Solte-se! Solte tudo! Perca tudo! Tome ar. Faça-se mar adentro. Faça-se da letra. Escute: nada foi achado. Nada se perdeu. Tudo está para ser encontrado. Ande, voe, nade, salte, corra, cruze, ame o desconhecido, ame o incerto, ame o que ainda não foi visto, ame a ninguém, o que você é, o que será, deixe-se, liberte-se das velhas mentiras, atreva-se ao que nunca se atreveu antes, aí é onde você gozará, faça sempre seu aqui de um ali, e alegre-se, alegre-se do terror, siga-o por onde você tenha medo de ir, atire-se, é por ai! Escute: você não deve nada ao passado, não deve nada à lei. Ganhe sua liberdade: devolva tudo, vomite tudo, doe tudo. Doe absolutamente tudo, ouça-me, tudo, doe seus bens, certo? Não guarde nada para você, aquilo que lhe importa, doe, entendeu? Encontre-se, encontre o eu, revolto, numeroso, o que você será está sempre mais adiante, e fora de um sim, saia, saia do velho corpo, liberte-se da Lei. Deixe-a cair com todo seu peso, e você, corra, não olhe para trás: não vale a pena, atrás de você não há nada, tudo está por vir.
(Hèlené Cixous- A chegada da escritura)
tradução livre: patrícia mc quade
26.12.13
26.11.13
16.11.13
e essa minha boca que guarda a sua boca no gosto desde o primeiro beijo
e esse meu olho espelho do seu rosto que mesmo bem fechado é só você que vejo
e esse meu ouvido que ouve o seu silêncio e acima de tudo ouve também o seu cheiro
e esse seu cheiro que recorda na ponta da língua o seu agridulce de lamber os beiços
e esse seu toque que toca nas cordas do coração a música de todo esse desejo
e esse meu olho espelho do seu rosto que mesmo bem fechado é só você que vejo
e esse meu ouvido que ouve o seu silêncio e acima de tudo ouve também o seu cheiro
e esse seu cheiro que recorda na ponta da língua o seu agridulce de lamber os beiços
e esse seu toque que toca nas cordas do coração a música de todo esse desejo
17.8.13
!
o quando
acontece
no instante
que o impossível
se deixa
cair
como uma gota
no mar
de infinitas
possibilidades
acontece
no instante
que o impossível
se deixa
cair
como uma gota
no mar
de infinitas
possibilidades
27.7.13
Canção
O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação
o peso
o peso que carregamos
é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano –
sai para fora do coração
ardendo de pureza –
pois o fardo da vida
é o amor,
mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor –
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas
o último desejo
é o amor
– não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contido
quando negado:
o peso é demasiado
– deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.
Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
e mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho –
sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.
Allen Ginsberg
Uivo, Kaddish e outros poemas; tradução de Claudio Willer -- L&PM, 2010
Marcadores:
leituras,
poesia de outros,
poesia marginal
31.5.13
degustação
...para além do toque existe um som,
à extremidade do olhar um cheiro,
às pontas dos dedos um desejo...
A Espantosa Realidade das Cousas
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Marcadores:
fernando pessoa,
poesia de outros
26.5.13
Jardim de Epicuro
gestos de flor de folhas,
de seu cabelo, sua língua de fogo
e me distancio da polis turbulenta
gestos do corpo da mente
de sua carne calma, fogo dançante
me explique o mundo
clorofilado inanimado úmido
de carne de água sem nervos
carne toda em carne viva
coração
outra razão
semente
o caráter do fogo
as veias de água
tudo onde se adivinha:
os mesmos gostos dos extremos
carambola graviola pinha
esta natureza faminta
jardim de acácias, lírios muitos grilos
farfalhar das folhas secas, tapete de estações
quantas borboletas!
onde o fio do tempo se alonga ao infinito
onde a aranha tece a finitude de um século
e um sopro de tento que tudo rompe
onde dois sois persistem dia
onde Vênus roga noite
a primeira estrela
(gosto de cada gosto
cheiro de cada cheiro
toque que tange alma)
e o corpo se acalma...
