24.12.09

me rendo à caretice :: é impossível resistir :: Feliz Natal e um 2010 sem tempo desperdiçado!!! nunca mais...

*
O tempo

mário quintana
só podia ser ele pra escrever com tanta sabedoria e simplicidade

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.
***

23.12.09

nas férias :: leio Clarice

*
"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil".

de Clarice Lispector,
onde?
descubra,
leia toda a sua bibliografia

e se encontre no recôndito do desencontrar-se.

***

22.12.09

Bilhete :: Mário Quintana

*
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

*

20.12.09

ultimamente :: Leila Pinheiro

*


***

Samba da Pergunta
Pingarrilho e Vasconcellos


Ela agora mora só no pensamento
Ou então no firmamento
Em tudo que no céu viaja

Pode ser um astronauta
Ou ainda um passarinho
Ou virou um pé de vento

Pipa de papel de seda
Ou, quem sabe
Um balãozinho

Pode estar num asteróide
Pode ser a Estrela Dalva
Que daqui se olha

Pode estar morando em Marte
Nunca mais se soube dela
Desapareceu..

***


9.12.09

*


É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

(Cecília Meireles)


22.11.09

Enquete no site do Senado sobre a homofobia

*
:: crime homofóbico ou castigo para os homossexuais? ::

No site do Senado Federal está acontecendo uma enquete para saber se os brasileiros estão a favor da aprovação do projeto de lei que pune os crimes praticados contra os homossexuais. O que me admira é que, em pleno século XXI, a não criminalização da homofobia, neste momento, está na frente. Para que o avanço social seja realmente significativo e verdadeiro, é necessário a igualdade de direitos entre todas as pessoas, independente de suas escolhas sexuais, suas origens étnicas ou credos religiosos. Precisamos que vença o SIM para a condenação dos crimes homofóbicos, pois a vida de todos possuem o mesmo valor humano.

Vamos votar! É muito fácil, veja:




É preciso mostrar, aos fundamentalistas religiosos e seres bitolados de preconceitos, que o valor da vida humana é uma lei divina e por isso irrevogável.

20.11.09

Opiniões :: de Juan Gelman

*
Um homem desejava violentamente uma mulher
A algumas pessoas não lhes parecia bem
Um homem desejava loucamente voar
A algumas pessoas lhes parecia mal
Um homem desejava ardentemente a Revolução
E contra a opinião da gendarmaria
Subiu pelos muros secos do devido
Abriu o peito e retirando os arredores de seu coração
Agitava violentamente uma mulher
Voava loucamente pelo teto do mundo
E os povoados ardiam, as bandeiras

***

(tradução livre :: patrícia mc quade)

***

19.11.09

Tenho medo :: de Pablo Neruda

*
Tenho medo. A tarde é cinza e a tristeza
do céu se abre como uma boca de morto.
Tem meu coração um pranto de princesa
esquecida no fundo de um palácio deserto.

Tenho medo – e me sinto tão cansado e pequeno
que refloresço a tarde sem meditar nela.
(Em minha cabeça doente não cabe um sonho
assim como no céu não cabe uma estrela.)

Entretanto em meus olhos uma pergunta existe
e há um grito em minha boca que minha boca não grita.
Não há ouvido na terra que ouça minha queixa triste
abandonada no meio da terra infinita!

Morre o universo de uma calma agonia
sem a festa do Sol ou o crepúsculo verde.
Agoniza Saturno como uma pena minha,
a Terra é uma fruta negra que o céu morde.

E pela vastidão do vazio se vão cegas
as nuvens da tarde, como barcas perdidas
que escondem estrelas quebradas em suas bodegas.

E a morte do mundo cai sobre minha vida.

***

(tradução livre :: patrícia mc quade)

***


2.11.09

e assim falava Zaratustra!


*

"Eu lhes digo: é necessário possuir um caos dentro de si para dar à luz uma estrela brilhante".



NIETZSCHE, Freidrich. Assim Falava Zaratustra. SP: Hemus, nd, p. 13.

