29.3.13

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sonho porque te quero
vênus
sereia

quero porque te sonho
riso
estrela

Ana Martins Marques


Penélope (I)
Ana Martins Marques

O que o dia tece,
a noite esquece.
O que o dia traça,
a noite esgarça.
De dia, tramas,
de noite, traças.
De dia, sedas,
de noite, perdas.
De dia, malhas,
de noite, falhas.

Penélope II
Ana Martins Marques

A trama do dia
na urdidura da noite
ou a trama da noite
na urdidura do dia
enquanto teço:
a fidelidade por um fio.

Penélope III
Ana Martins Marques

De dia dedais.
Na noite ninguém.

Penélope IV
Ana Martins Marques

E ela não disse
já não te pertenço
há muito entreguei meu coração ao sossego
enquanto seu coração balançava em viagem
enquanto eu me consumia
entre os panos da noite
você percorria distâncias insuspeitadas
corpos encantados de mulheres com cujas línguas
estranhas eu poderia tecer uma mortalha
da nossa língua comum.
E ela não disse
no início aínda pensei em você
primeiro como quem arde diante de uma fogueira
apenas extinta
depois como quem visita em lembrança a praia da infância
e então como quem recorda o amplo verão
e depois como quem esquece.
E ela também não disse
a solidão pode ter muitas formas,
tantas quantas são as terras estrangeiras,
e ela é sempre hospitaleira.

Penélope V
Ana Martins Marques

A viagem pela espera
é sem retorno.
Quantas vezes a noite teceu
a mortalha do dia.
quantas vezes o dia
desteceu sua mortalha?
Quantas vezes ensaiei o retorno -
o rito dos risos,
espelho tenro, cabelos trançados,
casa salgada, coração veloz?
A espera é a flor que eu consigo.
Àgua do mar, vinho tinto - o mesmo copo.

Penélope VI
Ana Martins Marques

E então se sentam
lado a lado
para que ela lhe narre
a odisseia da espera.
Poemas publicados no livro A vida submarina (Editora Scriptum, 2009)