31.5.09

carta a um filho,

**
de assombro em assombro me encontro
desde que de mim nasceu
um ser espantado de vida
se refugia em mim
e o cordão que nos une é de carne e vibra
latente de sangue de verbo de verso

antes estéril
não posso conceber a fé na alma humana
nem no futuro da vida futura
nem no devir da morte instaurada
nem na virtude utilitária da ética
nem no limite da chuva da lua da estrela
das nuvens dos picos solares

o porvir é esse vir-a-ser de sempre
homem desalinhado, desfiado
mal acabado e
livre do destino dos deuses

parem o mundo num suspiro:

soltem as correntes do carro de apolo
deixem correr seus cavalos de fogo!
eles cruzarão de leste a oeste a galope
e o sol ileso irá pairar no ponto mais alto do céu
e dez mil vezes por dia se cumprirá a profecia

eis que o novo mundo virá
um novo homem surgirá de você
e de mim
e de todos os que aqui resistem
e de todos os que aqui persistem
apesar das guerras
das fábricas de mortos
da escuridão das celas
dos engenhos de corpos

para sacralizar chronos
me esforço em desmoronar
cada segundo de existência
assim a vida seguirá sua rota
lenta e evasiva
despreocupada de ponteiros
o sol sempre de mentira
dirá a mesma hora: é meio-dia

e a morte perseguirá enganada
o vulto que se arrasta
a sombra que acompanha o corpo
e a vida se fará eterna-
mente fugaz o fogo

e aqui jaz
eu, mãeterna
violenta de ventre de terra
estremecida de pavor e erupção
sigo de cova em cova
de berço em berço
vasculho cavernas
eco sussurro germinação

desde que de mim nasceu
um olho d’água
jorra à força riachos que
antes passaram pelas cordas de um coração
e que cheguem ao seu

30.5.09

siempre me quedará :: otra canción de bebe

**



Cómo decir que me parte en mil
las esquinitas de mis huesos,
que han caído los esquemas de mi vida
ahora que todo era perfecto.
Y algo más que eso,
me sorbiste el seso y me deciende el peso
de este cuerpecito mío
que se ha convertido en río.
de este cuerpecito mío
que se ha convertido en río.

Me cuesta abrir los ojos
y lo hago poco a poco,
no sea que aún te encuentre cerca.
Me guardo tu recuerdo
como el mejor secreto,
que dulce fue tenerte dentro.

Hay un trozo de luz
en esta oscuridad
para prestarme calma.
El tiempo todo calma,
la tempestad y la calma,
el tiempo todo calma,
la tempestad y la calma.

Siempre me quedará
la voz suave del mar,
volver a respirar
la lluvia que caerá
sobre este cuerpo y mojará
la flor que crece en mi,
y volver a reír
y cada día un instante volver a pensar en ti.
**
(cd :: pa'fuera telarañas :: bebe)

27.5.09

a flor mais grande do mundo :: animação a partir de um conto de saramago

**
como uma pequena ação faz a MAIS GRANDE diferença!


A flor mais grande do mundo é inspirada na pintura barroca de velazquez a partir de um relato de oscar wilde. uma produção que associa três nomes da indústria cultural: na trilha sonora, emilio aragón; juan pablo etcheverry como diretor, um expert em animação e também o autor de Minotauromaquia (animação inspirada no mito de minotauro e nas obras de pablo picasso, com música de stravinsky); e por último josé saramago, o autor do conto original infantil. é ele o narrador-personagem do curta-metragem. A flor mais grande do mundo concorreu a vários festivais nacionais e internacionais.

extremamente simples como o pensamento infantil, a animação trata de forma delicada a questão ecológica que anda em pauta nas grandes discussões sobre o desenvolvimento sustentável. a partir dela dá para trabalhar várias habilidades criativas e formas de expressividade com crianças, jovens e adultos: desde a criação literária (contos e poemas) a partir da provocação que faz o próprio autor do conto que narra a história, até as outras artes como desenho, pintura, música, representação cênica. dá também para estimular uma reflexão sobre a responsabilidade que deveríamos ter em relação ao consumismo exacerbado, ao crescimento urbano desenfreado e ainda sobre o nosso papel enquanto transformadores dessa realidade instaurada pelos meios de produção e pelo capitalismo selvagem.

veja o curta-metragem no site oficial



e aproveite para conferir também a outra animação do diretor juan pablo etcheverry,


há outros muitos curtas-metragens no mesmo site, para o público adulto e infantil


eu já me deliciei.