25.10.09

requiem aeternam dona eis*

*

La Esperanza
aunque Muerta
reVive


***


* Primeiro verso em latim da Missa que celebra funeral. Trad: "Dá-lhe o repouso eterno". O termo "réquiem" tem sido ocasionalmente associado a composições musicais em honra aos mortos. Especialmente ando escutando o Réquiem famoso composto por Mozart. Dá uma paz danada! Ressuscita até a Esperança, resgatando-a de Thánatos para tornar-se em muito mais vita**.

** Thánatos: deus grego da morte;
Vita: do latim "vida";
O prefixo re- em espanhol funciona como um advérbio de intensidade "muito" (relindo, relegal o, como en el poema, reVive)
.

***

19.10.09

o Amor a reinventar!

*



fragmento do poema em prosa “Délires I” de Arthur Rimbaud
ouvido durante a peça Os sertões, grupo Oficina.



13.10.09

*

*
escrevo porque eu preciso escrever.
se preciso fosse para outro fim,
minha mão repousaria em um absoluto ato de subversão
e se calaria, morosa, preguiçosa, fazendo fita,
como quem não sabe balbuciar estas mal traçadas linhas.

*

11.10.09

Mercedes Sosa :: La cigarra de Latinoamérica

*
É difícil pensar em uma voz que consiga, de fato, unir toda a América Latina — todas as vozes e todas as mãos unidas por um só propósito: a liberdade — sem pensar de imediato na cantora Mercedes Sosa. Antes de pontuar que ela foi escolhida como a voz mais bela da Argentina, temos que considerar seu enorme papel social que nunca se distanciou de uma responsabilidade para com os povos oprimidos, silenciados, seja por questões políticas, econômicas ou sócio-culturais. Assumiu lindamente seu papel de porta-voz toante das angústias e desejos dessas pessoas. Ela nem se importou de ser rotulada como cantora folclórica dos Andes, pois sabia que cantava uma canção de fato universal, onde o ser humano e sua diversidade eram os elementos fundamentais das canções que escolhia em seu repertório.

Sua voz profunda (que repousa na dúvida de uma hipotética e pobre opinião de alguns de que ela seja apenas uma cantora dos Andes) é, em sua essência, humana e alcança a raiz de nossas heranças culturais. Expressa o poder dos desejos que habita em cada um de forma possante e dolorosa, sem o peso do negativismo ou do rancor.

Mercedes Sosa representa para os povos sul-americanos — de tantos ritmos musicais, de tantas distâncias geográficas, de tantas intolerâncias étnicas, entre as diferenças históricas e diálogos políticos — o sonho que temos em comum pela liberdade e pela solução de nossas disparidades sociais. Esse sonho vislumbra tanto o homem comum que trabalha o campo, como o homem que é moído pelo engenho das indústrias nas grandes cidades. Ambos, estoy segura, querem cantar a paisagem de se estar vivo, o amor pela vida, a terra sagrada, da qual deveriam obter o pão de cada dia, enfim, as pequenas alegrias que deveriam ser garantidas no cotidiano de todas as pessoas.

Simplesmente, ela se definiu como uma cantora popular. Alguém que queria refletir em seu canto tudo o que os poetas e músicos latino-americanos sonhavam em dizer em suas poesias e canções. E cantou: poetas de toda América e interpretou composições de vários músicos. Partiu em viagem para conhecer todos os Cantos desse imenso continente, e se maravilhou em cada descoberta. Encontrava-se e perdia-se ao mesmo tempo no meio de tantas vozes distintas e semelhantes à sua e à de seu país, como relatou em uma entrevista de 1980 a um repórter italiano, pouco antes de seu recital em Lugano na Suíça.

Sempre repetia com a nobreza de seu caráter artístico: “Soy simple, pero no humilde. Cuando canto sólo puedo dar lo mejor de mí.” Dizia isso, pois ao se deparar com uma multidão que a esperava para um show ou recital, ela, como artista desse povo, só poderia fazer o melhor de si mesma. Ao pôr emoção em sua voz e em seu canto, vencia o medo do fracasso de si mesma e sempre superava as expectativas de seu público, pois era para eles que ela ali estava.

