28.4.09

:: luto ::

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"o mistério do amor é maior que o mistério da morte"oscar wilde
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Edouard Manet. The Balcony. 1868.
René Magritte. Perspective II: Manet's Balcony. 1950.
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imagem retirada do blog :: [Gonzo Zine]

:: blog :: boca no trombone :: alê peixoto ::

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Amigas, amigos, leitores do blog e ainda os não-leitores.

Estou aqui para um desabafo.
Para quem não me conhece, um breve resumo da minha trajetória de vida:
nasci no subúrbio do Rio de Janeiro, numa família pobre. Estudei minha vida inteira em escola pública. Dei sorte de estudar no Pedro II, é verdade. Mas o fato é que minha família não tinha a menor condição de nos dar uma educação particular. E os perrengues eram parte do dia-a-dia. Lembro que um dia um circo chegou no bairro, um circo daqueles bem pobrezinhos, e corri para pedir dinheiro para a Zezé, minha mãe. Nossa, eu chorava de um lado, porque não acreditava que ela não tinha dinheiro para que eu pudesse ver os palhaços e ela chorava porque não acreditava que estava negando isso às suas filhas. Era fato, não tinha dinheiro.
Me lembro da primeira passeata que fui. Eu tinha 8 anos. Lembro de ver a Glória Maria (embora muito tempo depois tenha descoberto que ela não estava orientada a cobrir o evento de forma imparcial). A passeata, a primeira de minha vida foi o comício das Diretas Já. Minha mãe fazia cabides de crianças e pegou dois fios verde e amarelo e nos enfeitou a juba. Me lembro da Zezé emocionada e meus braços arrepiados com toda aquela gente.
Lembro dela votando no Brizola, no Darcy, quase sempre no PDT. Ela sempre foi esquerdinha, essa Zezé. E teve a morte do Tancredo. Foi um velório lá em casa.
Bem, posso ficar contando aqui muita coisa. Mas o fato é que minha história de vida é a mesma da maioria das pessoas desse Brasil. Sofrida, cheia de adversidades.

A questão é: o que isso tudo tem a ver com o blog?

Muitas pessoas já me perguntaram o por quê de tanta dedicação ao Boca no Trombone.
Sim, eu dedico muito tempo, tempo até demais, a esse projeto. Porque eu acredito que nós, cidadãos, temos um poder que não sabemos. Ou se sabemos, não usamos. Simplesmente não exercemos plenamente nossa cidadania. Nos conformamos apenas, na maioria dos casos, em sermos consumidores passivos, observadores apáticos e eleitores distraídos. Estamos desmobilizados, inertes. Nem sequer percebemos que todos os dias estamos sendo manipulados, via jornais e telejornais. E isso me incomoda, muito mesmo. Porque quando vejo os gregos quebrando tudo por causa da morte de um único jovem pela polícia, penso: por que isso não acontece no Brasil? Por que somos tão apáticos, tão passivos? Mino Carta já disse que temos ainda, no nosso lombo e na nossa alma, a marca do chicote.
Mas até quando vamos permitir a essa elite esse domínio, esse controle de nossa riqueza, produzida com o suor de nossos pais, avós e filhos? Até quando vamos permitir essa corrupção generalizada e esse pacto dos potentes? Até quando vamos nos conformar em sermos chicoteados numa plataforma de trem?

Eu não concordo com as pautas dos jornais, eu não acredito na cobertura do Jornal Nacional, eu não uso a Veja nem pra limpar minha bunda, caso faltasse um papel higiênico. Ainda bem que chegou a internet e ainda bem que eu consigo peneirar o que é jornalismo confiável. Tem muita gente boa, muitos jornalistas que divergem horrores entre si, mas que a gente pode confiar que não vão manipular os fatos, não vão distorcer a verdade. E simplesmente, é isso que que desejo. O fato. A verdade. Os dois lados da moeda. Sempre. Infelizmente essa ferramenta não chega ainda ao povão, de forma barata e com qualidade. E quando chega a galera está mais interessada em sites de relacionamento e de fofocas do que realmente em aproveitar todo o potencial que esse trem tem. Mas isso está mudando. Até o Lula vai ter um blog. Depois do Obama, até o nosso presidente percebeu o poder da internet. Por isso tem aquele senador do PSDB, o Eduardo Azeredo, o pai do mensalão. Ele quer passar uma lei que vai controlar absurdamente o acesso à internet. Porque ele sabe, e as empresas que ele representa sabem o poder que esse troço tem. Eles acham que irão conseguir. Não irão. Não se daqui pra frente nos mobilizarmos para impedir esse controle. Porque essa ferramenta, a internet, ela é DEMOCRÁTICA, sacou? Ela nos conecta com o mundo!

