28.6.10

psiu,

*
silêncio!
cessa o alarido dos ouvidos
calado coração o desassossego

*

27.6.10

Esse vão costume que me inclina ao sul

1964 / Jorge Luis Borges
(tradução livre :: patrícia mc quade)

I

Já não é mágico o mundo. Abandonaram você
Já não compartilhará a clara lua
nem os lentos jardins. Já não há uma
lua que não seja espelho do passado,
cristal de solidão, sol de agonias.
Adeus as mutuas mãos e as têmporas
que aproximava o amor. Hoje você só tem
a fiel memória e os desertos dias.
Ninguém perde (repete você em vão)
senão algo que não tem nem teve
nunca, contudo não basta ser valente
para aprender a arte do esquecimento.
Um símbolo, uma rosa, se lhe desgarra
E pode matar você uma guitarra.


II

Já não serei feliz. Talvez não importa.
Há tantas outras coisas no mundo;
um instante qualquer é mais profundo
e diverso que o mar. A vida é curta
e ainda que as horas sejam tão longas, uma
escura maravilha nos espía,
A morte, esse outro mar, essa outra flecha
que nos livra do sol e da lua
e do amor. A sorte que você me deu
e me tomou deve ser apagada;
o que era tudo tem que ser nada.
Só me resta o gozo de estar triste,
esse vão costume que me inclina
ao sul, a certa porta, a certa esquina.

***

para consultar o poema em espanhol acesse :: una argentina en bh

***

25.6.10

nenhuma verdade sobre mim

*

(foto de :: Alessandro Bavari)

não existe nenhuma verdade em mim. a mentira é a minha maquiagem preferida. a falsidade brilha em meus olhos e lábios revelada no reflexo do espelho de todos os olhos que me olham. minha roupa é a fraude de minha ideologia franco-anárquica. as pessoas que beijei são pura afirmação contrária de minha verdade que não existe a fim de induzir-me a mais e mais erros sem fim. meu sexo é enganador, ilude quem o toca. quem se aproxima de mim também não é real, apenas na aparência pensa que me conhece e nesta busca em constância transforma-me em ilusão, fábula, ficção de uma história onde perdura tudo o que é fugaz. meus vícios são lascivos, costumes supérfluos, prejudiciais e totalmente censuráveis, são erros contra as regras da linguagem ou de um outro saber de corporeidade imperfeita. a cidade onde habito também habita em mim de forma desorganizada e caótica. sou um pequeno pastel desprovido de recheio, uma mentirinha de pão-de-ló labiríntica que perturba quem por mim se envereda na busca de meu reconhecimento e nada encontra a não ser muros de pedras despedaçadas de minhas vivências decadentes. meu crime contra a fé pública consiste na alteração intencional da verdade com o intuito de profanar o sagrado e o eterno. invento perguntas das quais não busco respostas. e nessa falta de autenticidade está a minha obra maior: reinvento o amor nietzschiano, o pragmatismo amoroso de uma pluralidade inesgotável e frequentemente contraditória que se revela inútil aos interesses da humanidade em geral.

sou a deusa da criação de todas as coisas que não valem a pena no papel.

***
se me decifras
eu te devoro!

(a esfinge fingida)

***

23.6.10

lamento de ariadna :: Friedrich Nietzsche

*
Quem me aquece, quem me ama ainda?
Dê a mim mãos ardentes!
Dê a mim um braseiro para o coração!
Estendida na terra, estremecendo-me,
como uma meio morta a quem se aquece os pés,
agitada, ai, por febres desconhecidas,
tremendo perante glaciais flechas agudas de arrepios,
caçada por você, pensamento!
Inominável! Escondido! Aterrador!
Você caçador entre as nuvens!
Fulminada na terra por você,
Olho sarcástico que me olha desde o escuro!
Assim estou jacente
dobrada, retorcida, atormentada
por todos os martírios eternos,
ferida,
por você, o mais cruel caçador,
seu desconhecido, deus…

Fira mais fundo!
Fira de novo!
Corte, recorte este coração!
Para que vem este martírio
com flechas de dentes redondos?
O que olha outra vez
sem se cansar do tormento humano
com malévolos olhos de raios divinos?
Não quer você matar,
somente martirizar, martirizar?
Para que martirizar a mim,
malévolo deus desconhecido?