qual labareda!
quem dele se aproxima
e adentra
e mergulha
e se encontra
e se perde
e se floresce
e se pergunta:
e se Margarida?
qual jardim brota na palma!
de seu cabelo, sua língua de fogo
e me distancio da polis turbulenta
gestos do corpo da mente
de sua carne calma, fogo dançante
me explique o mundo
clorofilado inanimado úmido
de carne de água sem nervos
carne toda em carne viva
coração
outra razão
semente
o caráter do fogo
as veias de água
tudo onde se adivinha:
os mesmos gostos dos extremos
carambola graviola pinha
esta natureza faminta
jardim de acácias, lírios muitos grilos
farfalhar das folhas secas, tapete de estações
quantas borboletas!
onde o fio do tempo se alonga ao infinito
onde a aranha tece a finitude de um século
e um sopro de tento que tudo rompe
onde dois sois persistem dia
onde Vênus roga noite
a primeira estrela
(gosto de cada gosto
cheiro de cada cheiro
toque que tange alma)
e o corpo se acalma...
qual labareda!
quem dele se aproxima
e adentra
e mergulha
e se encontra
e se perde
e se floresce
e se pergunta:
e se Margarida?
qual jardim brota na palma!
21.5.13
12.5.13
o fogo de Hilda Hilst
Do desejo (V)
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
Da noite (I)
Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas
e buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.
Algumas tinham manchas azuladas
E o dorso reluzia igual à noite
E as manhãs morriam
Debaixo de suas patas encarnadas.
Vi-as sorvendo as uvas que pendiam
E os beiços eram negros, e orvalhados.
Uníssonas, resfolegavam.
Vi as éguas da noite entre os escombros
Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas.
Laços de pedra e palha entre as alfombras
E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.
Vi-as tumultuadas. Intensas.
E numa delas, insone, a mim me vi.
Do desejo (VIII)
Se te ausentas há paredes em mim.
Friez de ruas duras
E um desvanecimento trêmulo de avencas.
Então me amas? te pões a perguntar.
E eu repito que há paredes, friez
Há molimentos, e nem por isso há chama.
DESEJO é um Todo lustroso de carícias
Uma boca sem forma, um Caracol de Fogo.
DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue
E outra com a ferocidade de Um só Amante.
DESEJO é Outro. Voragem que me habita.
Alcoólicas (I)
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A vida é líquida.
in HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
Da noite (I)
Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas
e buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.
Algumas tinham manchas azuladas
E o dorso reluzia igual à noite
E as manhãs morriam
Debaixo de suas patas encarnadas.
Vi-as sorvendo as uvas que pendiam
E os beiços eram negros, e orvalhados.
Uníssonas, resfolegavam.
Vi as éguas da noite entre os escombros
Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas.
Laços de pedra e palha entre as alfombras
E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.
Vi-as tumultuadas. Intensas.
E numa delas, insone, a mim me vi.
Do desejo (VIII)
Se te ausentas há paredes em mim.
Friez de ruas duras
E um desvanecimento trêmulo de avencas.
Então me amas? te pões a perguntar.
E eu repito que há paredes, friez
Há molimentos, e nem por isso há chama.
DESEJO é um Todo lustroso de carícias
Uma boca sem forma, um Caracol de Fogo.
DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue
E outra com a ferocidade de Um só Amante.
DESEJO é Outro. Voragem que me habita.
Alcoólicas (I)
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A vida é líquida.
in HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004
5.5.13
Alejandra Pizarnik
Caminhos do espelho
tradução livre :: patrícia mc quade
I
E sobre tudo olhar com inocência. Como se não passasse nada, o que é certo.
II
Mas quero olhar você até que seu rosto se afaste de meu medo como um pássaro da margem afiada da noite.
III
Como uma menina de giz rosado no muro muito velho subitamente apagada pela chuva.
IV
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.
V
Todos os gestos de meu corpo e de minha voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que abandona o vento no limiar.
VI
Cubra a memória de sua cara com a máscara de quem você será e assuste a menina que você foi.