ato público contra o AI-5 digital :: agora em bh

**
que façamos os mineiros a nossa parte,
compareçam!

reproduzo o anúncio retirado do blog O biscoito fino e a massa

o ato acontecerá dia 01 de junho, às 19:30 h, no Teatro Cidade (Rua da Bahia, 1341). 
haverá um debate com as presenças de Idelber Avelar e de Sérgio Amadeu, ativistas em defesa do Software Livre e da internet como movimento de democratização do conhecimento.


depois do protesto onde muitos blogs ficaram "congelados" em todo o Brasil contra o projeto de policiamento da internet. depois de outro protesto na assembleia legislativa em sampa. agora é a hora e a vez de beagá. também não era pra menos. o senador que redigiu essa proposta de lei vergonhosa que solapa a formação de opinião de uma parcela da população que ainda quer ter opinião, que viola o direito à privacidade dos usuários da rede e que detona com o sonho de democratização de informações e acesso cultural através da internet, é eduardo azeredo, senador votado pelo curral mineiro. repito: para quem quiser se informar mais, há uma enorme documentação que explicita o AI-5 digital e esclarece quaisquer dúvidas, visite:








eu já assinei!
catum de Latuff.

23.5.09

minha despedida a mario benedetti


rené portocarrero (1912-1985)  é um dos principais artístas plásticos de cuba no sec. XX.  
:: obra: "mujer de perfil" :: 
para ver mais obras do artista, clique aqui!
***

HOMEM QUE MIRA SEM SEUS ÓCULOS
mario benedetti
(tradução: patrícia mc quade)

Neste instante o mundo é apenas
          um vitral confuso
as cores se invadem umas nas outras
e as fronteiras entre coisa e coisa
         entre terra e céu
        entre árvore e pássaro
estão desfiadas e indecisas

o futuro é assim um caleidoscópio de dúvidas
e ao menor movimento o lindo prognóstico
         se transforma em mal augúrio
os carrascos se jubilam até parecer
         invencíveis e sólidos
e para mim que não sou lázaro
         a derrota oprime como um sudário

as boas mulheres desta vida
        se justapõem se simulam se entremesclam
a que apostou seu coração por me amar
        com uma fidelidade abrumadora
a que me marcou a brasa
        na cavernamparo de seu sexo
a que foi cúmplice do meu silêncio
        e compreendia como os anjos
a que imprevistamente me deu uma mão
         na sombra e depois a outra mão
a que me rendeu com um só argumento de seus olhos
         mas se curvou sincera na amizade
a que descobriu em mim o melhor de mim mesmo
           e linda e terna e boa amou meu amor

as paisagens e as esquinas
os horizontes e as catedrais
        que fui colecionando
         através dos anos e os enganos
se confundem no guia turístico presunçoso
de fábula narrada aos amigos
e nesse delírio de vaidades e nostalgias
é difícil saber o que é monastério e o que é blasfêmia
        o que é van gogh e o que manjubas defumadas
        o que é mosaico e o que água suja veneziana
        o que é aconcágua e o que é cogumelo

também os próximos se amontoam
        crápulas e benditos
        santos e indiferentes e traidores
e inscrevem na minha infância pessoal
tantas frustrações e rancores
que não posso distinguir claramente
         a lua do rio
        nem a palha do grão

mas chega o momento em que aquele recupera
        por fim seus óculos
e de imediato o mundo adquire
        uma tolerável nitidez

o futuro luze então árduo
         mas também radiante

os carrascos se apequenam até
        recuperar sua condição de baratas
de todas as mulheres uma delas
        dá um passo a frente
        e se desprende das outras
        que no entanto não se esfumaçam
das cidades viajadas surgem
        com fervor e claridade
        quatro ou cinco rostos decisivos
        que quase nunca são grandeloquentes

certa menina brincando com seu cão
         numa rua deserta de genebra
um sábio negro de alabama que explicava
         por que sua pele era absolutamente branca
ela fitzgerald cantando
          diante uma platéia quase vazia
         em um teatro moribundo de florencia
e o guajiro do oriente
         que disse ter um portocarrero
         e era uma lata de biscoitos
          desenhada pelo pintor

do ramalhete de próximos posso extrair
        sem dificuldades
uma larga noite paterna uma derradeira conversa
        síntese de vida
        com a morte rondando no corredor
o veterano que transmitia
        sem egoísmo e sem prazer
         alguns de seus códigos de sensível
o companheiro que pensou longamente na cela
        e sofreu longamente o cepo
         e não delatou ninguém
o homem político que em um ato
         de incalculável amor
         disse a um milhão de pessoas a culpa é minha
         e o povo começou a sussurrar fidel fidel
          e o sussurro se converteu em onda clamorosa
        que o abraçou e continuam a abraçá-lo ainda
essa gente a pura gente
        essa gente bonachona à moda oriental
        que na avenida gritou tiranos tremam
        até que chegou ao mesmíssimo
         tremor do tirano

e a moça e o moço desconhecidos
        que se desprenderam um pouco de si mesmos
        para estender suas mãos e dizer-me
        adiante e valor

decididamente
não vou perder mais meu óculos

por um imperdoável desenfoque
pode alguém cometer gravíssimos enganos.