Ah, ah!
Você se aproxima sinuoso
semelhante à meia-noite?...
O que quer?
Fale!
Aperte-me, oprima-me,
ah! já está muito próximo!
Ouça-me respirar,
espíe meu coração,
ciumento!
— mas, ciumento de que?
Fora, fora!
para que a escada?
você quer subir
penetrar, até o coração,
subir até meus mais
secretos pensamentos?
Devasso! Desconhecido! Ladrão!
O que quer levar roubando?
O que quer levar escutando?
O que quer levar atormentando?
você, atormentador!
você, deus carrasco!
Ou como um cão devo
esfregar-me contra o chão diante de você?
Submissa, admirada fora de mim
balançar o rabo por amor?
É inútil!
Fira-me outra vez,
aguilhão o mais cruel!
Não sou seu cão, só sua presa,
caçador o mais cruel!
sua mais orgulhosa prisioneira,
bandido detrás das nuvens…
Fale afinal!
Você, escondido com o raio! Desconhecido! fale!
O que quer, salteador, de mim?...

Como?
Um resgate?
O que quer de resgate?
Você pede muito, aconselha-o meu orgulho!
E fala pouco, aconselha-o meu orgulho!

Ah, ah!
sou eu quem você quer? Eu?
eu inteira?
Ah, ah!
E me martiriza? Louco que você é, louco!
Re-martirize meu orgulho?
Dê a mim o amor, quem me aquece ainda?
quem me ama ainda?
dê a mim mãos ardentes,
dê a mim um braseiro para o coração,
dê a mim, à mais solitária,
à que o gelo, ai! sete camadas de gelo
ensinam a somar inimigos,
dê, sim, entregue,
inimigo o mais cruel,
dê a mim, a você!

Acabou-se!
Então fugiu ele,
meu único companheiro,
meu grande inimigo
meu deus carrasco!...
Não!
volte!
Com todos os seus martírios!
Todo o curso de minhas lágrimas
escorre até você,
e a última chama de meu coração
para você re-acende.
Oh, volte,
meu deus desconhecido! minha dor!
Minha última felicidade!...

Um raio. Dionisio aparece com esmeraldina beleza.

Dionisio:

Seja sensata, Ariadna…
Tenha ouvidos pequenos, tenha meus ouvidos:
coloque neles uma palavra sensata!
Como odiar-se primeiro, se tem que amar-se?...
Eu sou o seu labirinto...

***

(tradução livre do espanhol de patrícia mc quade)

19.6.10

História clínica

*
eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

Informou que sofria taquicardia cada vez que o via, mesmo que fosse de longe.

Declarou que secavam suas glândulas salivares quando ele a mirava, mesmo que fosse de viés.

Admitiu uma hipersecreção das glândulas sudoríparas cada vez que ele lhe falava, mesmo que fosse para responder-lhe a uma saudação.

Reconheceu que padecia de graves desequilíbrios na pressão sanguínea quando ele a roçava, mesmo que fosse por engano.

Confessou que por ele padecia de tonturas, que se turvava a visão, que se afrouxavam os joelhos. Que de dia não conseguia parar de dizer bobagens e de noite não conseguia dormir.

— Foi-se há muito tempo, doutor — disse —. Eu nunca mais senti nada disso.

O médico arqueou as sobrancelhas:

— Nunca mais sentiu nada disso?

E diagnosticou:

— Seu caso é grave.

***

bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004, p. 09.

***

um presente que vem de longe

*



"Longe" do cd "IÊ IÊ IÊ" de arnaldo antunes (2009)

***



17.6.10

*

*

"o tempo é uma tempestade de séculos!"

magritte yourcenar

*

por que um corvo se parece a uma escrivaninha?