Partindo desse princípio, o Boca no Trombone se transformou na minha válvula de escape, no meu prozac. Que televisão que nada, aquele monólogo colorido que não deixa as pessoas conversarem. Eu quero é me expressar, mesmo que aqui não tenha muitos textos meus (porque sou preguiçosa pra escrever). E o jeito que encontrei de militar foi esse: divulgar textos, temas, assuntos e pautas que não tem espaço na grande mídia, esta que atende exclusivamente aos seus próprios interesses e aos de seus patrocinadores. Porque não interessa aos potentes que o povo se informe, que o povo saiba da verdade, nua e crua. Não, o que essa mídia faz é nos distrair. Que o povo se contente com as novelas e programas policiais enquanto estamos aqui a dividir o bolo grande, a bufunfa.

Sei que pego pesado nos temas aqui. Mas de amenidades o inferno já está cheio. Quero mais é botar fogo mesmo. Quero mais é que esses textos cheguem até vocês e que vocês, leitores, fiquem putos. Quero também mostrar o que de bom e positivo nosso povo tem feito para driblar as dificuldades. Eita povo criativo, sô.

Sempre que alguma idéia nova surge, alguma tecnologia social que aparece para melhorar a vida das pessoas, eu trago aqui pra vocês. Não tudo, porque não consigo saber de tudo, mas tô na busca. Na busca por um mundo melhor, não só pra mim, mas pra todos. Pros nossos filhos, netos, sobrinhos e todas as gerações futuras. Temos de deixar de ser egoístas e pensar que não temos um legado a deixar. E nosso legado pode ser pura destruição ou poder ser algo mais bonito, cheiroso, respirável, bebível, saudável.

E é nessa tecla que baterei incansavelmente: outro mundo é possível e o capitalismo, em profunda crise, está mais que na hora de morrer para dar a vez a outras possibilidades e definitivamente elas terão de incluir o bem-estar, a justiça, a igualdade e a sustentabilidade.

Por isso não abandonarei nunca esse jeito eco-chato de ser, porque, infelizmente, não temos outra saída. A saída é consumir menos, de forma consciente, pensando em cada resíduo produzido por nós. A saída é pensar coletivamente, e não individualmente. A saída é exigir uma democracia de verdade. É botar a boca no trombone, bater panela, ir para as ruas, exigir um governo do povo, pelo povo e para o povo. A saída é se informar mais e melhor, é desligar a TV, é cultivar a diversidade e o ouvir. É olhar para os lados, pra trás e pra frente e deixar de olhar exclusivamente para o próprio umbigo.

O Blog Boca no Trombone é para isso: uma ferramenta para os curiosos e inquietos que acreditam no saber e na informação como forma de revolução.

É isso, quem gosta do blog, por favor, ajude a divulgar. Uma vez no blog, a possibilidade de achar um sem número de sites e blogs legais é infinita.

Um grande abraço,
Alê

***

salve alê!

fica aqui minha dica de leituras políticas que se fazem revolução:


depois dessa lavada, vou procurar me informar mais. é isso! façam o mesmo.

ela :: la niña



estava só, não queria voltar para casa. não àquela hora da vida. los pensamientos volaban en sus recuerdos de niña. era assim que sempre se refugiava de questões íntimas e desafiadoras. volvía a ser niña para no volver a su casa. de birra não voltava.

em pé, diante uma avenida ainda movimentada, carros passando da direta para a esquerda, transeuntes passando da direta para a esquerda, ônibus cheios de pessoas amontoadas e ansiosas para voltar a suas casas. todos com os destinos traçados depois do cansaço e o destino dela era não voltar. não havia lugar nenhum que quisesse voltar. em seu interior estava protegida. não conversava. não olhava ninguém. e quando alguém lhe fazia uma pergunta sobre um endereço ou número de ônibus ou ponto de referência, simplesmente não respondia. se calava como toda a vida se calara. em silêncio por fora, muda por dentro, anulada de definições. buscaba su niña para no perderse a la vez. não esperava buscar a mais ninguém, só a si mesma. seu olhar se fixava num ponto indefinido: num asfalto escaldante: num fim de tarde: de um verão desses:

era dezembro de um ano infinito qualquer. o dia havia sido muito quente, mais de quarenta graus Celsius. agora o início da noite era ainda sufocante. custava para a menina respirar e respirava asfixiada por um ar cheiroso a fumaça. esta era a herança do efeito estufa - el niño y la niña - e do aquecimento global - fiebre que sudaba su cuerpo - que lhe restara. a poluição atmosférica- el agobio del humo ofuscante - sufocava qualquer iniciativa de cambio e ela estava congelada por dentro, paralisada de qualquer razão nos primeiros anos de mais um século.