***

tenho acompanhado de perto as notícias que circundam a morte de mario benedetti. muitos foram os blogs que manifestaram o luto pela perda desse poeta tão importante na cultura e na política do uruguay. como leitora de poesia latinoamericana me sinto comovida com a repercursão de seus versos desde o funesto evento anunciado pela imprensa sábado passado. tomara que não seja apenas um fogo de palha e o calor das leituras poéticas não esfriem com a primeira rajada de vento do norte. hoje já faz uma semana que ele se foi. não vou me extender aqui em apresentá-lo, seus versos, contos, novelas, romances, ensaios já contam dele por mim. cito seus poemas em especial, eles falam de política, ditadura, amor, compaixão, solidariedade, liberdade... sem distinção entre as fronteiras de um tema a outro. costumo chamar de passarinhos a esses poetas que nos entoam seu canto e que nos ajudam a entender esse mundo tão contraditório. acho graça ouvir dizer que a poesia é que é contraditória e de difícil entendimento. o que é contraditório e de difícil entendimento, para mim, é essa realidade social, política e econômica do mundo civilizado em busca constante pelo capital, e que em nome da ordem e da paz mundial, se faz guerra, se mata, se tortura. em nome dos interesses particulares, se rouba, se infringe, se mente, e também se mata. na literatura eu me encontro, nas notícias diárias jornalísticas eu me perco. mas não deixo de ler nem uma nem outra. e busco nesse labirinto de emoções um olhar poético e politizado das coisas para me distinguir da massa de brasileiros que não se reconhecem tampouco como latinoamericanos :: quanta ingenuidade e falta de cumplicidade cultural e política! sem falar da falta de noção histórica.

mais esse passarinho se foi.
gostaria que essa perda fizesse, principalmente a nós brasileiros, pensar em como o autoritarismo exacerbado (qqr tipo de ditadura ou coerção através do poder) destrói as manifestações políticas que incrementam de criatividade e criticidade a vida dos cidadãos do mundo.

que seus versos continuem a repercutir nos quatros cantos da américa latina e que reforcem o nosso voo, outros pássaros, com suas penas vividas e seu canto que se fez eterno. para que a partir disso possamos abrir as nossas asas sobre a total liberdade de compartilhar igualmente o sonho de uma américa latina mais justa socialmente, promissora em nossa identidade cultural e com autônomia política e econômica.

quem disse que o sonho acabou?
nos versos de benedetti ele ainda pulsa.

laroiê, benedetti!
nós aqui cuidamos de seus versos.

***

(tradução livre do poema por patrícia mc quade :: para quem se interessar pelo poema em espanhol, clique aqui)

bibliografia lida de forma carinhosa e intensa: 
BENEDETTI, Mario. Poemas de otros. Buenos Aires: Editorial Nueva Imagen, 1989.

***
epígrafe do livro citado:

Mire la calle.
¿Cómo puede usted ser
indiferente a ese gran río
de huesos, a ese gran río
de sueños, a ese gran río
de sangre, a ese gran río?
                                                                         (Nicolás Guillén)

19.5.09

pequeno estado de ânimo

***

às vezes eu me sinto
uma margarida igual
a outras aparentada

se não fosse por
uma diferença

se não fosse por
esta pétala
des'petalada.


***

errata sobre o poema :: assim eu queria o último adeus



"Os perigos da espontaneidade, por antônio cícero:

TANTO O poeta francês Paul Valéry quanto o nosso João Cabral de Melo Neto, que costumava citar o primeiro, desconfiavam de que tudo o que lhes chegasse espontaneamente, à maneira de inspiração, era eco de alguma coisa que houvessem lido, ouvido ou percebido de alguma maneira. Por isso, só confiavam no que resultasse de um trabalho rigoroso, que eliminasse tudo o que fosse alheio".

fragmento retirado do blog: acontecimentos de antônio cícero

***

explico-me:

me pego em flagrante no domingo à tarde depois de postar o poema "assim eu queria o último adeus" neste blog. meu computador estava dando pau para assistir aos filmes do youtube e eu tentava instalar um programa que resolvesse o problema. consegui com a ajuda de um amigo que me orientou por telefone. e para testar se funcionava, eu fui ver novamente o vídeo que havia postado dia 14/02 em memória saudosa a manuel bandeira, um fragmento do filme O habitante de pasárgada. fiquei chocada! eu havia plagiado na maior inocência praticamente um verso inteiro dele! no filme ele recita um poema chamado: "O último poema".