VII
A noite dos dois se dispersou com a névoa. É a estação dos alimentos frios.
VIII
E a sede, minha memória é da sede, eu embaixo, no fundo, no poço, eu bebia, lembrança.
IX
Cair como um animal ferido no lugar que seria de revelações.
X
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci.
Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.
XI
Ao negro sol do silêncio as palavras se douravam.
XII
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só.
Há alguém aqui que treme.
XIII
Ainda se digo sol e lua e estrela me refiro a coisas que me sucedem. E o que desejava eu?
Por isso falo.
XIV
A noite tem a forma de um grito de lobo.
XV
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Eu me levantei de meu cadáver, eu fui em busca de quem sou.
Peregrina de mim, fui até a que dorme num país ao vento.
XVI
Minha caída sem fim a minha caida sem fim onde ninguém me esperou pois ao olhar quem me esperava
não vi outra coisa senão a mim mesma.
XVII
Algo caía no silêncio. Minha última palavra foi eu mas me referia à aurora luminosa.
XVIII
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água freme cheia de vento.
XIX
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata trevas, uma mão arrasta
a cabeleira de uma afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo,
tenho voltado aos meus ossos em duelo, tenho de compreender o que disse minha voz.
***
Caminos del espejo
I
Y sobre todo mirar con inocencia. Como si no pasara nada, lo cual es cierto.
II
Pero a ti quiero mirarte hasta que tu rostro se aleje de mi miedo como un pájaro del borde
filoso de la noche.
III
Como una niña de tiza rosada en un muro muy viejo súbitamente borrada por la lluvia.
IV
Como cuando se abre una flor y revela el corazón que no tiene.
V
Todos los gestos de mi cuerpo y de mi voz para hacer de mí la ofrenda, el ramo que abandona
el viento en el umbral.
VI
Cubre la memoria de tu cara con la máscara de la que serás y asusta a la niña que fuiste.
VII
La noche de los dos se dispersó con la niebla. Es la estación de los alimentos fríos.
VIII
Y la sed, mi memoria es de la sed, yo abajo, en el fondo, en el pozo, yo bebía, recuerdo.
IX
Caer como un animal herido en el lugar que iba a ser de revelaciones.
X
Como quien no quiere la cosa. Ninguna cosa. Boca cosida. Párpados cosidos. Me olvidé.
Adentro el viento. Todo cerrado y el viento adentro.
XI
Al negro sol del silencio las palabras se doraban.
XII
Pero el silencio es cierto. Por eso escribo. Estoy sola y escribo. No, no estoy sola.
Hay alguien aquí que tiembla.
XIII
Aun si digo sol y luna y estrella me refiero a cosas que me suceden. ¿Y qué deseaba yo?
Deseaba un silencio perfecto.
Por eso hablo.
XIV
La noche tiene la forma de un grito de lobo.
XV
Delicia de perderse en la imagen presentida. Yo me levanté de mi cadáver, yo fui en busca de quien soy.
Peregrina de mí, he ido hacia la que duerme en un país al viento.
XVI
Mi caída sin fin a mi caída sin fin en donde nadie me aguardó pues al mirar quién me aguardaba
no vi otra cosa que a mí misma.
XVII
Algo caía en el silencio. Mi última palabra fue yo pero me refería al alba luminosa.
XVIII
Flores amarillas constelan un círculo de tierra azul. El agua tiembla llena de viento.
XIX
Deslumbramiento del día, pájaros amarillos en la mañana. Una mano desata tinieblas, una mano arrastra
la cabellera de una ahogada que no cesa de pasar por el espejo. Volver a la memoria del cuerpo,
he de volver a mis huesos en duelo, he de comprender lo que dice mi voz.