as horas passaram. os carros, as latas, as pessoas, os animais, as memórias - todo su cuento se pasó. e quando ela se deu conta não havia mais movimentos pelas ruas. onde estava? olhou o relógio, sua vida passava, o tempo passava acompanhando os passos da valsa dos ponteiros do relógio que não paravam de girar - como una bailarina que no pára de girar en la cajita de sueños de la niña mala - sem sair do lugar. ela ali convenientemente se colocava. olhou como que pela primeira vez ao redor buscando sei lá por alguém. sentia agora medo. havia abandonado seu reduto íntimo dentro de seu íntimo e voltou por isso o seu medo. ali não era lugar para uma moça encontrar-se só. Ali não era lugar para ela sair de dentro de si mesma. e já era tarde. tarde para encontrar-se. para voltar para sua casa. para voltar a si mesma. se rompió el encanto, se hizo la realidad terríble. ela petrificou por um momento seus reflexos pouco desenvolvidos e espirituosos de pequena e indefesa princesa diante dessa medusa de cabelos de serpente. era tão tarde que os ônibus já estavam guardados nas garagens. essas latas aguardavam o dia útil que seguiria sem sentir falta da utilidade fútil dela. as pessoas exaustas já estavam em seus leitos jazidas de sobrevivência. e ela mais uma vez estava ali - sola.

sentou-se no ponto de ônibus e pensou em proteger-se dos mal-ditos que sempre lhe agrediam com palavras indecorosas. e por que lhe agrediam? perguntava-se. sentiu pena de si mesma e sentiu raiva por sentir pena de si mesma. la derrota empezó a girar alrededor de ella. um motorista de taxi parou para perguntar quanto custava. nada de nada contestó ella. ele colocou o pau para fora e perguntou novamente quanto custava só uma chupadinha. o tempo cíclico rodava na cabeça da menina. os males cíclicos, o mundo cíclico em movimentos cíclicos que dão voltas elípticas no infinito. la bailarina que baila en la cajita de espejos. o pênis do taxista elíptico rebolava nas mãos do taxista. e ela, com sua visão estrábica sobre o mundo, permanecia estátua na parada de ônibus. y nada de nada contestó.

de madrugada todas as gatas são pardas. damas ou vagabundas são todas simplesmente putas. ella tembló. era uma vibração de fora ou seria um grito surdo de dentro? a madrugada, ora o silencio, ora la sirena. de repente um forte estrondo. ella tembló como un refrán. voltou seu olhar para o céu e viu uma luz seguida de um novo estrondo repetido outra e outra vez. a chuva começava mansa, delicada trazendo música ao tocar o asfalto. o chiado foi ficando cada vez mais ritmado e grave. de repente simulava uma orquestra nervosa acompanhada do chiado da chuva, dos estrondos estridentes, dos resplandecentes relâmpagos e o vuuuuuuuhhhhhhhh do vento que agitava os galhos das árvores que dançavam nas pupilas da menina dos olhos de sol. ella, aún niña - ainda que protegida por sua natureza às vezes calma, às vezes intempestiva. todos a queriam dócil. ela dissimulava medo, arrojada dissimulava para si tempestade.