continuo a explicar-me:

enquanto bandeira pensa no último poema, eu penso no último adeus. de alguma forma isso ficou na minha memória gravado, no meu arquivo imemorial, pois eu não sabia que copiava uma ideia dele, o 'meu' poeta. além disso, ele diz em seu poema sobre flores quase sem perfume, e eu digo sobre a flor delicada que guarda seu perfume. e mais: ele fala sobre os suicidas que se matam sem explicação, e eu sobre a pulsão prozac dos suicidas perdidos no deserto.

mas eu me jubilo agora, pois esse choque suavisou quando, procurando o poema plagiado para postar aqui neste depoimento, eu encontro despropositadamente uma crônica de fernando sabino chamada "A última crónica" e que termina: “Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso”.

ufa! minha consciência ficou mais calma e eu assumo agora com tranquilidade o poema que postei, plagiado discaradamente de meu poeta preferido, manuel bandeira. mas sem título de comparação: eu só estou engatinhando no fazer poético da coisa, ele já é estrela guia dos poetas que ainda balbuciam com insegurança seus próprios versos.

***

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira

***

concluo:

cada nova criação literária é como um mexer, remexer e reremexer, se for necessário, no balaio de gatos de tudo o que você já leu e viveu. não há nada de novo na literatura, tudo já foi dito ou escrito. o interessante hoje é em como você volta a dizer isso novamente a partir de suas experiências e usando a sua capacidade de recriar. é a crise atual da originalidade que em mim não dói de forma alguma, ainda mais depois dessas descobertas que eu aqui compartilho.

obrigada bandeira por me servir também de inspiração!

***

17.5.09

assim eu queria o último adeus:

**

"assim eu quereria o meu último poema"
(verso de manuel bandeira)

fosse sereno noturno de flor
fosse atabaque retumbante no peito
fosse rima que pinga do olho essa dor

fosse a gentil sutileza da aranha-bordadeira
que encurrala com a morte
a ingênua presa envolvida em sua teia

fosse o clamor surdo das vozes
dos que se perdem no deserto:
a paixão dos mal-amados,
o ciúme histérico dos abandonados,
a pulsão prozac dos suicidas,
as cartas de amor não respondidas

assim eu queria o último adeus:

fosse essa flor delicada que
guarda seu perfume por vir
o sereno na madrugada.



**

espetáculo :: Yepá, avó do Mundo

***

na última terça-feira fui levar meus alunos de 08 a 10 anos da escola da serra para ver a um espetáculo no teatro marília. já tinha algum conhecimento prévio sobre a temática e algumas referências de que era uma peça interessante e muito bem feita. mas, de longe, não esperava um espetáculo tão bonito de ver com os olhos, escutar com os ouvidos e sentir com o coração. todos os meus sentidos ficaram aguçados para não perder nada daquilo, que desde o início, enlaçou a atenção não só minha, mas da maioria das crianças do teatro que ali assistiam. e olha que não eram poucas, dentre os 38 alunos de minhas turmas, havia mais ou menos ali umas 120 crianças somadas, de 01 a 12 anos, todas hiperativas por estarem fora do ambiente escolar de costume. excursão sempre mobiliza a escola inteira e as crianças ficam como que ligadas a uma potência 220 v. mas na hora da peça, quando começou o espetáculo, a maioria se fez silente para degustar cada pedacinho daquele universo mágico.


três atrizes surgem no fundo do teatro, de forma inesperada, e cantam lindamente ao descerem as escadas laterais da platéia ao toque de seus tambores. uma surpresa para todos, pois os olhares estavam voltados para o palco e o início começava em um lugar inusitado para as crianças que agitadas buscavam de onde vinham as vozes de encantamento que entoavam esse canto. as carinhas que eu observava iam se acendendo uma a uma e os sorrisos iam brotando como pipoca quando encontravam enfim a pintura em movimento das moças. ao chegar no palco, as três Marias contam a sua história.


