20.12.12

entre o choro e o riso...
eu rio e você ria
entre lágrimas rimos das rimas
brancas pálidas

entre o choro e o riso
rio de rimas
ria que rimos
rio que ria
ria do rio...
ri... ri... ri...
ria rio ri
só ri
só rio com o seu sorria

riachoro
riacho
ria
ri
ia

16.12.12

flautas

tradução livre :: patrícia mc quade

Dançar a vida, comer a vida: a cidade de Sibaris, ao sul do que agora chamamos Itália, estava consagrada à música e à boa mesa.

Mas os sibaritas queriam ser guerreiros, tiveram sonhos de conquista; y Sibaris foi aniquilada. Crotona, a cidade inimiga, apagou Sibaris do mapa há vinte e cinco séculos.

Às marges do golfo de Tarento, ocorreu a batalha final.

Os sibaritas, educados na música, foram pela música vencidos.

Quando a cavalaria de Sibaris se lançou em combate, os soldados de Crotona desembainharam suas flautas. Os cavalos reconheceram a melodia, frearam o galope em seco, levantaram suas patas y se puseram a dançar. Não era o momento oportuno, dadas as circunstâncias, mas os cavalos seguiram dançando, de acordo com seu gosto e costume, enquanto seus  cavaleiros fugiam e as flautas não deixavam de soar.

bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004, p. 161.

13.12.12

*

aire bajo el agua
tenía que respirar
fuego bajo el agua
tenía que quemar
hay el aire el agua el fuego
bajo el tiempo

bajo luciérnaga...
hay la tierra...
...una vaga lamparilla


(para gabriela carriõn)

9.12.12

a veces sólo un bandoneón te despierta.
si se calla, te vuelves a dormir.

16.11.12

presente quebrado


é para Ti que preparo este presente
não tem laço de fita, nem papel colorido
não é caixa de bombom nem sequer um vinil antigo

é para Ti que preparo este presente
não toca música ou roda a bailarina madame
não vem em cesta de vime ou farfalhar de celofane

é para Ti que preparo este presente
não dá pra ler nem ver paisagens postais
não dá pra vestir calçar sequer é uma inutilidade a mais

não
é somente para Ti que preparo este presente

desfio de chuva
perfume de terra
raio de uma estrela decadente

não
é para Ti que preparo este presente

afronta de gritos surdos
mãos conchas que guardam segredo
tempestade
mundo asfaltado
dança em meio-fio
tempo por um fio
chita no corte de seda remendado

não
é para Ti que preparo este presente

furacões
cabelos emaranhados
sopro de brisa
um assovio um sonho
insônia
desvario

não
é  para Ti que preparo este presente

caos em sobressalto
tudo ordenado entre dois nós

cegos
prédios
portos
portfólios
cadarços trocados
outdoors
produtos importados
aerossóis

não
é para Ti que preparo este presente

acontece só em uma outra galáxia que gira entre dois sóis
presente abduzido
de um outro mundo
e um não encontro meu estou entre nós

sim
esse presente tem um olho cego!
Titã ferido na sorte de um lance de dados
Odisseu desengonçado
cospe fogo e mira o olho
atinge em cheio
lança tridente uma Sereia em tom desafinado

não
é para Ti que preparo este presente

dor de ouvidos moucos de dar dó
headphones
chopin, iron maden, tom jobin, cartola
sonata
frustrada a la toada
vinho canção
uma sina

reticência

dissonância.

não
é para Ti que preparo este presente

presente que acontece na exata hora imprópria
em ponto!
na mesa do bar, diante um copo vazio
e mais um desencontro

ontem hoje todo dia após dia
in-louco
in-glório
o presente que chega na hora já esperada:
atrasado
in-certo

mas a culpa é do correio!
e da falta de um destinatário
garrancho na caligrafia
X em endereço inexistente
acaba por ser mais um presente-ausente

não
é para Ti que preparo este presente

oceano de enganos
amor socialista
e antes do tombo
um passo de dança
e de repente
quase um amor anarquista

não
é para Ti que preparo este presente

sobra de lua de nuvem dois sós
presente desarvorado
teima fazer de Eu, de Ti, um Nós

e quando recebes este presente
e pregas e despregas e reviras e revoltas e
descrédito por não-estar nenhum mal-estar ausente

não
é para Ti que preparo este presente

todavia eu sei
que no lugar de um vale presente
preferirias uma flor no cabelo
um tropeço de rima
um poema brega
brincadeira de borboletas
e uma folha que rodopia ao vento

21.10.12

Amor Feliz


Amor feliz. Será normal,
será sério, será útil? – 
que tem o mundo a ver com duas pessoas
que não vêem o mundo?

