31.12.08

sat nam


algo impossível
em espera inconstante
algo infinita
frêmito de vozes em mim
devir a ser sendo
algo estéril
infrene de resoluções
eloqüente de silêncio-palavra
ausente ao ouvir discursos
calada de opinião
fragmentada :: refratária
em unidade
unissonante
uni
     som
            antes
                    só
                         água
                                
                                    !chuàáàáàá!

por cacaso :: ando cheia de lero-lero




"que a poesia é a descoberta
das coisas que eu nunca vi"
(oswald de andrade)

panacéia

mesmo triste comprove
a alegria é a prova dos 9

***

manhã profunda

um passarinho cantou tão triste
tão sozinho
um outro respondeu espere já vou
aí já vou aí já vou aí

***

didática

a solidão de meu pai foi qualquer coisa
um pouco depois da vida um pouco antes da
morte. como o câncer, por exemplo.

***

infância (1)

submarino é um avião que nada
e tem olho de peixe

***

infância (2)

eu matei minha saudade mas depois
veio outra

***

fotonovela

quando você quis eu não quis
qdo eu quis você ñ quis
pensando mal quase q fui
feliz

***

boêmia

acho que hoje já é
amanhã

***

façanha

tomou muita cachaça
ficou lúcido
quis se matar

***

carteira profissional

não sou amado no amor: sou
amador

***

jura

minha boca sopra no vento: eu te
amo eu te amo

uma navalha corta em dois meu coração

***

inacabado

adio
vou estudando
adio
vou viajando

vidinha adiada a minha

***

idade madura

meu coração anda inquieto e sufocado como
na infância
nas noites de tempestade. é risonho meu futuro?
minha solidão é indescritível.

***

passou um versinho voando? ou foi uma gaivota?

***

para quem por cacaso não conheça!

antônio carlos de brito é conhecido por nós como cacaso. pisciano irreverente (14/03/44) nascido em uberaba-mg e vivido, entre outros lugares, no rio de janeiro. é poeta, compositor, caricaturista e foi professor da puc-rj entre outras profissões de amador que tivera. foi atuante e defensor teórico da geração mimeógrafo que marcou a poesia marginal brasileira dos anos 60 & 70.

suas obras poéticas? pois não! (que se quer pois sim!)
  • a palavra cerzida (1967); considerado como representante da primeira geração pós-vanguarda.
  • grupo escolar (1974); um dos livros da coleção frenesi composta por obras de outros poetas como: chico alvim, roberto schwarz, geraldo carneiro e joão carlos pádua.
  • segunda classe e beijo na boca (as duas de 1975); obras que vieram a lume na coleção vida de artista a partir de parcerias com Eudoro Augusto, Carlos Saldanha e Chacal.
  • na corda bamba (1978)
  • mar de mineiro (1982)
  • beijo na boca e outros poemas (1985); primeira antologia poética do autor.
  • lero-lero (2002); poesias completas editadas e inéditas.
em 1987 sua poesia maior veio através de sua morte. esse mistério poético ele guardou só para si, não voltou para recitá-lo. nos jornais foram impressas as seguintes palavras sobre o evento magistral de sua passagem pela materialidade :: carne, osso e vinho do coração :: " poesia rápida como a vida".


***

bibliografia lida intensamente:
lero-lero [1967 - 1985], cacaso. são paulo: casac & naify, 2002. 

***

minha última leitura de 2008.
que venha a poesia de 2009.
degustarei todas que a mim me apetecerem.

feliz virada para todos nós.

por cacaso,
evoé!

***

e ainda por cacaso end finish antes do fim:

indefinição

pois assim é a poesia:
esta chama tão distante mas tão perto de
estar fria


27.12.08

cypriano & chan-ta-lan :: teatro oficina uzina uzona

estive a pouco em são paulo inaugurando as minhas tão sonhadas férias no palco pista do teatro oficina uzina uzona. as peças que estavam em cartaz eram duas: os bandidos e cypriano & chan-ta-lan. o texto dramatúrgico da segunda é de luiz antônio martinez corrêa & analú prestes, e é sobre ela que procuro escrever aqui minhas impressões primevas.