sua vó, quando a menina era ainda uma menina, lhe contava histórias para acalmar seus medos de tempestades: “exu está lavando o céu, a água purifica até o paraíso, os batuques dos trovões não são nada mais nada menos que obaluaê fazendo festa com os atabaques de oxossi. os relámpagos são um curto-circuito das luzes de neon que iluminam sensualmente os seios de yemanjá. exu é o anfitrião dessa festa dionisíaca.” era assim que reconfigurava as-histórias-pra-boi-dormir que sua vó lhe contava. mas uma coisa aprendeu com essa inhá que não conseguiria nunca corromper: “a água sempre distancia a dor, é por isso que chorar alivia a alma. as lágrimas purificam nosso ser, transcende todas as penas.” agora sim, sem corruptelas e profanações se lembrava. todavía no había llorado sus angustias, sus dolores: o mal de uma herança pesada, de uma tradição fadada aos apelos biológicos de seu gênero, de uma cultura estabelecida quase que eterna, de toda a sua linhagem de fêmea, esse conjunto de características físicas e psíquicas que dão forma e substância à mulher. um forte estado anímico das três graças flutuou o seu ser feminino neste instante. seu peito oprimido agora entendia a própria dor de ser menina, de ser mulher. o seu lado noturno lilith, e o cinismo eva reacendeu. era un dolor de milenios. desde que a mulher é mulher, desde que o homem é homem, desde que a mulher quis tomar o poder do homem e o homem sonhou em ser puta. e sentiu o calor de uma lágrima passeando pelo seu rosto. e essa lágrima não vinha sozinha, estava acompanhada de outras tantas que ela não podia conter. os soluços soavam agora junto com a prosódia da orquestra sinfônica da tempestade. e não se sabia quem mais gritava. quem mais cantava.

ainda ela chorava dentro de um tempo que chorava com ela. e essa combinação foi tão exata que resultou em uma companhia para si. a chuva que a chovia por dentro, ela que chovia com a chuva. movimento de tudo que era para ser eterno rompia a estabilidade das instituições privadas e estatais. agora tudo podia ser removido do seu lugar sagrado. o profano voltou a ocupar o privilegio de ser rito em louvor à mãe natureza. esa mujer.

o asfalto mudou de aspecto, agora não era cinzento como a sorte de todas as mulheres. uma mais se havia transformado. outras ainda viriam. a avenida estava fria com um colorido prata de onde reluziam estrelas pequeninas que pululavam no chão ao toque das gotas grossas de chuva. os dourados das luzes urbanas causavam o reflexo brilhante na rua como se fosse um salão de baile cuidadosamente encerado. ela, la niña, passou a palma-flor de uma das mãos para secar seu rosto. sua alma enxuta. se levantou de onde estava para começar a dançar. acompanhada de gala, pagu, virgínia, gertrude. todas ventanias. seu baile cadenciava com a harmonia musical da tempestade que variava, às vezes serena outras frenética como Petrouchka. y ella bailaba como nunca había bailado antes. saiu da cobertura do ponto de ônibus e dançou por toda a avenida. estava deserta, ela também. seu corpo era um infinito de sensações que se mesclavam ao tempo chuvoso. a garoa serena tranqüilizava seus medos. as chicotadas do vento nos pés d’água eram açoites que castigavam seu movimento de mudança. mas ela pagava o preço da tempestade e revolucionava a metereologia do tempo de seu destino. os gritos dos trovões de iansã brigavam com ela para ensiná-la a amar-se. os relâmpagos da espada de xangô eram como flertes que o tempo emanava para apaixonar-se dela. y se miró enamorada de si. E dançavam juntos: as árvores, o vento, a chuva, o tempo, a música, Stravinsky, ella. era tão fácil amar-se! como ninguém havia percebido isso antes? nem ela? e agora todos dançavam.

finalmente a chuva cessou. a dançarina passou seus longos dedos pelos fios de seus cabelos, massageou seu corpo lânguido, levantou seus seios caídos pela falta de uso, seu coração estéril, baixou suas mãos até seu ventre que sentia saudades de seu sexo. e nesse instante, fecunda, ensopada de chuva, suor e do gozo úmido da dança, disse adeus a la niña que lhe fizera companhia, agradeceu à tempestade pela música que lhe ofertara, saudou as ventanias que lhe concederam a honra da dança, olhou para a serra que compunha o cenário de sua estréia, o horizonte com sua cor vermelho-alaranjado, o sol que desvirginava aquela mulher que com ele nascia. os acudidos cidadãos do dia útil que raiava a observavam com olhares burlescos e duvidosas malícias. ella, al revés, los miró con complicidad.

Teve desejo de veracidade,
e voltou para casa não mais vazia.