Erguidos ao seu céu sem mérito nenhum,
os melhores entre milhões e convencidos
que assim tinha de ser – a premiar o quê? Nada;
de algum ponto cai a luz – 
e porquê logo sobre estes e não outros?
Ofenderá isto a justiça? Sim.
Perturbará os princípios estabelecidos com cuidado?
Derrubará do seu púlpito a moral? Perturba e derruba.

Olhem-me bem estes felizardos:
se ao menos se mascarassem um pouquinho,
fingissem melancolia dando assim algum ânimo aos amigos!
Ouçam bem como se riem – é um insulto.
A linguagem que usam – entendível, pelos vistos.
E aquelas cerimónias, etiquetas,
obrigações rebuscadas um para com o outro – 
parece mesmo um acordo nas costas da humanidade.

É difícil até de prever no que daria
se um tal exemplo pudesse ser seguido.
Com que é que poderiam contar as religiões, a poesia,
de que nos recordaríamos, de que desistiríamos,
quem quereria pertencer ao círculo?

Amor feliz. Assim terá que ser?
Tacto e bom senso mandam omiti-lo
como a um escândalo nas altas esferas da Existência.
Magníficas crianças nascem sem a sua ajuda.
Nunca por nunca ele poderia povoar a terra
já que tão raro é acontecer.

Deixem que quem não conheceu o amor feliz
afirme que não há amor feliz.

Com esta crença mais leve lhes será tanto viver como morrer.

SZYMBORSKA, Wislawa. Paisagem com grão de areia,
Trad. Júlio Sousa Gomes. Relógio d’Água: Lisboa, 1998. 

23.9.12

Amor à primeira vista


de Wislawa Szymborska

Ambos estão certos
de que uma paixão súbita os uniu.

É bela essa certeza,
mas é ainda mais bela a incerteza.

Acham que por não terem se encontrado antes
nunca havia se passado nada entre eles.
Mas e as ruas, escadas, corredores
nos quais há muito talvez se tenham cruzado?

Queria lhes perguntar,
se não se lembram -
numa porta giratória talvez
algum dia face a face?
um “desculpe” em meio à multidão?
uma voz que diz “é engano” ao telefone?
- mas conheço a resposta.
Não, não se lembram.

Muito os espantaria saber
que já faz tempo
o acaso brincava com eles.

Ainda não de todo preparado
para se transformar no seu destino
juntava-os e os separava
barrava-lhes o caminho
e abafando o riso
sumia de cena.

Houve marcas, sinais,
que importa se ilegíveis.
Quem sabe três anos atrás
ou terça-feira passada
uma certa folhinha voou
de um ombro ao outro?
Algo foi perdido e recolhido.
Quem sabe se não foi uma bola
nos arbustos da infância?

Houve maçanetas e campainhas
onde a seu tempo
um toque se sobrepunha ao outro.
As malas lado a lado no bagageiro.
Quem sabe numa noite o mesmo sonho
que logo ao despertar se esvaneceu.

Porque afinal cada começo
é só continuação
e o livro dos eventos
está sempre aberto no meio.

(Tradução Regina Przybycien)

20.9.12

que o mundo acabe num suspiro

sem a melancolia da lágrima suspensa na ribalta que não se permitiu rolar precipício abaixo
sem o lamento do amor não vivido num espaço que só as naftalinas conseguem eternizar
sem a gana de viver todo o perdido do tempo nos últimos segundos de insistência
sem o drama venturoso do que poderia ser e não foi além da mediocridade

mas que acabe num suspiro da clara de ovo batida com açucar
na espiral e tempo em câmera lenta segura pela mão
assado ao fogo matutino dos raios de sol
ao ponto de dar água na boca

hum! que o mundo acabe com a última mordida na Aurora

que o mundo acabe num suspiro

18.9.12

!

acorda, bebe dessa montanha, come desse céu,
despenteia esse cabelo e
saiba que o mundo é todo teu!