Marcadores:
leituras,
poesia de outros,
tradução
11.4.13
Poemeia sem Par
a estante vazia
dos livros sem assunto
dos bibelôs sem charme de mãos dadas
as paredes vazias
dos quadros sem viagens
das molduras sem fotos de namoro e um quase
as gavetas vazias
da bagunça costumeira
dos objetos perdidos à vista
a cama vazia
dos lençóis abandonados
dos corpos nus aconchados e acolchoados
o prato vazio
e uma colher que tirita à espera
de sua boca e um ranger de dentes
porém
há uma geladeira cheia
há uma geladeira cheia
de frutos encerados de tempo
e uma translúcida garrafa de água babujada pelo meio
e uma translúcida garrafa de água babujada pelo meio
em sua porta entreaberta
um poema grita num pote
um poema grita num pote
[hermeticamente fechado]
conservas de amor:
conservas de amor:
estalac-ti-tes
estalag-mi-tes
e um ai.
7.4.13
Para fazer um talismã
de Olga Orozco
tradução livre :: patrícia mc quade
tradução livre :: patrícia mc quade
É necessário só teu coração
feito da viva imagem de teu demônio ou de teu deus.
Um coração apenas, como um crisol de brasas para a
idolatria.
Nada mais que um indefeso coração apaixonado.
Deixa-o à intempérie,
onde a erva uiva seus lamentos de babá louca
e não possa dormir,
onde o vento e a chuva deixem cair seu açoite num golpe de
azul arrepio
sem convertê-lo em mármore e sem parti-lo em dois,
onde a escuridão abra seus covis a todas as matilhas
e não alcance esquecer.
Atira-o depois desde o cimo do seu amor à efervescência da
bruma.
Coloca-o rápido para secar no surdo regaço da pedra,
e escava, escava nele com uma agulha fria até arrancar o
último grão de esperança.
Deixa que o sufoquem as febres e a urtiga,
que o sacuda o trotar ritualístico do gatuno,
que o envolva a injúria feita com os farrapos de suas
antigas glórias.
E quando um dia um ano o aprisione com a garra de um século,
antes que seja tarde,
antes que se converta em múmia deslumbrante,
abre de par em par e uma por uma todas as feridas:
que as exiba ao sol da piedade, assim como faz o mendigo,
que pranteie seu delírio no deserto,
até que só o eco de um nome cresça nele com a fúria da fome:
um incessante golpe de colher contra o prato vazio.
Se sobreviver ainda, se chegar até aqui como imagem e
semelhança de teu demônio ou de teu deus;
tem aí um talismã mais inflexível que a lei,
mais forte que as armas e o mal do inimigo.
Guarda-o na vigília de teu peito como faz uma sentinela.
Mas vela com ele.
Pode crescer em ti como a mordida da lepra; pode ser teu
algoz.
O inocente monstro, o insaciável conviva de tua morte!
***
Para hacer un
talismán
Se necesita sólo
tu corazón
hecho a la viva
imagen de tu demonio o de tu dios.
Un corazón
apenas, como un crisol de brasas para la idolatría.
Nada más que un
indefenso corazón enamorado.
Déjalo a la
intemperie,
donde la hierba
aúlle sus endechas de nodriza loca
y no pueda
dormir,
donde el viento y
la lluvia dejen caer su látigo en un golpe de azul escalofrío
sin convertirlo
en mármol y sin partirlo en dos,
donde la
oscuridad abra sus madrigueras a todas las jaurías
y no logre
olvidar.
Arrójalo después
desde lo alto de su amor al hervidero de la bruma.
Ponlo luego a
secar en el sordo regazo de la piedra,
y escarba,
escarba en él con una aguja fría hasta arrancar el último grano de esperanza.
Deja que lo
sofoquen las fiebres y la ortiga,
que lo sacuda el
trote ritual de la alimaña,
que lo envuelva
la injuria hecha con los jirones de sus antiguas glorias.
Y cuando un día
un año lo aprisione con la garra de un siglo,
antes que sea
tarde,
antes que se
convierta en momia deslumbrante,
abre de par en
par y una por una todas sus heridas:
que las exhiba al
sol de la piedad, lo mismo que el mendigo,
que plaña su
delirio en el desierto,
hasta que sólo el
eco de un nombre crezca en él con la furia del hambre:
un incesante
golpe de cuchara contra el plato vacío.