de clima totalmente acriançado, de cenários e figurinos muito coloridos e inebriantes, cheia de canções e ritmos dançantes, com toda doçura alucinótica de sonho de valsa, a peça começa com a corrida de alice (analú?) atrás do coelho (luiz antônio?) através do mundo dos espelhos. ao chegar numa espécie de jardim-teatro, onde as flores-atrizes cantam, ela maravilhada se dirige às flores-público e diz estar perdida de novo (exatamente como acontece sempre conosco no dia-a-dia de labirintos da cidade-concreto). é nesse mundo imaginário paralelo ao nosso, onde a fantasia se transforma em elos que une a realidade aos sonhos, que acontece o enredo da história.

o texto da peça é construído a partir do imaginário dos contos populares, segue uma tradição dentro de uma narrativa mágica única, onírica, de estrutura apolínea sim! ainda que com elementos dionisíacos, e totalmente intertextual. uma bricolagem de fragmentos, de recortes de fábulas que se cristalizaram de forma muito plástica no imaginário fantástico de nossa herança erê. é uma história que contem várias histórias. é uma teia de contos onde arachne tece o conto maior :: uma história de amor :: que parece entoada pelo espírito de sherazade somando as mil e duas noites.

(cipriano é um jovem príncipe do reino de golconda que se apaixona por uma doce camponesa chamada chan-ta-lan. certo domingo de primavera, a garota encantada pelo pó mágico de uma borboleta negra, desaparece misteriosamente e cipriano, depois de pedir ajuda a deus e ao diabo, se embrenha em uma viagem mítica em busca do “ungüento cor do tempo” (atualidades políticas? acontecimentos culturais? notícias de jornais?), se torna repentinamente o peregrino de uma aventura labiríntica e enfrenta muitos perigos a fim de salvar sua amada chan-ta-lan. conhece a mãe-sol (célia nascimento) e seu filho gay, o resplandecente sol comedor de príncipes (guilherme calzavara). Tem um encontro caliente com a lua (naomy scholling) e conhece as três marias, as constelações ursa maior e ursa menor e até o cruzeiro do sul. encontra a mãe-Natureza (sylvia prado) e se depara com toda a fauna e a flora selvagens de maracangalha. por fim, enfrenta seu grande inimigo, mister jones, para salvar sua amada transformada em mulher-gaivota (ana guilhermina), que foi presa numa gaiola por esse perverso representante do capitalismo cine-show-business. O happy end se dá em sampã-bagdad, onde finalmente acontece o reencontro de orfeu e eurídice, embalado ao som da festa do cabide inspirada no oriente médio - aqui todos são convidados a tirarem a roupa, senão não seria uma peça do grupo oficina!).


o bonito de tudo isso foi ver que em meio a estrelas do teatro oficina, a meninada do projeto social bixigão brilhou com toda força pueril que demanda a peça. crianças e jovens assistidos pelo teatro oficina uzina uzona deram um show de presentificação e atuação cênica, concentração e entrega total de seus corpos nos vários papéis que desempenharam neste espetáculo. quem não viu, torça para que em 2009 a luz vital de luiz antônio martinez corrêa volte a brilhar nas atuações desses jovens atores que na incubadeira do oficina se formam.


atores do projeto bixigão
Adailton Bruno Almeida, Ageboh Cyrille Didiane, Caio Rocha, Carolina Coelho, Cinthia Ingrid, Fernando S Mello, Geni Lira, Isabela Santana, Ivan Cardoso, Jhonatha Silva, Juliane Lira, Juscelino Wabes, Laene Santana, Lara Lima, Leidiane Oliveira, Rafael Sens, Rubsley Cruz, Thauany, Tiago M Jesus.