*

“Você já decifrou a adivinhação?” perguntou o Chapeleiro, voltando-se outra vez para Alice.
“Não, desisto”, respondeu Alice. “Qual é a resposta?”
“Não faço a mínima idéia”, disse o Chapeleiro.
“Nem eu”, disse a Lebre de Março.
Alice suspirou enfadada. “Acho que você deveria aproveitar melhor o tempo”, disse ela, “em vez de gastá-lo com adivinhações sem resposta.”
“Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço”, disse o Chapeleiro, “você não falaria em gastá-lo, como uma coisa. Ele é alguém.”
“Não sei o que você quer dizer”, disse Alice.
“É claro que você não sabe!” disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça com desdém. “Eu diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!”
“Talvez não”, respondeu Alice com cautela, “mas sei que devo marcar o tempo quando aprendo música.”
“Ah! Isso explica tudo!” disse o Chapeleiro. “Ele não suporta ser marcado. Agora, se você mantivesse com ele boas relações, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo, suponha que fossem nove horas da manhã, justamente a hora de começarem as lições: você teria apenas de sussurrar uma dica ao Tempo, e o ponteiro giraria num piscar de olhos: uma e meia, hora do almoço!”
(“Como eu gostaria que fosse assim mesmo”, sussurrou a Lebre de Março para si mesma.)
“Seria fantástico, com certeza”, disse Alice, pensativa; “mas, então, eu ainda não estaria com fome, não é?”
“Não a princípio, talvez”, disse o Chapeleiro, “mas você poderia permanecer à uma e meia por quanto tempo quisesse.”
“É assim que você faz?” indagou Alice.
O Chapeleiro balançou a cabeça com desgosto: “Eu não!”, disse. “Nós brigamos em março passado... logo antes dela ficar louca, sabe...” (apontou com sua colher para a Lebre de Março),
“foi no grande concerto oferecido pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar:

‘Pisca, pisca, morceguinho,
Aonde vais nem adivinho.’

Você conhece a canção, não é?”
“Já ouvi algo parecido”, disse Alice.
“E continua, sabe”, emendou o Chapeleiro, “assim:

‘Lá no céu, como travessa
Para chá, voas depressa.
Pisca, pisca—’”

(...)
“Bem, eu nem acabara o primeiro verso”, disse o Chapeleiro, “quando a Rainha bradou: ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’”
“Mas que selvageria!” exclamou Alice.
“E desde então”, continuou o Chapeleiro num tom pesaroso, “ele não faz nada do que eu peço! São sempre seis horas!”
“É, é isso mesmo”, disse a Lebre de Março com um suspiro, “é sempre hora do chá, e nós não temos tempo de lavar a louça nos intervalos.”
“É por isso que vocês ficam girando em torno da mesa?” disse Alice.
“Exatamente”, disse o Chapeleiro, “conforme as louças vão ficando sujas.”
“Mas o que acontece quando vocês retornam para o começo?” Alice ousou perguntar.
“Que tal se mudássemos de assunto?” interveio a Lebre de Março, bocejando. “Estou cansada deste. Meu voto é que a senhorita nos conte uma história.”

(...)

***

ilustração original: john tenniel
bibliografia: CARROLL, Lewis.
Alice. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 70/71.


8.6.10

lançamento do livro :: Baile demáscaras :: de Renato Mendes

*


como diz Renato :: Um gostinho do livro

Vida em branco e preto - trecho - Dia


Caminhava em meio ao cheiro acre das ruas, sozinho por entre a gente, moendo-se e remoendo-me a todo o tempo, nada passava por sua cabeça senão aquele caminha, já rotinado, pelo qual andara e desandara inúmeras vezes e todas as outras coisas em que podia pensar. Esquecera-se, há muito, de olhar, passava os olhos por tudo o que o rodeava e não via nada além dos lítotes da vida, todas as dições e contradições que o encaravam. Perguntava-se por que, se em nada fixava a vista, mantinha-a aberta. Tentava fechá-la, tentara várias vezes durante o dia todo, todos os dias, porém sentia-se incapaz de fazê-lo, abléfaro. Nada escutava, ouvia apenas um ruído ao fundo, junto de meu chão, há anos a ruir sob meus pés, das pessoas inesgotáveis, sempre lho pareceram, fazendo seu trabalho inesgotável e passarem por nós, esgotados, desgostados, desgostosos. Nada lhe restava em mãos além de sua desvida, que apassara entre os cinco minutos de cada cigarro, único querer que nos era possível e, conseqüentemente, comum.

[...]

***

e quem quiser ler mais poesia de renato mendes, clique abaixo:

buraquinho do olvido

***

6.6.10

un regalito de carrión







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9 de novembro de 2008Leticia Cossettini y sus alumnos relatan la experiencia pedagógica del Coro de los Niños Pájaros realizada en Rosario,. Argentina en los años 40 del siglo XX. Las Hermanas Cossettini fundan el modelo de Escuela Serena, basada en el método de la Escuela Nueva Europea.

Fragmento del Documental "La Escuela de la Srta. Olga".




e bagunçando a poética de oswald:

*

"poesia é também a descoberta das coisas que eu já (vi)vi".

*

5.6.10

*

*
em meio à aridez
do asfalto
dos prédios
das pedras
das gentes
da cidade
te quero você
meu oásis