Si sobrevive aún,
si ha llegado hasta aquí hecho a la viva imagen de tu demonio o de tu dios;
he ahí un
talismán más inflexible que la ley,
más fuerte que
las armas y el mal del enemigo.
Guárdalo en la
vigilia de tu pecho igual que a un centinela.
Pero vela con él.
Puede crecer en
ti como la mordedura de la lepra; puede ser tu verdugo.
¡El inocente
monstruo, el insaciable comensal de tu muerte!
29.3.13
Ana Martins Marques
Penélope (I)
Ana Martins Marques
Ana Martins Marques
O que o dia tece,
a noite esquece.
O que o dia traça,
a noite esgarça.
De dia, tramas,
de noite, traças.
De dia, sedas,
de noite, perdas.
De dia, malhas,
de noite, falhas.
a noite esquece.
O que o dia traça,
a noite esgarça.
De dia, tramas,
de noite, traças.
De dia, sedas,
de noite, perdas.
De dia, malhas,
de noite, falhas.
Penélope II
Ana Martins Marques
Ana Martins Marques
A trama do dia
na urdidura da noite
ou a trama da noite
na urdidura do dia
enquanto teço:
a fidelidade por um fio.
na urdidura da noite
ou a trama da noite
na urdidura do dia
enquanto teço:
a fidelidade por um fio.
Penélope III
Ana Martins Marques
Ana Martins Marques
De dia dedais.
Na noite ninguém.
Na noite ninguém.
Penélope IV
Ana Martins Marques
Ana Martins Marques
E ela não disse
já não te pertenço
há muito entreguei meu coração ao sossego
enquanto seu coração balançava em viagem
enquanto eu me consumia
entre os panos da noite
você percorria distâncias insuspeitadas
corpos encantados de mulheres com cujas línguas
estranhas eu poderia tecer uma mortalha
da nossa língua comum.
E ela não disse
no início aínda pensei em você
primeiro como quem arde diante de uma fogueira
apenas extinta
depois como quem visita em lembrança a praia da infância
e então como quem recorda o amplo verão
e depois como quem esquece.
E ela também não disse
a solidão pode ter muitas formas,
tantas quantas são as terras estrangeiras,
e ela é sempre hospitaleira.
já não te pertenço
há muito entreguei meu coração ao sossego
enquanto seu coração balançava em viagem
enquanto eu me consumia
entre os panos da noite
você percorria distâncias insuspeitadas
corpos encantados de mulheres com cujas línguas
estranhas eu poderia tecer uma mortalha
da nossa língua comum.
E ela não disse
no início aínda pensei em você
primeiro como quem arde diante de uma fogueira
apenas extinta
depois como quem visita em lembrança a praia da infância
e então como quem recorda o amplo verão
e depois como quem esquece.
E ela também não disse
a solidão pode ter muitas formas,
tantas quantas são as terras estrangeiras,
e ela é sempre hospitaleira.
Penélope V
Ana Martins Marques
Ana Martins Marques
A viagem pela espera
é sem retorno.
Quantas vezes a noite teceu
a mortalha do dia.
quantas vezes o dia
desteceu sua mortalha?
Quantas vezes ensaiei o retorno -
o rito dos risos,
espelho tenro, cabelos trançados,
casa salgada, coração veloz?
A espera é a flor que eu consigo.
Àgua do mar, vinho tinto - o mesmo copo.
é sem retorno.
Quantas vezes a noite teceu
a mortalha do dia.
quantas vezes o dia
desteceu sua mortalha?
Quantas vezes ensaiei o retorno -
o rito dos risos,
espelho tenro, cabelos trançados,
casa salgada, coração veloz?
A espera é a flor que eu consigo.
Àgua do mar, vinho tinto - o mesmo copo.
Penélope VI
Ana Martins Marques
Ana Martins Marques
E então se sentam
lado a lado
para que ela lhe narre
a odisseia da espera.
lado a lado
para que ela lhe narre
a odisseia da espera.
Poemas publicados no livro A vida submarina (Editora Scriptum, 2009)
14.1.13
Release espetáculo a VERTIGEM
“De
olhos nos olhos da tristeza aprecio em dar um sorriso,
para
que sua face não me pareça tão horrenda!”
