11.4.13

Poemeia sem Par


a estante vazia
dos livros sem assunto
dos bibelôs sem charme de mãos dadas

as paredes vazias
dos quadros sem viagens
das molduras sem fotos de namoro e um quase

as gavetas vazias
da bagunça costumeira
dos objetos perdidos à vista

a cama vazia
dos lençóis abandonados
dos corpos nus aconchados e acolchoados

o prato vazio
e uma colher que tirita à espera
de sua boca e um ranger de dentes

porém

há uma geladeira cheia
de frutos encerados de tempo
e uma translúcida garrafa de água babujada pelo meio

em sua porta entreaberta
um poema grita num pote
[hermeticamente fechado]
conservas de amor:

estalac-ti-tes
estalag-mi-tes

e um ai.



7.4.13

Para fazer um talismã

 de Olga Orozco
tradução livre :: patrícia mc quade

É necessário só teu coração
feito da viva imagem de teu demônio ou de teu deus.
Um coração apenas, como um crisol de brasas para a idolatria.
Nada mais que um indefeso coração apaixonado.
Deixa-o à intempérie,
onde a erva uiva seus lamentos de babá louca
e não possa dormir,
onde o vento e a chuva deixem cair seu açoite num golpe de azul arrepio
sem convertê-lo em mármore e sem parti-lo em dois,
onde a escuridão abra seus covis a todas as matilhas
e não alcance esquecer.
Atira-o depois desde o cimo do seu amor à efervescência da bruma.
Coloca-o rápido para secar no surdo regaço da pedra,
e escava, escava nele com uma agulha fria até arrancar o último grão de esperança.
Deixa que o sufoquem as febres e a urtiga,
que o sacuda o trotar ritualístico do gatuno,
que o envolva a injúria feita com os farrapos de suas antigas glórias.
E quando um dia um ano o aprisione com a garra de um século,
antes que seja tarde,
antes que se converta em múmia deslumbrante,
abre de par em par e uma por uma todas as feridas:
que as exiba ao sol da piedade, assim como faz o mendigo,
que pranteie seu delírio no deserto,
até que só o eco de um nome cresça nele com a fúria da fome:
um incessante golpe de colher contra o prato vazio.
Se sobreviver ainda, se chegar até aqui como imagem e semelhança de teu demônio ou de teu deus;
tem aí um talismã mais inflexível que a lei,
mais forte que as armas e o mal do inimigo.
Guarda-o na vigília de teu peito como faz uma sentinela.
Mas vela com ele.
Pode crescer em ti como a mordida da lepra; pode ser teu algoz.

O inocente monstro, o insaciável conviva de tua morte!

***

Para hacer un talismán

Se necesita sólo tu corazón
hecho a la viva imagen de tu demonio o de tu dios.
Un corazón apenas, como un crisol de brasas para la idolatría.
Nada más que un indefenso corazón enamorado.
Déjalo a la intemperie,
donde la hierba aúlle sus endechas de nodriza loca
y no pueda dormir,
donde el viento y la lluvia dejen caer su látigo en un golpe de azul escalofrío
sin convertirlo en mármol y sin partirlo en dos,
donde la oscuridad abra sus madrigueras a todas las jaurías
y no logre olvidar.
Arrójalo después desde lo alto de su amor al hervidero de la bruma.
Ponlo luego a secar en el sordo regazo de la piedra,
y escarba, escarba en él con una aguja fría hasta arrancar el último grano de esperanza.
Deja que lo sofoquen las fiebres y la ortiga,
que lo sacuda el trote ritual de la alimaña,
que lo envuelva la injuria hecha con los jirones de sus antiguas glorias.
Y cuando un día un año lo aprisione con la garra de un siglo,
antes que sea tarde,
antes que se convierta en momia deslumbrante,
abre de par en par y una por una todas sus heridas:
que las exhiba al sol de la piedad, lo mismo que el mendigo,
que plaña su delirio en el desierto,
hasta que sólo el eco de un nombre crezca en él con la furia del hambre:
un incesante golpe de cuchara contra el plato vacío.
Si sobrevive aún, si ha llegado hasta aquí hecho a la viva imagen de tu demonio o de tu dios;
he ahí un talismán más inflexible que la ley,
más fuerte que las armas y el mal del enemigo.
Guárdalo en la vigilia de tu pecho igual que a un centinela.
Pero vela con él.
Puede crecer en ti como la mordedura de la lepra; puede ser tu verdugo.

¡El inocente monstruo, el insaciable comensal de tu muerte!