24.4.09

blog :: e por falar em pândega...


essa pândega é uma turma de alunos arrojados e hiperativos que povoa a Escola da Serra. grupo de adolescentes geniais, eles sabem a importância do pensamento crítico frente a tudo o que ocorre ao seu entorno. conhecem também a hora e o lugar da critavidade: sempre e em toda parte. há algum tempo estamos planejando montar esse blog. quanta polêmica resultou essa minha proposta! mas deu certo. eu como professora de português e literatura da turma estou impressionada com a desenvoltura dessa pândega nas produções escritas tanto de teor criativo quanto de teor crítico. é nesse blog E por falar em pândega... que apresentaremos essas produções. quem quiser e puder acompanhar irá encontrar de tudo um pouco: notícias, resenhas de muita coisa que a pandegagem assistir nos palcos e telas da cidade, discussões sobre obras literárias, cinematográficas, música e artes plásticas. tudo isso através de textos desenvolvidos em sala de aula, além de poemas, crônicas, contos, citações e outras coisas interessantes que a turma julgar que seja importante dizer ou gritar. agora como colaboradora do blog, confio no exercício da escrita como algo a ser ininterruptamente construido, a cada texto podemos aprimorar mais e mais essa arte de trabalhar a palavra e até brincar com ela. sinto-me orgulhosa da turma e confio no potencial criativo e auto-crítico que eles vem construindo e amadurecendo ao longo de suas histórias individuais e também coletiva como estudantes da Escola da Serra.

E por falar em pândega...

fica aqui a minha dica.

23.4.09

suja de rosa em choque

**

revolta nas sombras dos olhos:

se lembra daquele vestido rosa pink?
- e eu que odeio rosa em qualquer estado de choque -
aquel vestido pasado de moda años 60
está siempre en mi recuerdo

você enrolado no meu godê
seguro no tomara-que-caia

e você
fingia que caía
e eu
fingida que caía
e caídos
caía sobre você

só dois
dois anjos caídos ao léu
no meio da avenida principal
rebolando ao som do rugido blasfemador dos automóveis

- Auto lá!

como se diz a palavra amor?
eu a escrevo
mas
partiu em dislalia
depois de um último beijo em sua boca

e eu
de rosa em choque e você
sombra negra no meu kitsch
sombra da sombra no meu pink

e recordo
que choque em rosa
e recordo
em sombra e choca
e recordo
em godê
***

e a kiuh em um email escreveu assim:


amigos,
hoje com a pretensão de me sentir inspirada pelo poeta manuel de barros, me arrisco gostosamente nesses versos, exercitando a lição do mestre [o verbo tem que pegar delírio]

feriado
foi feito
para abreviar
pensamento

passarinho urbano
cantou do, ré, mi
mas na hora do sol
passou filtro

idéia
quando é boa
me surfa
inteirinha

cinismo
tem vocação
para mosca

aceito meu fardo
de escurecer
para encontrar
alvoradas

poesia
quando é boa
me navega
inteirinha

um dia
ainda chovo
numa casa de campo

botou tudo
que tinha de
azul
na garrafa
e jogou no mar
vermelho
depois
ficou por ali
irresponsável de si

mz, 17 de abril de 2009.

***
(para mim esses versos foram presentes!)

***

19.4.09

o entre lugar das estações de édipo

***
a mãe se levanta bruscamente ao ver os olhos de seu filho aficionados nos joelhos de uma garota. esta por sua vez mira despistada a paisagem através da janela do metrô. a mãe se achega perto do seu homem agarotado e diz: “chego tarde hoje, não se esqueça de fechar bem a porta e tomar seu remédio. você sabe que sua cabeça não funciona sem ele. não se esqueça de esquentar a comida pro almoço. cuidado com o fósforo, não vá se queimar. Esse mundo tá cheio de perigo!” ajusta a saia e olha de rabo de olho pra moça, como quem dando uma indireta pro perigo felino que acerca seu filho. a moça quase imóvel, escondida atrás dos óculos escuros, é uma voyeur sem se querer. escuta a tudo sem dar sinal de que percebera a indireta, sequer o discurso aloucado daquela senhora instruindo seu filho, tampouco as intenções impudentes do marmanjo acriançado. o filho – que continuará a ser filho por toda a vida sem nenhuma perspectiva de ascensão em sua procedência – sobe os olhos das pernas da moça para o colo rosado e o imagina aconchegante. concorda, sem ouvir sequer palavra alguma, com tudo o que a mãe diz. pousa agora o olhar na boca da moça e um gotejo de saliva cai de seu lábio inferior abobado e toca o ziper de sua calça. a moça acompanha o trajeto da gota, somente com os olhos em barra de rolamento, sem movimentar a cabeça e percebe o volume roliço se formando [órgão copulador masculino animalesco, incoercível e invertebrado] e, mesmo sentido certa repulsa, ambos seus lábios [inclusive essa dobra cutânea múltipla situada no vestíbulo das fêmeas em geral] se umedecem. não há explicação. tensão durante a viagem. chega enfim a estação e ambos estão em estado psicodélico: ele desce fraquejante das pernas. a mãe fica, preocupada, olha endurecida mais uma vez a moça imóvel que jaz no banco do metrô e volta seu olhar para acompanhar seu filho, já colada de ensejo à janela, com os olhos agora açucarados de cuidado. o homemenino anda meio de lado tentando não perder a figura da moça completamente esquecido dos cuidados maternos. esse tropeço-de-homem incide em todos os obstáculos imaginários de seus pensamentos vãos para não perder a última imagem que nunca mais verá: a de uma outra mulher que deseja e que não é a sua mãe. o reflexo do sol no metal lhe cega os olhos. a moça, como uma galinha-d’angola, fraqueja em silêncio e entoa o seu canto de asco. composição desprositada da trilha sonora do enleio.