Essa é, para mim, a característica mais especial de Mercedes Sosa. E por isso eu a admiro tanto. Ela não via os artistas como “seres escolhidos dos deuses”, tampouco como “antenas parabólicas” que captam todos os câmbios sócio-políticos pelos quais atravessa a humanidade. Não atribui ao artista o título de um “ser extraordinário”, ainda que o poeta, para ela, seja um “profeta”, ele deve estar sempre a serviço de seu povo e aprender com ele. No seu caso, uma artista popular, a arte demanda estudo de história, literatura, política e, principalmente, sensibilidade para perceber nas pessoas pelas quais canta, quais são seus temores, suas dores, suas faltas, suas alegrias, seus amores. Para isso deve ser e estar acessível a elas, saber ouvir e conversar com algumas delas:

“El artista es un hombre que vive en este mundo sufriendo las mismas cosas que sufren todos. De ninguna manera puede olvidarse de que hay gente que le cuesta mucho vivir”.

Nos anos 60 fundou com artistas e intelectuais de toda a América Latina o Movimento “Nova Canção”. Fez questão de incluir o Brasil como um “país hermano” e convidou muitas pessoas daqui. O objetivo era promover a canção popular desses lugares, solidificar suas identidades culturais e lutar, a partir do ponto de vista artístico, para a valorização de suas próprias canções. Tarefa difícil a que empreendeu até seu último show aqui em Belo Horizonte este ano. Para Mercedes a canção popular é uma canção solidária aos problemas dos homens e de um amor profundo que se nega ao título de música ou poesia de protesto. Simplesmente político. Esta canção representa, para a cantora, os povos e por isso não pode ser de nenhuma maneira subjugada, pois é amada. Não pode ser proibida, pois é livre. Como todas as vozes de todos os povos devem ser livres e suas culturas respeitadas.

“La canción representa mi gente, entonces esta canción, de ninguna manera, puede ser sometida. Y si sin embargo es amada, y si en un caso es prohibida, nada que está prohibido y que ha entrado en el corazón del pueblo puede ser olvidado jamás.”

Mercedes Sosa (nasceu em San Miguel de Tucumán, 9 de julho de 1935; e morreu em Buenos Aires, 4 de outubro de 2009) foi uma cantora argentina de grande apelo popular na América Latina.Carinhosamente chamada “La Negra”, é também mulher, indígena, argentina, latino-americana e, longe de elogios vazios, é universal.

La cancionera de la libertad!


6.10.09

"La Negra" deixa saudades! :: Mercedes Sosa :: (* 09/07/1935 :: + 04/10/2009)

*
nos confortamos com a sua voz que nos acompanhará por todo o caminho que cabe a cada um de nós ainda seguir.



(poema :: Maria Elena Walsh)
recital en Lugano, Suiza/1980




“Soy simple, pero no humilde. Cuando canto sólo puedo dar lo mejor de mí.”(Mercedes Sosa/1980)



“El artista es un hombre que vive en este mundo sufriendo las mismas cosas que sufren todos. De ninguna manera puede olvidarse de que hay gente que le cuesta mucho vivir”. (Mercedes Sosa/1980)




"Los hombres son dioses muertos / de un templo ya derrumbado / ni sus sueños se salvaron / sòlo una sombra que va."
(Composición :: Atahualpa Yupanqui)



"Soy una cancionera popular!" (Mercedes Sosa/1980)



!gracias a la vida por el regalo divino de la voz de Mercedes Sosa!