um dia, quando se sentiam muito sozinhas e com saudades de sua infância, as três Marias foram fuçar em um baú de histórias que pertencia a sua avó, transladada em estrela já fazia algum tempo. de lá tiraram várias que contavam peripécias de heróis vencendo perigos e conquistando amores, histórias de terror, de assombração e de muitos medos, histórias de amizade sincera que dura a vida inteira. mas não encontraram nenhuma que pudesse acalmar seus corações que sofriam de uma angústia que não tinha explicação. foi ai que resolveram construir uma avó para lhes contar uma história. juntaram barro, sementes, lembranças de suas avós e mais as lembranças das avós de boa parte das crianças da platéia. essa foi a hora "happening" e todos queriam compartilhar o carinho que cada um sentia de sua avó, todos queriam contribuir na construção daquela história. no palco novamente, as três Marias modelaram Yepá, avó do Mundo. e fez-se a mágica. surgiu a avó mais velha, a primeira avó do mundo! a história que Yepá conta para as três Marias é uma lenda indígena, ‘O nascimento da noite’. ela, a avó do mundo, é a personagem principal e se torna o centro do espetáculo onde cada aparição sua é um novo deslumbramento: nasce gigantesca, diminui de tamanho, vira luz, vira sombra, e por fim volta ao pó da terra e às lembranças de quem ali a história experenciava.



os recursos cênicos dessa peça foram de uma simplicidade que me surpreendeu, pois os efeitos tiveram resultados muito interessantes e até requintados do ponto de vista da estética teatral. bonecos de vários tamanhos e materiais foram criando vida no palco e assumindo seus papéis na peça. lençóis, panos e colheres de pau foram tomando formas de personagens e cenário a fim de compor os episódios da história. o jogo de luzes potencializou o clima mágico e o teatro de sombra foi trabalhado de uma forma muito orgânica em toda a peça, recriando o universo nebuloso das lendas, da fantasia e das histórias encantadas. a poesia estava em toda parte: na linguagem verbal do texto, na sonoplastia musical, nas imagens produzidas em cena, nos corpos e gestos delicados e precisos das atrizes, nas pedrinhas batendo na lata pra fazer o som de água, nas pinturas rupestres do vestido de Yepá, nas mantas bordadas que compunham o cenário, nas luzes, na escuridão, nas carinhas das crianças que assistiam assombradas e maravilhadas ao mesmo tempo.


a mensagem da peça é de difícil verbalização. em cada pessoa que assiste ela acontece de forma diferente, a partir de cada experiência vivida e sofrida. sabemos onde ela nos toca: no profundo oculto de nossa herança cultural humana, lugar que entendemos hoje como memória coletiva guardada no coração de cada indivíduo. nos tempos primórdios da nossa espécie [divago eu em meio a desvarios] a escola era a própria natureza que existia ao nosso redor e dentro de nós mesmos. o professor era um indivíduo da comunidade, aquele que conhecia mais sobre a vida, contava suas experiências com sabedoria, mantinha um contato místico com seus ancestrais, cultivava a tradição e a identidade cultural de seu povo e narrava histórias maravilhosas que foram surgindo sei lá de onde: talvez da curiosidade do ser humano em descortinar segredos, ou do desejo de explicar onde e como as coisas surgiram, quem sabe nasceu da magia do próprio intelecto humano se descobrindo, ou ainda da vontade de expandir o que se vê, escuta e sente. as lições de casa era a aplicação de todos esses ensinamentos na vida prática, no cotidiano, entre deveres cumpridos e diversões permanentes. o recreio era o tempo todo, quando se trabalhava, quando se aprendia, quando se brincava, até quando se dormia e sonhava com esse universo oculto que recheava de mistério a beleza de se estar vivo, mesmo em meio a tantos perigos e luta constante pela sobrevivência. essa peça dá uma saudade da minha vó Ana, das histórias que me contava da bahia e também de tudo o que eu nunca vi: essa bagagem cultural de milênios, que carrego em memória dentro de mim!


o grupo Aldeia, teatro de bonecos faz uma pesquisa profunda sobre os mitos e lendas do nosso folclore. busca nas raízes de nossa cultura oral os elementos mágicos para construír suas obras. iniciou contando histórias em várias cidades da região de Terras Altas da Serra, visitando escolas, bibliotecas e também distribuindo livros. o grupo já gravou um cd onde narra quatro lendas indígenas. a continuidade desse projeto intitulado Laços e Lendas segue com o espetáculo Yepá, avó do Mundo.

muitos são os profissionais que trabalham nessa obra: 
no elenco: ana cristina fernandes, débora mazochi e suzana louzada.
direção: débora mazochi e bruno godinho
idéia original: débora mazochi e suzana louzada
texto teatral e adaptação da lenda: débora mazochi e silvino fernandes.
cenário e adereços: ana cristina fernandes e suzana louzada

entre outros muitos.


visite o site oficial do grupo e descubra outras de suas pesquisas e façanhas que combinam arte e vida: 


essa peça, classificada como infantil, serve para qualquer idade. desde o primeiro ano de vida até os milênios que já somam a humanidade.

