de todos nós. Elas fazem, desfazem e refazem cada pessoa que ali as assiste, e este é o maior espetáculo.

(foto de San Francisco Chronicle)

“A arte é um privilégio, uma benção, um alívio. Nascer artista é ao mesmo tempo um privilégio e uma maldição. Privilégio porque quer dizer que você é um favorito, que o que você faz não é completamente seu crédito, nem se deve completamente a você, mas um favor que lhe foi concedido. É um privilégio fantástico ter acesso ao inconsciente. Eu tive de merecer esse privilégio e exercê-lo.” (Louise Bourgeois)

***

13.3.10

*

*
E se você dormisse? E se você sonhasse? E se, em seu sonho, você fosse ao Paraíso e lá colhesse uma flor bela e estranha?
E se, ao despertar, você tivesse a flor entre as mãos?
Ah, e então?

(Samuel Taylor Coleridge)

***

11.3.10

Verderias

*
eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)


Quando o mar já era mar, a terra não era mais que rocha nua.

Os liquens, vindos do mar, fizeram os prados. Eles invadiram, conquistaram e verdearam o reino da pedra.

Isso aconteceu no ontem dos ontens, e continua acontecendo ainda. Onde nada vive, os liquens vivem: nas estepes geladas, nos desertos ardentes, no lugar mais alto das mais altas montanhas.

Os liquens vivem enquanto dura o casamento entre as algas e seus filhos fungos. Se o casamento se desfaz, se desfazem os liquens.

Às vezes, as algas e os fungos se divorciam, por causa de brigas e disputas. Segundo elas, eles as mantêm enjauladas e não permitem que vejam a luz. Segundo eles, elas os empanturram de tanto dar-lhes açúcar noite e dia.

***


bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004, p. 04.


7.3.10

*

*
"A felicidade não reside em rebanhos,
nem em ouro;
a alma é a moradia do daímon”

(Demócrito de Abdera :: * 460 + 370 a.C.)

***

daimon :: espírito protetor do homem, essa palavra tem sido usada no sentido equivalente de "boa sorte"