***

é importante pontuar que cypriano & chan-ta-lan foi a primeira peça escrita pelo irmão de zé celso ainda na incubadeira do teatro oficina em 1973, em parceria com a atriz e artista plástica analú prestes. não fiquei surpresa quando soube que foi censurada pelo regime militar na época, considerando a estética irreverente desse dramaturgo que nunca viu essa sua obra lisérgica materializada nos palcos. tão polêmico quanto seu irmão zé celso, luiz antônio teve uma vida breve, porém intensa, e uma morte trágica. em 1987 foi assassinado brutalmente dentro de seu apartamento em ipanema, crime considerado homofóbico. a mais de 20 anos que zé celso homenageia seu irmão exatamente no dia 23/12, dia em que o corpo celeste de luiz atravessou o meridiano do imaginário para se tornar irremediavelmente em luz. em 1997 encenam em sua homenagem taniko o rito do vale, última peça dirigida por esse dramaturgo. a partir de então todos os anos o grupo oficina encena uma peça nesse mesmo dia em sua memória. ano passado (2007) zé celso e os atores do oficina manifestaram seu luto/festa com o ensaio aberto de cypriano & chan-ta-lan, montada em apenas nove ensaios como conta o próprio diretor marcelo drummond. no ano em que o grupo completa as 50 translações ao redor de apolo (2008), em julho vem à lume essa peça psicodélica, agora definida e reconfigurada aos moldes dionisíacos do grupo oficina, que faz da obra uma tragicomediaorgya – para usar as palavras de zé celso – e encerram o ano de comemorações com essa homenagem amorosa à reminiscência da luz de luiz antônio martinez corrêa.

***


muitas foram as cenas encantadas pelo diretor-mago marcelo drummond. duas em especial ficaram na minha memória que a tudo quer guardar e que pouco consegue de fato processar. a primeira é a cena do pozinho da borboleta noturna que cai na cabeça de chan-ta-lan. nela se combinaram essencialmente imagem, ação e música em uma atmosfera ebriosa que contagia o público pela magia das imagens construidas. a segunda, com as mesmas qualidades estéticas, acontece na aparição da lua causando um impacto sonoro-visual maravilhoso em todos na platéia. com sua voz lírica e convulsiva a atriz naomy scholling vestida de prata, de cabelos loiros e comicamente excitada, cavalga cypriano até gozar histericamente. ao final, diz sentir-se cheia apesa de estar minguante (risos da platéia!). de repente um corte sideral: entra o sol em cena e começa a brigar com a lua (a eterna briga dos astros contada nos mitos de fundação).

por fim:
entre o bem e o mal, entre as luzes e a escuridão, nos encontros e desencontros, no entre lugar da eterna guerra da civilização contra a barbarie, a direção de marcelo drummond foi primorosa. logrou a façanha de combinar elementos apolíneos e dionisíacos com uma sensibilidade técnica excepcional tendo como resultados riquezas cênicas surpreendentes.

diante de tantas belezas sensitivas, quem vai perder tempo em apontar as falhas humanas, demasiadamente humanas?!

parabéns a toda produção técnica e artistas do teatro oficina.
parabéns marcelo drummond.

evoé!

18.12.08

sampa :: saudade da terrinha cinzenta

(photo by luiz henrique assunção)

é como já dizia caetano:

"alguma coisa acontece no meu coração,
que só quando cruza a ipiranga e a avenida são joão"


17.12.08

dylan thomas :: de tão intenso se fez etéreo




***

NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA
COM DOÇURA

Tradução: Ivan Junqueira


Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva
[lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha
[esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela
[alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde
[baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea
[altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua
[travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os
[transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se
[alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula
[obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima
[bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.


DO NOT GO GENTLE INTO
THAT GOOD NIGHT


Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

***

dylan marlais thomas nasceu no país de gales em 27 de outubro de 1914. conta-se que quando criança era um apaixonado por linguagem, seria um dos melhores alunos em língua inglesa, contudo, péssimo nas outras disciplinas. deixou a escola aos 16 anos. aos 20 anos edita seu primeiro livro de poesia chamado Eighteen Poems (1934), um sucesso de crítica na época. no início dos anos 50, década de sua morte funesta por excesso de alcool aos 39 anos, dylan thomas vai para os EUA e depois de vários escândalos-poéticos na boemia americana, se torna mito e é louvado por toda geração beat, influenciando inclusive a música pop. extremamente lírico, teatral e romântico, dylan thomas conquistou platéias com as leituras inflamadas de seus poemas em teatros e universidades. seus poemas resultam de uma irreverência contagiante, de uma agressividade avassaladora e de uma ternura lírica de pura musicalidade que incita necessariamente a transgressão das regras e das convenções socio-políticas.