Fédon
Em
a VERTIGEM, A Patela Cia de teatro&dança apresenta a história de Fédon,
filósofo grego e discípulo de Sócrates. É o próprio Fédon quem ressurge da Antiguidade
para contar sua história. Seus interlocutores, nós, sujeitos da
pós-modernidade, acompanhamos solidários o seu testemunho de dor e de amor, nos
tornamos seus cúmplices e mergulhamos de forma sensorial em sua memória difusa,
que busca compreender a sua própria história, o significado de sua existência. Como se
estivesse dando um testemunho de guerra, de destruição, ele renasce da condição
de escravo sexual como a Ave Fênix renasce das cinzas, e se reconhece novamente
homem, se reconstrói na condição de amante e discípulo amado de Sócrates para
tornar-se, enfim, filósofo e dono de seu destino, mensageiro do amor.
Na
verdade, Fédon tampouco possui registros históricos que comprovem a sua existência.
Para uns, ele é apenas um personagem ficcional dos diálogos de Platão, o
preferido de Sócrates, famoso por sua eloquência e por sua beleza. Para outros,
um “socrático menor”, sem grandes contribuições filosóficas.
É
justamente a partir do imaginário da escritora Marguerite Yourcenar que a Cia Patela recria mais uma vez a
história de Fédon, longe do sofismo de Platão e distante da visão
classificatória das ciências filosóficas.
O texto dramatúrgico, transcriado por mim, nasce da partitura corporal criada pelo bailarino/ator Robson Nunes. Esta, por sua vez, foi inspirada no conto “Fédon, ou a Vertigem” do livro Fogos de Marguerite Yourcenar. Surge, portanto, o espetáculo a VERTIGEM que mantém a essência narrativa do conto e apresenta para a platéia um Fédon real, humano, dançante, sobrevivente da guerra entre Atenas e Élis, sua terra natal, um homem que encontra no amor a porta para a sua libertação.
O texto dramatúrgico, transcriado por mim, nasce da partitura corporal criada pelo bailarino/ator Robson Nunes. Esta, por sua vez, foi inspirada no conto “Fédon, ou a Vertigem” do livro Fogos de Marguerite Yourcenar. Surge, portanto, o espetáculo a VERTIGEM que mantém a essência narrativa do conto e apresenta para a platéia um Fédon real, humano, dançante, sobrevivente da guerra entre Atenas e Élis, sua terra natal, um homem que encontra no amor a porta para a sua libertação.
Para
potencializar e estreitar os limites entre as linguagens “palavra x gesto”, na transcriação
“obra literária x partitura corporal e partitura corporal x texto dramatúrgico”,
são utilizados recursos tanto do Teatro e da Dança Contemporânea como da palavra
poética. A partir destas experimentações entre as linguagens do corpo, da
música e da poesia as cenas do espetáculo são criadas. Neste contexto de
trabalho coletivo e cooperativo, o ator/bailarino transforma seu corpo em
linguagem plástica e seus gestos em música, amplia o espaço ficcional do palco
em cenários intangíveis que apresentam a bucólica infância de Fédon, a destruição de sua
terra natal pela guerra, sua viagem através do deserto até a cidade de Atenas e
finalmente seu encontro com Sócrates, para ele sinônimo de amor, sabedoria e
libertação.
Ficha Técnica:
Intérprete
corporal: Robson Vieira;
Diretor: Claudio Márcio;
Texto original: Fédon ou a Vertigem, de Marguerite Yourcenar;
Diretor: Claudio Márcio;
Texto original: Fédon ou a Vertigem, de Marguerite Yourcenar;
Texto
dramatúrgico: Patrícia Mc Quade
Cenário e Figurinos: Juliana Palhares
Iluminação: Bruno e Thainá (sobrenomes)
Produção : A Patela Cia teatro&dança.
Cenário e Figurinos: Juliana Palhares
Iluminação: Bruno e Thainá (sobrenomes)
Produção : A Patela Cia teatro&dança.
Assinar:
Postagens (Atom)