(música :: Violeta Parra)


(poema :: Dante Ramon Ledesma)

(canción de Mercedes Sosa:: indígena legítima de la etnía Toba :: dedicada a todos los indígenas, verdaderos dueños de esta tierra)

"Tantas veces te mataron, / tantas resucitarás / cuantas noches pasarás / desesperando. / Y a la hora del naufragio / y la de la oscuridad / alguien te rescatará / para ir cantando. (poema :: Maria Elena Walsh)

Mercedes,
has cumplido tu ruta aquí en la tierra.
qué te vayas en paz ahora por la ruta de las estrellas.
!muchas gracias!
suja de piche

*
“La canción representa mi gente, entonces esta canción de ninguna manera puede ser sometida. Y si sin embargo es amada, y si en un caso es prohibida, nada que está prohibido y que ha entrado en el corazón del pueblo puede ser olvidado jamás.” (Mercedes Sosa/1980)

***

27.9.09

estado de primavera


terra-cova
entre semeia
faz-se ventre

dormideira
nasce e ventre
faz-se berço

cigarra canta
flor chove ipê
e girassol

arco-iris
faz-se ninho
passarinho

rosa clara
santa mirra
um jasmim

dama da noite
sementeira
colo-ri só

26.9.09

um poema de juan gelman


mundo

da rosa que amo/como cuidarei?/
não lhe faço mal?/
não a estrago?/
não lhe corto os pés?/

e este acabar?/este estar
como não estar?/e como ir-se
de ti/rosa?/
ajuntar a dor ao já sido?/

não entristecer-te a bondade/
que no mais dos dias se queima?/
e nada?/e tudo?/e mesmo nunca?/
e que não chores?/


***

mundo

la rosa que amo/¿cómo la cuido yo?/
¿no le hago mal?/
¿no la ajo?/
¿no le corto los pies?/

¿y este acabar?/¿este estar
como no estar?/¿y cómo irse
de vos/rosa?/
¿ayuntar el dolor a lo ya sido?/

¿no entristecerte la bondad/
que los más días se te quema?/
¿y nada?/¿y todo?/¿y ya jamás?/
¿y que no llores?/

***
bibliografia readquirida e relida:
GELMAN Juan. Isso. Editora: UnB, 2004.
Tradução: Leonardo Gonçalves e Andityas Soares de Moura


***

Juan Gelman possui uma linguagem simples, solidária e intensa em seus versos. Viveu um tempo de injustiças extremas e o peso da morte na ditadura militar da Argentina. Conseguiu sublimar o ódio, a dor e a solidão do exílio através da poesia. Sinto pulsar em seus versos a busca das pessoas queridas e companheiros de ideologia que a ditadura lhe roubou e que a anistia não foi capaz de lhe devolver. Hoje continua a publicar seus livros e escrever em seu blog artigos que denunciam a mesma forma de poder que faz calar as vozes de povos que ainda vivem em situação de sujeição imposta pela força e autoridade exacerbada da tirania em pleno séc. XXI. Juan Gelman acaba por assumir o papel de porta-voz dessa gente. O golpe militar em Honduras e a Guerra na Palestina são alguns de seus temas nos artigos. Eu pessoalmente acompanho seus posts e sugiro a leitura periódica de seu blog, assim como a leitura de seus livros. Fica aqui a minha dica:
*
***
*

um tal senhor Laércio



Pediu licença e sentou-se entre a janela do ônibus e um senhor de olhar triste. Abriu um pacote de batata frita e, antes de servir-se da primeira e obedecendo a um impulso que não lhe era natural, ofereceu o que seria seu almoço do dia ao senhor. Ele agradeceu com um gesto de negação, dizendo que já havia cometido o seu primeiro pecado do dia antes de sair de casa no almoço: a gula. Que o próximo fosse uma variação de outro pecado capital. Sorriu a moça do senso de humor daquele senhor e seu sorriso abriu espaço para aprofundar uma conversa que duraria todo o trajeto do ônibus até o centro da cidade, onde se despediriam para provavelmente nunca mais se verem.

Era o fim de uma manhã cinzenta, as primeiras chuvas da primavera entristeciam aquele dia e parecia que a alegria de uma prosa agradável só acontecia naquele espaço do ônibus. Os transeuntes e motoristas da cidade pareciam taciturnos, nublados como o tempo.

Ele continuou o diálogo dando conselhos sobre uma alimentação saudável, dizendo que a saúde era uma só e que devia-se cuidar muito bem dela. Ela ouvia os conselhos com o respeito que sempre dedicava aos mais velhos, de forma benevolente, sem retrucar.