***

"poesia é aquilo que me faz rir, chorar ou uivar, aquilo que me arrepia as unhas do dedo do pé, o que me leva a desejar fazer isso, ou aquilo, ou nada."
(dylan thomas)


16.12.08

haikais [perene :: etéreo :: intenso]


para augusto de castro



***

rubra surpresa de flôr
os sete olhos de Tara
guardam íntimas palmas

***

nas palmas, os olhos
seduzem o etéreo da flôr 
em eterna Tara

***

que o carmim da flor
seja etéreo para que dure
sua intensa cor

***

13.12.08

marina de la riva :: bh music station




Marina de La Riva canta "Adeus, Maria Fulô",
música de Humberto Teixeira e Sivuca,
ao vivo no Estúdio Showlivre/2008

***
tô hoje lá conferindo!
depois te conto:

bh music station

13 de dezembro (sábado)
Palco Santa Inês
0h15 — Marina De La Riva
Palco Minas Shopping
0h15 — Tattá Spalla
Palco Vilarinho
0h30 — Vander Lee e Lokua Kanza
2h — Tom Zé

Local: Estações do Metrô de Belo Horizonte — Central, Santa Inês, Minas Shopping e Vilarinho. Entrada obrigatória pela Estação Central — praça da Estação, centro
Horário dos shows: a partir das 0h15
Portões abertos às 23h30.

12.12.08

Ophelia :: de William Shakespeare :: arquétipo da donzela indefesa?


Ofélia. Meu bom senhor
Como está Vossa Alteza depois de tantos dias?
[Cumprimento formal. Ofélia tenta manter o distanciamento].

Hamlet. Muitíssimo obrigado: bem, bem, bem.
[Haveria certa ironia na resposta de Hamlet, devido ao tratamento formal de Ofélia quando estão sozinhos?]

Ofélia. Alteza, tenho comigo alguns presentes teus que há muito tempo desejava devolver. Eu te peço que os aceite agora.

Hamlet. Não, não eu.
Eu nunca vos dei nada.

Ofélia. Honrado príncipe, sabes muito bem que sim, e com eles, palavras tão docemente perfumadas que os enriqueceram ainda mais. Mas, agora que esse perfume se perdeu, aceite-os de volta. Para alma nobre os presentes mais ricos perdem seu valor, quando cruel se mostra o doador. Aqui estão, alteza.
[entrega os presentes]

Hamlet. Há, há! És casta? És pura, virgem?

Ofélia. Meu senhor?

Hamlet. És bela?

Ofélia. O quer queres dizer, alteza?

Hamlet. Que acaso tu sejas casta e bela, tua castidade não deve permitir-se qualquer contato com a tua beleza.

Ofélia. Poderia a beleza, alteza, ter melhores relações do que com a castidade?

Hamlet. Certamente. Pois o poder da beleza logo transformará o que fora castidade em alcovitaria, ao invés da força da castidade tornar a beleza em virtude. Isso outrora foi um paradoxo, mas os dias atuais provam que é verdade. Eu te amei um dia.

Ofélia. De fato, alteza, me fizeste acreditar que sim.

Hamlet. Pois não devia. A virtude não pode se enxertar tão profundamente em nosso velho tronco sem que nos sobre sequer algum perfume dele. Eu nunca te amei.

Ofélia. Tanto maior foi meu engano.
[decepção, desilusão].

Hamlet. Vai-te para um convento. Por que te tornarias uma criadora de pecadores? Eu mesmo sou razoavelmente virtuoso, e ainda assim, poderia me acusar de coisas tais, que melhor seria se minha mãe não me tivesse dado a luz. Sou extremamente orgulhoso, vingativo, ambicioso; com mais crimes ao meu dispor do que pensamento para concebe-los, imaginação para dar-lhes forma ou tempo para comete-los. O que fariam sujeitos como eu, se arrastando entre o céu e a terra? Somos todos uns completos patifes. Não acredites em nós. Vai-te para um convento. – Onde está teu pai?
[Mudança de tom. Talvez para um sussurro, para que apenas ela ouvisse].

Ofélia. Em casa, alteza.

Hamlet. Que as portas se mantenham fechadas sobre ele, para que não banque o idiota em nenhum lugar fora sua própria casa. Adeus.

Ofélia. [ao lado] Oh, céus, ajudai-o!

Hamlet. Se te casares, te dou essa praga como dote – Mesmo sendo casta como o gelo e pura como a neve, não escaparás à calúnia. Vai-te para um conventilho, um bordel, vai! Adeus. Ou, se realmente tiveres de casar, casa com um tolo; pois os homens sábios sabem muito bem o que fazes deles. Para um bordel, vai, e rápido. Adeus!