5.9.12

ele


para meu léu*

"conheço do amor o pouco que me ensinaram
os olhos que me amaram".
Fédon

um mar revolto
um terremoto no leito
uma agonia mórbida
um estado anestésico de embriaguez
um folhear fosforescente
uma ostra que guarda a palidez da pérola
um aliento afrodisíaco
carnaval em corpus christi
fatal crepúsculo da alvorada
seda de palavras que dá sede de mergulho
som de violino se rindo
estrela desgrelhada
como um deus e seu falo forte
um cacto árido que se dá em flor
um louva-a-deus convalescente
uma ruga no pensamento
que gota a gota se desprende dos olhos
que gota a gota se esgota na boca
um gosto ácido
um gozo acre
todo spoke que pipoca garganta
colapso de intrigas
uma formosura, espécie extinta
um composto de édem
uma libido dos infernos
asfalto de sedimentos precipitados
solução de sentimentos insolúveis
de espasmos líricos e dramáticos
narciso diante do espelho
o reflexo de si e de um outro
uma presença na ausência
um devir inexistente
despótica matéria de paraíso e carne
emaranhado nos cabelos de Ophelia

um exu ao tucupi
baco que dança no tacacá

repique atabaque de iansã

Gato num apartamento vazio

Wislawa Szymborska

Morrer - isso não se faz a um gato.
Pois o que há de fazer um gato
num apartamento vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos móveis.
Nada aqui parece mudado
e no entanto algo mudou.
Nada parece mexido
e no entanto está diferente.
E à noite a lâmpada já não se acende.

Ouvem-se passos na escada
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe no pratinho
também já não é a mesma.

Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e esteve,
e de repente desapareceu
e teima em não aparecer.

Cada armário foi vasculhado.
As prateleiras percorridas.
Explorações sobre o tapete nada mostraram.
Até uma regra foi quebrada
e os papéis remexidos.
Que mais se pode fazer.
Dormir e esperar.

Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender 
que isso não se faz a um gato.
Para junto dele
como quem não quer nada
devagarinho, 
sobre patas muito ofendidas.
E nada de pular miar no princípio.

Fonte: SZYMBORSKA, Wislawa. Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. São paulo: Companhia das Letras, 2011.

19.8.12

epitáfio

chovem risos e lágrimas na lápide
aqui jaz o amor, morte prematura
estica o fio seda da eternidade
de suas flores nasce poesia futura

estrela e musgos adornam seu cabelo
sabem agasalho por uns, aconchego
sabem outros, serpente, ira e desespero

na soledade d’alma ensolarada
na palma da noite pois sepultura
pedra sobre pedra dessa lápide
se insiste nuvem, leveza perdura

de seu riso não se faça flagelo
de seu desejo, apluma sonho singelo
sol das almas! chove epitáfio libelo

(para García Lorca, in memoriam)

15.8.12

dialogando com rosa:

... se o que lembro, tenho
o que tenho, livre lembro ser...

4.8.12

pra que tanta brevidade de pedras?
só as nuvens e as bolhas de sabão são eternas...

3.8.12

..............todo mistério da vida está
numa nuvem que chove
numa bolha de sabão que explode.

16.7.12

:

... e esse sonho que dissipa o olho de fora quando se olha com o olho de dentro que olhando para fora se olha tanta coisa que o olho de fora já não consegue olhar o que tem fora sem ser com o olho de dentro e volta o olhar para dentro quando o olho de fora olha tentando encontrar o olhar do olho de dentro ... e se assim se olham, o olho de fora nuvem nada dentro no olho de dentro... mas o olho de dentro olha: olha olho olha sonho olha pedra olha nuvem olha pensamento...

15.7.12

.

"Gritamos que queremos moldar um futuro melhor, mas não é verdade. O futuro nada mais é do que um vazio indiferente que não interessa a ninguém, mas o passado é cheio de vida e seu rosto irrita, fere, a ponto de querermos destruí-lo ou pintá-lo de novo. Só queremos ser mestres do futuro para podermos mudar o passado. Lutamos para ter acesso aos laboratórios onde se pode retocar as fotos e reescrever as biografias e a História".

KUNDERA, Milan. O Livro do Riso e do Esquecimento. Companhia das Letras: 2008. S.P. p. 30.

6.7.12

Quando vier a Primavera, 
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 
A realidade não precisa de mim. 

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro

30.6.12

...

... sinto..., logo rexisto...

27.6.12

*

só sei dizer duas coisas sobre mim:
sempre sou eu mesma e
jamais serei a mesma pessoa.

22.6.12

decreto 171


§ segundos & além dos terceiros:

está deliberadamente proibido rimar amor com dor.
...
revogadas as disposições contrárias de qualquer licença poética que se preste.

3.6.12

:

... a fala foi a falta do sim
quando o nunca sempre (h)ouve!

28.5.12

Amar



Amar

de Carlos Drummond de Andrade


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?
.
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
.
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

3.5.12


:: tras la fatalidad
una sonrisa despeinada
y listo revolución ::

29.4.12

andorinha só não faz verão
mas duas fazem ninho

11.4.12

:

o que me aflige?
a-humanidade me aflige.