14.4.09

:: foucault, magritte, pessoa, nietzsche :: estados de espíritos fantásticos


“A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer
ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível”.
M. Foucault

(La Philosophie dans le Boudoir, René Magritte)


"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos."

Fernando Pessoa

***
depois de uma conversa rápida com a minha amiga luciana gonçalves, comecei a pensar em algumas aprendizagens que podemos tirar da realidade que sofremos e da ficção que vivemos. aqui então postei algumas conclusões emprestadas desses espíritos fantásticos que nos ajudam a ver como "a vida é!" a partir de uma ilusão de ótica, pois talvez não suportaríamos encarar a realidade em sua nudez e brilho ofuscante. talvez se assim fosse nós não conseguiríamos viver para contar essa experiência. assim aconteceu com a ousada sêmele (mãe de dionisio) que morre fulminada depois de ver zeus em sua forma real e esplendorosa de deus. a arte e os mitos nos ensinam muito. a realidade não deve ser encarada de frente, deve ser vista através de frestas, de espelhos ou reflexos, com toda a precaução necessária que devemos ter quando nos colocamos diante do perigo - ela é a fera que nos espreita. senão, podemos ser transformados em estátua de pedra :: a imobilidade, a falta de re-ação frente a tomada de decisões. a realidade é essa medusa que combatemos todos os dias de nossas vidas e que a ficção nos ajuda a suportá-la, quiçá vencê-la. para isso criamos personagens de nós mesmos, multidões deles. aqui está também um pouquinho de minhas leituras de nietzsche.

bjs lu :*

***

9.4.09

da lua

neblina da lua
combina com a sua
calcinha de renda

despe-se lenda
neblina que sua
imagem só, nua

da lua

***
(para a lua cheia do mês de abril
que segundo edson lariucci é a mais brilhante do ano!)

8.4.09

cuidándote :: una canción de Bebe

Despacito cuando tú dormías
ella te hablaba, te preguntaba, te protegía.

Ella prometió darte todo,
pero sólo pudo darte lo que tuvo.
Y para ti lo más hermoso
era amanecer junto a sus ojos,
iluminando el mundo

Pero los pájaros no pueden ser enjaulados
porque ellos son del cielo, ellos son del aire.
Y su amor es demasiado grande para guardarlo

Volaste alrededor de la luna con ella,
le pediste que nunca se fuera,
y ella respondió:
"Mi amor siempre estará... cuidándote"

Y la dejaste volar
y tus ojos lloraron hasta doler
pero sólo tú sabías
que así tenía que ser
que así... tenía que ser...

Ella prometió darte todo,
pero sólo pudo darte lo que tuvo
y para ti lo más hermoso
era amanecer junto a sus ojos
iluminando el mundo.

Pero los pájaros no pueden ser enjaulados
Porque ellos son del cielo, ellos son del aire,
Y su amor es demasiado grande para cortarlo.

Y la dejaste volar,
Y tus ojos lloraron hasta doler,
Pero sólo tú sabías
que así tenía que ser,

Y la dejaste volar,
Y sus ojos lloraron hasta doler,
Pero sólo ella sabía
que así tenía que ser,

Y la dejaste volar,
Y tus ojos lloraron hasta doler,
Pero sólo tú sabias
que así tenía que ser,
que así... tenía que ser.