Ofélia. [ao lado] Oh, poderes celestiais, curai-o!

Hamlet. Tenho ouvido também de como te pintas, muito bem. Deus te deu uma face, e fabricas outra. Tu andas requebrando e saltitando, falas como criança, dás nomes às criaturas de Deus, fazendo tua sedução se passar por ignorância. Vai-te - não agüento mais - foi isso que me deixou louco. Eu digo que não haverá mais casamentos. Daqueles que estão casados, todos, menos um, continuarão vivos; o resto deve permanecer como está. Para um convento, vai!
[sai de cena]

Ofélia. Oh, tão nobre espírito assim devastado!
A língua do cortesão, a espada do soldado, o olho do estudioso,
A esperança e flor do belo Estado,
O espelho da moda, o molde da forma,
Admirado pelos admiráveis – tão, tão arrasado!
E eu, entre as damas, a mais abatida e miserável,
Que experimentou a doçura dos seus votos musicais,
E agora vê aquele nobre e soberano raciocínio,
Como sinos rotos a tocarem estridentes e fora de tom;
Aquela incomparável beleza e os traços da juventude
Destruídos pela loucura. Oh, pobre de mim
Ter visto o que vi, e ver o que vejo!”

***

tradução e adaptação de kelly lima.


algumas ophelias


"em seguida, ophelia, deixe-me comer o teu coração
que chora as minhas lágrimas".
hamlet

Bel Garcia como Ophelia :: peça Ensaio. Hamlet :: cia dos atores.

"me fizeste acreditar que sim."


Ophelia & Hamlet :: Asa Lanova & Maurice Béjart :: dança contemporânea :: Paris, 1953.

"para alma nobre os presentes mais ricos perdem seu valor, quando cruel se mostra o doador."
*

Ophelia :: Agnieszka Motyka :: fotografia de.

"tanto maior foi meu engano."


Ophelia :: John William Waterhouse

"E eu, entre as damas, a mais abatida e miserável."


Ophelia :: John William Waterhouse

"Poderia a beleza ter melhores relações do que com a castidade?"

Ophelia :: John Everett Millais

"ter visto o que vi, e ver o que vejo!"
*
Ophelia :: Arthur Hughes

"Hamlet: Tenho ouvido também de como te pintas, muito bem. Deus te deu uma face, e fabricas outra"

Ophelia :: Alexandre Cabanel

"Aquela incomparável beleza e os traços da juventude, destruídos pela loucura. Oh, pobre de mim!"


Ophelia :: Gregory Crewdson :: fotografia de.

"Hamlet: Se te casares, te dou essa praga como dote – Mesmo sendo casta como o gelo e pura como a neve, não escaparás à calúnia. Se realmente tiveres de casar, casa com um tolo; pois os homens sábios sabem muito bem o que fazes deles. Para um bordel, vai, e rápido. Adeus!"

***

ophelia


sol das almas que se fez
dos olhos da menina

moça-lamparina
a sua luz de iaiá
a sua luz de sinhá
moça-lamparina
onde andará?

lamparina que não alumia mais.
lamparina que não alumia mais.
lamparina que não alumia mais

sol das almas que alumia
a vida que se mata.

a dor
é com amor que se mata
a vida
é por amor que se mata
o olho
é pela dor que se mata
o sol
é com ardor que se mata
o amor

ophelia, onde andará?


9.12.08


***

bom de viver
é comer tapioca
na praça santê

***

comer de viver
na praça tapioca
é bom de santê

***

bom de comer
  é santê na praça 
 e tapioca viver

***

tapioca santê
de bom na praça
é viver e comer

***

8.12.08

catar feijão :: joão cabral de melo neto


Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um, risco
o de que entre os grão pesados entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.

***

depois de escrever catar-feijão me lembrei do poema de joão cabral de melo neto que leva o mesmo nome. sem querer comparar os dois, absolutamente. os versos do poeta engendram um meta-poema, fala do labor de escrever poesia, de selecionar as palavras, de escolhê-las com um cuidado criterioso, de encontrar nessa faina a poesia da palavra-pedra, da palavra-palha, da palavra-feijão, sem música alguma. você lê o poema e as pedras pululam na boca. o meu, não quer falar de poesia, nem de pedra, nem de palavra, tampouco de feijão. é puro clichê e fácil de ler.