Contou ele sobre o destino de sua viagem naquele ônibus: tratamento de uma osteoporose que danava o seu joelho já cansado de carregar o peso de seu velho corpo. “Você já ouviu falar de um centro de massagem que cura vários problemas de dores físicas com um colchão que veio da Coréia do Sul?” — a moça movimentou a cabeça para dizer um não. “Pois bem, deixe-me contar a você do que se trata.” continuou o senhor de forma contundente em estender a conversa. “Esse colchão possui em seu interior pedras de jade que dizem ter o poder de curar os vários problemas orgânicos que herdamos da vida sedentária nas grandes cidades.” — E contou com os dedos: “cálculo renal, úlceras gastrintestinais, desvios na coluna, males do fígado, enxaquecas e dizem que até câncer. Eu tenho muita fé no tratamento, pois sou a prova física e viva do poder de cura dessas pedras. Antes eu não conseguia movimentar o meu joelho e o peso do meu corpo era o próprio peso do cansaço da vida que ele já não suportava. Hoje posso dizer que escalaria o monte Everest sem nenhum problema.” — a moça seguia ouvindo em silêncio já esquecida do livro Cem anos de solidão que trazia na bolsa para a leitura na viagem.

Depois de terminar a batata e guardar a embalagem vazia na bolsa, o senhor retirou uma garrafa de água de uma sacola e ofereceu à moça. Ela primeiro fez um gesto de que não precisava e ele: “Não seja orgulhosa, depois dessa batata tenho certeza que sente sede!” — e era verdade, sentia a secura do sal na boca; acabou por aceitar a gentileza. Tomou alguns goles sedentos e devolveu a garrafa ao senhor. Ele tornou a abri-la e bebeu outros goles dizendo que era a melhor água que já havia tomado na vida.

A conversa se estendeu sem preocupações sobre o que estava sendo dito ou sugerido. E tudo o que a moça falava sobre acontecimentos políticos do Brasil e do mundo o velhote tinha argumentações fundamentadas em sua experiência de vida: a influenza: "a maior doença da humaninda é o próprio ser humano"; o golpe de militar em Honduras: "o ser humano não aprende com os próprios erros, para que serve a história se não para isso?"; a guerra na faixa de Gaza: "o pior fascista é o judeu!"; as eleições para presidente no próximo ano e o governo Lula: "eu vibrei com a vitória de Lula e votaria nele de novo se ele fosse reeleito, não consigo pensar em um candidato digno para substitui-lo no Brasil"; o caso Gilmar Dantas: "vergonha de uma política que se diz transparente"; o presidente Obama eleito nos EUA: "lobo em pele de cordeiro"; o aquecimento global e o desenvolvimento sustentável: "até quando o ser humano lutará contra a natureza? o capitalismo é selvageria e não progresso!". Os assuntos se desenrolavam tão naturalmente que os dois nem se deram conta do trânsito na avenida Amazonas, tampouco do dobro de tempo que ganharam nesta viagem. A moça só olharia o relógio e se espantaria com as horas quando se visse novamente só e atrasada para o trabalho.

Quando se esgotou esses assuntos gerais, ele voltou à cama de pedras de jade. Disse que esse colchão mágico lhe havia trazido de volta o apetite sexual e era uma pena sua esposa, que vivia contando rezas nas contas de um rosário, não gostasse da ‘coisa’. Relatou desejos íntimos e falou que tudo funcionava aqui: apontou para o centro da testa, em um ponto entre os olhos. “Fantasia!” — falou entusiasmado, “é aqui que eu encontro o meu sexo. Desse jeito tenho todas as mulheres que desejo.”

Nessa hora a moça sentiu seu rosto corar, mas fingiu não entender o que ali estava sendo revelado. Ele então proceguiu: "Quando você entrou no ônibus eu firmei em mim pedindo para que escolhesse sentar ao meu lado. Veja só, o ônibus está vazio e você veio atender ao meu pedido. Tudo o que desejar peça com convicção."