***

depois de tantos devaneios, concluo o texto com um poema de oswald de andrade:

"aprendi com meu filho de dez anos
 que a poesia
 é a descoberta das coisas que eu nunca vi."


evoé!

***

14.5.09

manuel bandeira :: porque acordei hoje com um passarinho cantando para mim

**



***

manuel bandeira para mim é a referência poética mais forte que eu sinto, tanto na vida como na minha escrita - se é que dá para separar as duas coisas. sua poesia não tem limites, diáloga de maneira perfeita a forma e o conteúdo, subverte ambos conceitos, passeia pelos versos livres e brancos. alguns de seus poemas tem um altíssimo teor filosófico e narrativo, outros um humor negro que ora nos faz rir ora nos faz meditar sobre nós mesmos: os bichos seres humanos. há outros ainda que brincam em mim como crianças assoprando bolhas de sabão :: as bolhas fazem cosquinhas nos olhos quando flutuam e depois estalam na pele acarinhando o puro prazer sensitivo :: são esses poemas, em especial, os que eu mais gosto. quem não se diverte ao ler "teresa"? ou "trem de ferro"? ou "namorados"? hoje em especial acordei com um poema dele na cabeça intitulado "desencanto". meu ânimo não está muito para brincadeiras, nem para bolhas de sabão. "desencanto" eu sei decor e meus alunos vivem pedindo para que eu o recite em sala. de pura nostalgia, com algum tempero de solidão, procuro por esse poeta hoje para ver se consigo alcançar a catarse que seria mais ou menos uma descarga de desordens emocionais ou afetos desmedidos a partir da experiência estética oferecida, por exemplo, pela poesia dele. mas não se preocupem comigo, estou viva, por isso sinto. essa é a maneira mais saudável de superar algum estado de angústia que anoitece a alma. vejo tudo isso como uma maneira calma, de operação cirúrgica psíquica pessoal, como forma de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente, liberando-me de sintomas e neuroses associadas a algum bloqueio ou desencadeamento [qué sé yo?] de ordem emocional. e como amar não pode ser com a alma, como nos diz lindamente bandeira, que o corpo se expresse, que as lembranças o envolvam, que a dor que ele deva sentir, sinta de verdade, para que depois a dor se vá e ele, o corpo, o meu corpo, esteja pronto para amar tudo e outros outra vez.

obrigada manuel bandeira pelos seus versos. são eles que me falam ao coração.
que você, poeta solitário, me ensine a apr(e)ender a solidão.

***

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

***


Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite

***

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

***

Pardalzinho


O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!

***

Poeminha do contra

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

***

livro de cabeceira:

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. São Paulo: ed. Record. 1998.

leitura recomendada.

***

8.5.09

Ato Público contra o AI-5 Digital


muitos blogs estão hoje "congelados" em todo o Brasil, em protesto contra o projeto de policiamento da internet. para quem quiser se informar mais, há uma enorme documentação contra o AI-5 digital no blog do Sergio Amadeu, que tem tomado a frente nessa luta contra um projeto no mínimo cara-de-pau.

censura? depois de tanto que se lutou pela liberdade de expressão? até parece tema para conto de ficção.

o protesto será na assembléia legislativa em sampa,
dia 14/05, às 19h.
rua: Álvares Cabral, 201, Ibirapuera.


5.5.09

textura da palavra

**
palavra-concreto
áspera
ciumenta
atira pedra
atira grito
atira quebra
estilhaço que rasga
abre fissura
na janela da casa dela

palavra-carinho
sabonete
escorrega
faz ternura
faz curva
faz eterna
desliza de onda
abre caminho
por entre as pernas dela
**

4.5.09

cenário nacional em luto :: morre augusto boal

**
A jornalista Ana Paula Sousa reproduz a última entrevista de Augusto Boal, o inventor do Teatro do Oprimido, publicada na revista Carta Capital. Boal fala de teatro, critica a Lei Rouanet e diz que a mídia só "gosta de campeões". "A escolha individualista nunca esteve no meu horizonte". Boal morreu sábado, dia 02/05, vítima de leucemia.

***
:: entrevista copiada do blog de alê peixoto :: boca no trombone ::

***


"O Teatro do Oprimido é
o teatro no sentido mais arcaico do termo.
Todos os seres humanos são atores — porque atuam —
e espectadores — porque observam.
Somos todos ‘espect-atores’".
(augusto boal)

***

Para Augusto Boal, éramos todos artistas

por Ana Paula Sousa


A morte de Augusto Boal virou notícia de destaque neste final de semana. Curiosamente, porém, o dramaturgo e diretor tinha sumido da imprensa brasileira nos últimos anos, como se nada andasse fazendo.

Não foi sem algum susto que li a notícia de sua morte.