5.12.08

despida de pele :: de ana dundes



vestia
um vestido
de culpa

vestido
estreito
[injusto]

tecido
de pele
de gente

atado
o corpo
sofria

calada
a boca
nem ria

no olho
um vale
se via

naquela
não se cabia

nem mais
se seria

mas num dia
com goles
de pura
ousadia

rasgou o vestido
no dente

despida
da veste
estranha

verteu
[de dentro]
as entranhas

***

sou leitora assídua dessa poeta. gosto do jeito como ela subverte o sentido literal das palabras. gosto do seu humor negro no que diz respeito ao amor, à dor, aos sentimentos humanos dos mais corriqueiros, dos mais essenciais e, às vezes, até dos assuntos que julgamos nada poéticos. tudo vira poesia na palavra dela :: poema em forma de brevidade :: de força imagética :: de etcetares de língua, de boca, de sabores!
é a síntese de uma dor viva que nem sempre dói, que é aguda, penetrante, cáustica e também lasciva, voluptuosa, sensual.

tantos adjetivos para se dizer o que não se consegue de fato explicar.

enfim,
indico aos leitores esse blog. tem muita itensidade sensorial e pungente lá.
visitem e confiram!

ana dundes em:


3.12.08

eis a questão de Ophelia



falo ou não-falo:
se não-falo,
faz falta?



2.12.08

um dia daqueles :: hoje para mim foi



do livro: 
Um dia daqueles: uma lição de vida para levantar o seu astral.
de Bradley Treyor Greive

era tudo o que eu precisava depois de hoje.
foi osso, mas o dia acabou.
que venha o amanhã.
vai ser outro dia!


1.12.08

dois mundos

a miguel de unamuno

estou farta do mundo sensível da fome
deste mundo sensível filho da fome
que cega os sentidos
e cala devaneios
tira o gosto das cores da boca
e a dança da música agrio que baila o silêncio

estou farta do mundo sensível da fome
deste mundo sensível filho da fome
que mata de úlcera
todos sonhos dalva
quero o tempo dos ventos nos pelos
o verde sem medo de áspide que envenena os ensejos

e quando saborear o mundo ideal do amor
sim, o mundo ideal filho do amor!
quem poderá dizer: qual quimera!?
quem poderá provocar a sua inexistência?
se sinto em mim florear um corpo idílico,
se me flama a sua frágil persistência?

ah! homem de carne e osso
que não se farta de vida
para garantir sua fome de existência

***


esse poema eu escrevi a anos atrás quando estava submergida na filosófica leitura existencialista Do Sentimento Trágico da Vida de miguel de unamuno e totalmente contagiada de sua linguagem e pensamentos que ele me instigava. além de filósofo, foi poeta e escritor espanhol da famosa geração de 98 - fins do sec. XIX. dentre às anotações de minhas leituras eu encontrei algumas citações célebres deste livro, de grifo meu, que marcaram o meu jeito de pensar deus, religião, política e revolucionou a forma de me sobre-pensar, enquanto ser quase onisciente de mim mesma:

"Nós só vivemos contradições e para as contradições; a vida é tragédia e luta perpétua sem vitória e sem esperança de vitória; ela é contradição"

“O homem concreto, de carne e osso, é o sujeito e, ao mesmo tempo, o supremo objeto de toda filosofia.”

“Assim, o que mais nos deve importar num filósofo é o homem”

“A filosofia é um produto humano de cada filósofo, e cada filósofo é um homem de carne e osso que se dirige a outros homens de carne e ossos como ele. Faça o que fizer, filosofa, não apenas com a razão, mas com a vontade, com o sentimento, com a carne e com os ossos, com toda a alma e todo o corpo."

"A fé, a vida e a razão se necessitam mutuamente. O anseio vital não é propriamente problema, não pode adquirir estado lógico, não pode formular-se em proposições racionalmente discutíveis, mas se coloca a nós, como a nós se coloca a fome. Um lobo que se lança sobre a sua presa para devorá-la ou sobre a loba para fecundá-la também não pode colocar-se racionalmente, e como problema lógico, o seu impulso.”

“Não basta pensar, é preciso sentir nosso destino”