5.4.09

lamento de ariadna :: de Friedrich Nietzsche

**
Quem me aquece, quem me ama ainda?
Dê a mim mãos ardentes!
Dê a mim um braseiro para o coração!
Estendida na terra, estremecendo-me,
como uma meio morta a quem se aquece os pés,
agitada, ai, por febres desconhecidas,
tremendo perante glaciais flechas agudas de arrepios,
caçada por você, pensamento!
Inominável! Escondido! Aterrador!
Você caçador entre as nuvens!
Fulminada na terra por você,
Olho sarcástico que me olha desde o escuro!
Assim estou jacente
  dobrada, retorcida, atormentada
por todos os martírios eternos,
ferida,
por você, o mais cruel caçador,
seu desconhecido, deus…

Fira mais fundo!
Fira de novo!
Corte, recorte este coração!
Para que vem este martírio
com flechas de dentes redondos?
O que olha outra vez
sem se cansar do tormento humano
com malévolos olhos de raios divinos?
Não quer você matar,
somente martirizar, martirizar?
Para que martirizar a mim,
malévolo deus desconhecido?

Ah, ah!
Você se aproxima sinuoso
semelhante à meia-noite?...
O que quer?
Fale!
Aperte-me, oprima-me,
ah! já está muito próximo!
Ouça-me respirar,
espíe meu coração,
ciumento!
— mas, ciumento de que?
Fora, fora!
para que a escada?
você quer subir
penetrar, até o coração,
subir até meus mais
secretos pensamentos?
Devasso! Desconhecido! Ladrão!
O que quer levar roubando?
O que quer levar escutando?
O que quer levar atormentando?
você, atormentador!
você, deus carrasco!
Ou como um cão devo
esfregar-me contra o chão diante de você?
Submissa, admirada fora de mim
balançar o rabo por amor?
É inútil!
Fira-me outra vez,
aguilhão o mais cruel!
Não sou seu cão, só sua presa,
caçador o mais cruel!
sua mais orgulhosa prisioneira,
bandido detrás das nuvens…
Fale afinal!
Você, escondido com o raio! Desconhecido! fale!
O que quer, salteador, de mim?...

Como?
Um resgate?
O que quer de resgate?
Você pede muito, aconselha-o meu orgulho!
E fala pouco, aconselha-o meu orgulho!

Ah, ah!
sou eu quem você quer? Eu?
eu inteira?
Ah, ah!
E me martiriza? Louco que você é, louco!
Re-martirize meu orgulho?
Dê a mim o amor, quem me aquece ainda?
quem me ama ainda?
dê a mim mãos ardentes,
dê a mim um braseiro para o coração,
dê a mim, à mais solitária,
à que o gelo, ai! sete camadas de gelo
ensinam a somar inimigos,
dê, sim, entregue,
inimigo o mais cruel,
dê a mim, a você!

Acabou-se!
Então fugiu ele,
meu único companheiro,
meu grande inimigo
meu deus carrasco!...
Não!
volte!
Com todos os seus martírios!
Todo o curso de minhas lágrimas
escorre até você,
e a última chama de meu coração
para você re-acende.
Oh, volte,
meu deus desconhecido! minha dor!
Minha última felicidade!...

Um raio. Dionisio aparece com esmeraldina beleza.

Dionisio:

Seja sensata, Ariadna…
Tenha ouvidos pequenos, tenha meus ouvidos:
coloque neles uma palavra sensata!
Como odiar-se primeiro, se tem que amar-se?...
Eu sou o seu labirinto...

***

(tradução livre do espanhol de patrícia mc quade)

link do poema em espanhol e alemão para quem se interessar:

***

4.4.09

namoradas

**
(para flávia nogueira)

eva se mira no espelho claro das águas
branca, cabelos soltos em flores e frutos
sinuosa, diáfana, dela desvia o olho futuro

lilith subversiva sobre o mar vermelho
só! a chama quente de uma serpente veneno
à espera de eva, dorme na sombra da mágoa

em si duas, efeito lúbrico atrai a luxúria
o vento que as leve brando em vôo arrazoado
se encontram narcisas: branca-rubra penumbra
de presente o sabor do êxtase tão esperado

digerem o fruto e flores sabor pecado
uivam, gritam, as três Graças entoam seu canto
reflexo de corpos, línguas de fogo se entendem
e fogem de adão, desprezam o jardim do éden
**
***

vejam só, meu primeiro soneto! =]
**