Depois de uma hora e meia de conversa veio um breve silencio e, enfim, o destino dela. Falou que desceria no próximo ponto. Estendeu a mão direita em direção a ele para despedir-se quando esta foi acolhida também com a mão esquerda do homem pousada sobre a sua num gesto de guardá-la para si. Sentiram ambos um calor inexplicável naquele dia cinzento que soprava levemente uma friagem de fim de inverno. Ele disse com olhos em lampejos umedecidos mesmo sem ser indagado:

“Meu nome é Laércio, mas não me diga o seu. Para mim, você é Formosa!” — e continuou: “Meu maior inimigo é o tempo. Quisera eu ter nascido pelo menos quarenta anos depois de 1925, assim eu pediria seu telefone e encontraria você para conversar novamente. Depois eu a convidaria para fazer amor comigo em uma cama com colchão de pedras de jade! Tenho certeza que as suas e as minhas dores seriam curadas... Vai em paz menina, que os anjos guardem a beleza que você é por dentro e por fora.”

Ela, completamente cor-de-rosa, agradeceu a gentileza e se despediu apenas com mais um sorriso em resignação. Já na calçada, guardou em seu bolso um cartão com o endereço da casa de massagem que o senhor Laércio lhe entregou antes de sua descida do ônibus e deu um aceno de derradeira despedida. Foi quando uma rajada de vento embaraçou seus cabelos tampando-lhe o rosto. E essa foi a última imagem que ele guardou dela.

gravura de Kadu Veríssimo

***

obs: A cama com colchão de pedras de jade é na verdade uma cama de massagem baseada em uma técnica coreana conhecida como CERAGEM. Em Beagá o endereço para as sessões é rua: Guajajaras, 460 A - Centro (atendimento por ordem de chegada: das 7:30h às 17h - não precisa marcar horário) . As massagens são gratuitas e o paciente deve levar seu próprio lençol e virol para permanecer 40 minutos em uma das camas que, por si só, fazem o tratamento por meio de um equipamento eletrônico que massageia as costas. São indicadas até 120 sessões para alcançar os benefícios físicos ao paciente.

Tudo isso foi um passarinho quem me contou! ;)

***

19.9.09

dois momentos :: vitor santana & mariana nunes



um pouquinho de música mineira. o cd de vitor santana chama-se "Abrapalavra" e foi gravado em parceria com a intérprete mariana nunes. em especial, escuto essa música que desperta em mim um desejo de presente e futuro inexplicáveis, seguidos de uma nostalgia de um passado que aos poucos e esforço se sublima.


***

"o amor é uma festa dos sentidos:
causa espectativa na pele,
alegria no encontro dos olhos,
ouve-se a sonata de uma dança perfeita,
calam-se as palavras na despedida.
no dia seguinte se enfrenta
a rebordose de crises depois do pileque.
no final você se vê novamente
— só —
do amor se sublima a ressaca
para a festa ser eterna."

suja de piche

***

O cavaleiro inexistente :: de Ítalo Calvino


"— Nós nem sabíamos que estávamos no mundo...
também a existir se aprende..."
(Bradamante :: persongem feminina do livro)


Esse livro de Ítalo Calvino conta as aventuras e desventuras de um cavaleiro de Carlos Magno que de tão perfeito e nobre, não existe. Ou não, existe por uma vontade que ultrapassa o estado físico da matéria, aquilo que compõe os corpos de todos nós, podres mortais. Uns dizem que a obra é um romance, outros que é uma fábula, mas isso pouco importa, o interessante é se deliciar com toda a trama de uma história fantástica que nos surpreende ao final do livro com as revelações que são feitas aos leitores.

Nesta obra o romance de cavalaria é contado às avessas, assim como Don Quijote de La Mancha. Ítalo Calvino nos faz rir, sonhar, nos deixa intrigados com acontecimentos e nos provoca emoções em cada capítulo do livro, principalmente depois da metade da leitura. Sua habilidade de construir um enredo que foge a toda e qualquer forma convencional, onde consegue transformar tudo em alegoria de uma forma interessante e humorística, nos faz rir de situações consideradas sérias: a burocracia do Estado, as relações de poder, as relações de amizade, o respeito absoluto por um soberano, as mazelas do amor e a magia de se sentir e estar de fato vivo nesse afã humano demasiadamente humano que nos condiciona sensações de fome, frio e dores, seja por ferimentos físicos ou por amor.