Conversei com Boal há cerca de um mês, dias antes de sua partida para Paris, onde recebeu uma homenagem na Unesco. A despeito da doença, ele soava, ao telefone, cheio de vitalidade e planos.

Reproduzo, a seguir, a reportagem que foi publicada na revista CartaCapital. Ao que me consta, foi a última longa entrevista concedida por ele.


ATIVISTA TEATRAL

Foi no Thèatre de Ville, em Paris, que Augusto Boal celebrou, na sexta-feira 27 de março, o Dia Mundial do Teatro. Homenageado pela Unesco, o diretor, dramaturgo e ensaísta brasileiro via o trabalho que realiza desde os anos 1960 ser mundialmente aplaudido.

O Teatro do Oprimido, o método que Boal desenvolve desde os anos 1960, é tão conhecido quanto impalpável. Muita gente já ouviu falar dele. Mas o que é, de fato, esse teatro que se propõe a ser, a um só tempo, arte, ação social e movimento político?

Boal, ex-integrante do Teatro de Arena e escritor incansável, diz, na entrevista a seguir, que se trata de uma ação capaz de transformar a sociedade e de fazer à estética dominante.

Em poucas palavras, como o senhor definiria o Teatro do Oprimido?

Defendemos que todos nós podemos fazer teatro, que todos podemos ser personagens, de fato, de nossas próprias vidas.

Por que temos de seguir a estética determinada pela classe dominante? O Teatro do Oprimido traz consigo a estética do oprimido. Ou seja, queremos que as pessoas retomem suas próprias palavras, imagens e sons.

Na prática, isso significa o que?

Significa compreender que, hoje, todas as formas de expressão e comunicação estão nas mãos dos opressores.

O que a televisão oferece é um crime estético. E ainda acham estranho que alguém saia matando 15 pessoas de uma só vez. O cérebro das pessoas está impregnado dessas imagens.

As rádios também repetem o mesmo som o tempo todo. Sem falar no tecno, que desregula até marca-passo, e é pior que ouvir gente quebrando tijolo em construção.

O que a gente quer, no Teatro do Oprimido, é lutar nesses três campos : palavra, imagem e som.

Nos dê um exemplo desse trabalho. Como ele é feito, que resultados proporciona?

O Teatro do Oprimido é seguido, por exemplo, pelo MST. Há uns 10 anos, eles fundaram um grupo e quase 30 camponeses vieram conhecer o nosso trabalho. Passamos pra eles tudo que podíamos.

Eles não vieram para consumir uma técnica, mas para receber instrumentos que pudessem usar em suas terras. Essa é também a ideia do Teatro do Oprimido ponto-a-ponto, que difunde o trabalho pelo Brasil. Temos multiplicadores do que fazemos aqui no Rio de Janeiro. Estamos em 16 Estados.

O que significa, para uma organização como o MST, ter grupos de teatro?

Significa ter o direito de tratar de certos assuntos a partir da visão deles, expor uma visão dos acontecimentos que não é aquela dos jornais, que coloca o MST como um bando de brutamontes.

O teatro permite que o pensamento que está por trás do movimento seja exposto, retrabalhado.

Em linhas gerais, qual a sua avaliação do teatro brasileiro hoje?

Existe um mundo de teatros no Brasil. Nunca vi um espetáculo no Amazonas ou no Pará, então não posso avaliar.

O que posso dizer é que a Lei Rouanet assassinou a criatividade do teatro.

Ao transferir do governo, que representa o povo, para as empresas a decisão de onde investir, a Lei substitui o pensamento criativo pelo publicitário. Essa lei tem que acabar.

Muitos produtores dizem exatamente o oposto: se acabar a lei, acaba o teatro.

Não é a verdade. Há muitos grupos produzindo por aí. Esse dinheiro da lei deveria ser transferido para um fundo.

A verba do fundo seria distribuída de acordo com a avaliação de comissões constituídas pela sociedade. A Lei não incentiva companhias como a minha, ou as de Zé Celso (Martinez Corrêa), Antunes Filho, Aderbal (Freire Filho) ou grupos como o Tapa.

Ela só funciona para projetos isolados, individualistas. Se eu depender do apoio de uma empresa de macarrão, como vou produzir uma peça como Ralé, de Gorki, que fala sobre a fome?

Qual a sua avaliação do Ministério da Cultura?

Desde que o Gilberto Gil assumiu, temos, pela primeira vez, um Ministério da Cultura. Antes, até houve pessoas interessantes na pasta, mas nunca um Ministério de fato.

Também acho que, pela primeira vez, deixou-se de pensar em cultura apenas como erudição, no sentido dos grandes clássicos literários, dos grandes pintores. O governo indicou que o Brasil deveria se apropriar do que já existia, daquilo que o povo faz.