1.4.12

psiu,

silêncio!
cessa o alarido dos ouvidos
calado coração o desassossego

28.3.12

*

para poliany figueiredo

giro de 360 graus e ninguém se vê
deserto à vista
silêncio ecoa gargantas
ouvidos moucos de grito e vazio
rochas de bilhões de anos se revoltam em grãos
um gão
instante do Eterno

ninguém surge aspirando oásis
antes, veste o vestido de tempo e tempestade

.a.r.e.i.a.

ninguém desenha pedras:
o sol se equilibra em dunas
sede ao som e ária que venta
dunas morosas e dengosas
de um lado a outro e vãos
fendas
acariciadas pelas mãos pequeninas do sol
afora dunas da cauda do vestido que baila

cactos bordados
tatos espinhos

ninguém nos espinhos
mata-se sede
fere-se ranhuras de rochas
o sol acalenta

a seiva o caule
a flor espantada e carmim
enigma de morte
- irmãs gêmeas -
esfinge de vida

odor ocre
cor
e um calafrio

ninguém só, veja!
a aridez
o sol escaldante
espera-se o nascer inesperado
e o cacto primevo

espinhos verão
flores não tardarão
veja!
ambos adornam o vestido
suco cáustico embriaga a sede

ninguém abre a porta do deserto
para que outros vejam

as dunas os cactos as flores os espinhos as pedras
ninguém
veja!
a cauda do vestido que baila
o sol o vento
tudo no-nada
ao som de uma ária

15.3.12

.

amar é esticar o fio da manhã até fazê-la eterna...

6.3.12

.

- por que tanta pressa de viver?
- porque há tanta eternidade em cada instante.

22.2.12

.

viver tudo
até a experiência da morte
finalmente e afinal
viver

confissão de carnaval

vamos nos encontrar num carnaval desses pra conversar

...?...

eu preciso muito te ver!
às vezes conseguimos nos comunicar melhor sem nenhuma palavra
quando dizíamos tudo no silêncio da palma.

depois de passado o susto do encontro,

sambamos: é só confessar baixinho
o que se quer contar
e o

outro se escuta até o final
sem interromper...

chega a sua vez

um passo, um salto, um samba

a vez do outro

que bom carnaval!

assinado: assim seria.


4.2.12

:

e pousava ali
em simplicidade
o caule e uma rosa

13.1.12

Penduricalho


quando si e mi lá tocam
si dó ré mi
sustenido dó da nota de lá
dó ré mi fá
escala menor vento e acorde
fá sol lá si
sussurra bemol mi si lá sol
sol lá si dó
lá adágio verso que dó.

canta-si lá rima de si para mi
re mi fá fá ré
quando si o mi lá toca
dó ré mi fá sol
sustenido dó da nota de lá.

sonatina de mi
lá sol fá mi ré dó
sinfonia de si

si dó mi fá sol
eco, canto lá ré de dó
mi fá sol lá si

canta-si lá dó ré tum-tum:
coração acorde de si e mi.

3.1.12

Escola pública, 1976. Dona Elza não tinha ninguém, só um papagaio que lhe havia deixado uma cicatriz na testa, mas declarava seu amor ao homem. Talvez tenha sido por isso que um dia decidiu nos levar ao laboratório, reservado normalmente aos meninos mais velhos.
Fazia um sol branco sem calor.
A primeira revelação que ela nos faria – como parecia feliz! – era
algo que apenas as crianças realmente inteligentes veriam como
extraordinário. Os tolos, os ignorantes, teriam medo – e que medo mais
sem cabimento! E fez-se uma expectativa, uma espera, como se ela
aguardasse que decidíssemos: e então, tolos ou sábios? Depois, puxou o plástico
negro que cobria um esqueleto. Riso nervoso dos garotos, estupefação
forçada dos mais cínicos, gritinhos das meninas.
- Calma, calma, ela pedia, forçando um sorriso como se estivesse
sorrindo mas tentando se conter. E com um tom elevado:
– Isto, meus alunos, é o homem!
O homem. Ou a mulher, acrescentou. Não havia razão para riso nem medo
– era de plástico e mais: era a ciência. Ela compreendia algum
espanto, mas tinha certeza de que não a decepcionaríamos.
Amontoamo-nos em torno do esqueleto, suas órbitas abertas, seu riso
sem direção, seus ossos enormes ou mínimos, atados com arame.
- A mulher? – perguntou um menino de cabeça raspada.
- Claro que sim. Por dentro somos iguaizinhos. – e as meninas pareciam
envergonhadas de sua nudez, ou como que traídas.
Minha professora morreu oito anos depois.

:: um miniconto de carino schlemihl ::