A cultura não é apenas o que o povo consome, é também o que o povo produz. Os pontos de cultura são isso, eles apoiam o que já existia.

O Teatro do Oprimido também foi beneficiado, não?

Sim, e o Gil disse até que servimos de inspiração para os pontos de cultura. Mas também trabalhamos com outros Ministérios, como Educação e Saúde.

Fizemos um trabalho em escolas de cinco cidades, nas proximidades do Rio, e vimos o poder de transformação que o teatro exerceu sobre os alunos.

Nos dê um exemplo dessa transformação proporcionada pelo teatro.

No caso dos hospitais psiquiátricos, há uma diminuição absurda no consumo de medicamentos. Trabalhamos com a saúde e não com a doença mental.

Procuramos ativar a parte saudável do cérebro doente, estimulá-lo no que tem de vivo e criativo. Com isso, o teatro é capaz de devolver ao convívio social alguém que tinha se isolado. Nas comunidades carentes acontece o mesmo.

Os programas populares da televisão são um massacre, impedem que as pessoas percebam o que está dentro delas. Elas apenas consomem o que lhes é imposto. O Teatro do Oprimido procura ajudá-las a encontrar seus próprios meios de expressão.

Que episódios, nessas andanças, mostraram ao senhor o sentido do seu trabalho?

Vários. Me lembro de um presídio, no interior de São Paulo, que funcionava como um leprosário. A população da cidade queria o isolamento total daqueles presos.

Resolvemos fazer uma peça de teatro, com os presos, no meio de uma praça pública, e um morador era chamado para entrar em cena. Isso amenizou aquela relação conflituosa e violenta.

Também de lembro de um preso, que era engraçado, e, numa cena, fez uma menina de 10 anos rir. A menina foi elogiá-lo. Ele se vira pra mim e diz: “É a primeira vez na minha vida que alguém me diz que eu sirvo para a alguma coisa”.

O senhor receberá, na França, uma homenagem da Unesco. Aqui no Brasil o senhor se considera reconhecido?

Sou reconhecido no meu trabalho, mas pela mídia, não. A imprensa só se interessaria pelo nosso grupo se formássemos três bailarinos que fossem dançar no Bolshoi.

A mídia gosta de campeões. Campeão de Fórmula 1, filme campeão de bilheteria, qualquer coisa que chegue na frente, que represente a vitória. Mas o ser humano não é cavalo de corrida.

Nos anos 1950, o senhor fez parte do Teatro de Arena, que teve grande projeção e, ao seguir o caminho do Teatro do Oprimido, mudou o rumo da sua carreira. Foi consciente essa escolha?

Totalmente. A escolha individualista nunca esteve no meu horizonte.

Quando era pequeno e trabalhava na padaria do meu pai, eu via aqueles operários que passavam o dia com um pão com manteiga e uma média e pensava: “Isso não pode continuar assim”. Eu acredito na solidariedade.

Estou com 78 anos. Isso é muito tempo. Foi outro dia que nasci e não deu tempo de fazer nem metade do que eu queria.

Mas, mesmo com todas as dificuldades, o Teatro do Oprimido me realizou.

Cidadão não é aquele que vive em sociedade, cidadão é aquele que transforma. E acredito que o Teatro do Oprimido tenha deixado alguma coisa para o mundo.


1.5.09

a zéfiro, vento brando que partia

***
inadvertido vento que zunia
num clamor de tarde agaroada
anunciou breve ventania
leve presságio entre os mortais
e ninguém entendia nada

rabiscos no asfalto se via
folhas em voo arrebatado
o peso de redemoinhos se fazia
essa leveza, zéfiro sentia
e ninguém entendia nada

cateter não drena ausências
coração em choque renasce a vida?
pulso que pulsa de repente batia
por quem zéfiro ventania?
e ninguém entendia nada

por que tão breve passeio
de zéfiro neste mundo refrão?
uma resposta que houvesse
cata-vento os sussurros do oeste
será que existe explicação!?

brisa de asas plenas se sabia
como a força persuasiva do tempo
— zéfiro voltaria um dia —
como um moleque de pé-de-vento
cantar biruta nas ondas das meninas

de mistério em mistério nasce profecia
de vento se alumia o verbo
no céu das bocas roseas zéfiro luzia
e partiu florindo jacintos e saudades
ele, em rodopios, um dia voltaria

e assim zéfiro ventania
depois
de embaraçar os cabelos de quem aqui ficava

***

   (para jerson guimarães :: a quem chamávamos carinhosamente zé :: que entre jacintos e saudades nos deixou)
                                                   
***