O protagonista é Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, o cavaleiro inexistente da corte de Carlos Magno. Ele serve com fé a causa da Cristandade de forma cega e rígida, cumpre todas as regras burocráticas do regimento à risca, é um cavaleiro muito competente nas batalhas, sua armadura alva e pura está sempre impecável, é um exemplo de cavaleiro levado à potência do absolutamente correto. Ao mesmo tempo ele sente pelos homens uma mistura de ressentimento, admiração e desdém por sua condição de seres humanos contraditórios, ineficientes e imperfeitos em matéria e espírito. Ao redor dele circulam vários personagens que os considero também protagonistas: Rambaldo, um jovem soldado que quer vingar a morte de seu pai e sonha em ser cavaleiro; Bradamante, uma mulher guerreira, a única amazonas do exército de Carlos Magno; Torrismundo, um rapaz que não vê sentido real naquele regimento militar e parte em busca de sua história que está vinculada aos cavaleiros do Santo Graal; e Gurdulu, o ser mais interessante de todo o livro, um mendigo que por ironia do destino se torna o escudeiro de Agilulfo, um ser inocente que está aberto a todos os estímulos positivos que encontra pelo caminho, às vezes se comporta como homem, outras como animal e até se confunde e pensa com um ser inanimado, um simples componente da paisagem.

A trama parte da questão que se coloca em um banquete sobre a autenticidade do título de Cavaleiro concedida a Agilulfo, o cavaleiro inexistente, e também de sua nobre reputação. Ítalo Calvino nos proporciona um mergulho nos tempos heróicos da cavalaria medieval, de forma burlesca e ao mesmo tempo crítica. Utiliza como narrador uma freira confinada no convento, cuja penitência é justamente escrever a história desse cavaleiro 'sui generis'. É ela, a freira, quem nos leva a um desfecho da narrativa surpreendente.
*
***

A partir desse livro estou conseguindo trabalhar com meus alunos de 12 e 13 anos da Escola da Serra todos os elementos de uma narrativa: construção dos personagens, o papel do narrador, o espaço e o tempo ficcional, a trama e o clímax da história, linguagem da narração e metalinguagem, além de levá-los a uma leitura mais subjetiva estabelecendo um diálogo entre literatura e vida.

Vale a pena ler essa obra assim como os outros títulos da trilogia: O visconde partido ao meio e O barão das árvores.






bibliografia:
CALVINO,Ítalo. O cavaleiro inexistente. Companhia das Letras: São Paulo, 2004.

15.9.09

uma descoberta :: aline hrasko

*



"Tom Jobim é marcado pela simplicidade na voz então não me acanho em cantar suas músicas do meu jeito simples. Não é uma Gal Costa, nem uma Nara Leão, mas sou eu, tentando chegar lá. =) Por todo o meu apreço e a minha admiração pelo Maestro."
(aline hrasko :: 09/04/2007)





"Mais uma de Tom Jobim, dessa vez com Vinícius de Moraes. Uma parceria que resultou em músicas excepcionais como 'Eu não existo sem você', que é uma de minhas favoritas. A gravação ficou humilde como deve ser, eu penso. =)"

(aline hrasko :: 25/04/2007)

***

entre a angústia de uma escrita e outra, eu geralmente fuço em sites de poesia ou acesso a alguns videos no youtube. só para clarear as ideias e sentir que a vida ainda continua boa de se viver. poesia e música são alimentos de espírito para mim. pois bem, nesses meus mexericos eu encontro essa menina cantora, aline hrasko - linda! fiquei admirada com sua voz, carisma e expressividade. a segunda música me tocou em especial.

e para ela, aline, uns versinhos de manuel bandeira,
meu poeta do coração:

"Definição:
Concha, mas de orelha:
Água, mas de lágima;
Ar com sentimento.
- Brisa, vibração
Da asa de uma abelha"

***

13.9.09

ensaio para um poema de amor

*
— adeus!
ouviu-se da alma desnudada
agora de dor de palavras

esta tarde
frente ao mar
gaivotas sobrevoam pensamentos

a indolência
de uma carícia perdida
fica como o único alento

no roseiral do jardim
uma quietude inquietante
litanias de uma terra morta

o inacabável,
mas não inabalável:
a paz surpreende

e sementes de uma queixa
sobre razões e paisagens de amor

guardo o retrato para mim
de García Lorca

você, que nunca será
essa doçura que nunca terá

um lápis rumina o papel:
— é de vidro e se quebrou
pedra falsa do meu anel.
*

12.9.09

Poeminha do contra :: Mário Quintana


Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!


***

o processo

*
Escrever sem o excesso de adjetivos. Transformá-los em substantivos e dizer uma qualidade sem o brilhantismo dela por ela mesma.

Não se valer de palavras modernas ou difíceis. Os modismos implicam em processo fácil de escrita e o erudito em bajulação à academia.
*
Ser eloquente sem ser sofista. Fazer da retórica uma ferramenta argumentativa de um discurso auténtico.

Dizer o frágil com a força que ele merece.

Retirar da ideia a mentira da ideia original. Recriar, repensar, refletir, eis o meu objetivo primordial.

Suavizar os paradoxos e evitar o hermetismo, o primeiro só vale para os apaixonados e o segundo para a garrafa térmica de café.

Escrever com simplicidade as frases excessivamente ricas.
*
Explicar o complexo através de uma linguagem simples, porém audaciosa.

O presente e o passado imperfeito são os únicos tempos que valem à pena.

Transformar as reflexões ingênuas em pensamentos maliciosos e vice-versa.

Evitar as analogias. Cada coisa é e não simboliza. Fazer do símbolo a própria coisa.

Dissimular os passos do processo doloroso da escrita. Fazer parecer fácil e fluida.

Só explorar as descobertas se for de forma nova, porém, sem o peso da originalidade.

Espalhar mais o meu jeito de pensar do que o jeito de pensar de outrem.

Cuidar para que as citações não sejam vulgares ou vulgarizadas, mas que estejam em diapasão com seu autor e com o meu pensamento – ainda que contradigam o último.
*
Saber usar o que me contradiz em favor daquilo que afirmo.

Procurar ser objetiva, teórica e prática, mesmo que isso seja a negação de mim mesma.
*
Não ser prepotente em querer esgotar o estudo sobre o objeto em questão. Contentar-me em ser apenas uma gota dos próximos estudos que jorrarão.
*
Esquecer por hora o lado ridículo de escrever um texto acadêmico, para conseguir chegar ao seu fim e enfim dele me livrar totalmente.
*

*

*
hoje acordei com uma moleza
de corpo e de alma,
dessas que só uma manhã de sábado
promete.

*

9.9.09

**

ascendo às estrelas
que estralam
na brasa do cigarro

**

Tempo que diz

eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

A desintegração da persistência da memória :: Salvador Dalí


De tempo somos.
Somos seus pés e suas bocas.
Os pés do tempo caminham em nossos pés.
À curta ou à longa, já se sabe, os ventos do tempo apagarão as pegadas.
Travessia do nada, passos de ninguém? As bocas do tempo contam a viagem.

***
bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004, p. 01.

***

Parábola :: Ademir Assunção




onde falam: falhas!
vejo folhas
onde falam: folhas!
ouço flautas
onde a voz falta
e o ar fala
ouça
o sábio sabe
quando cala


***
*
vc encontra mais sobre ele aqui
*
***
*

8.9.09

ah, Camões! por essa tu não esperavas!

**

O Vestibular da Universidade da Bahia cobrou dos candidatos a interpretação do seguinte trecho de poema de Camões:

'Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente,
é um contentamento descontente,
dor que desatina sem doer '.

Uma vestibulanda de 16 anos deu a sua interpretação:

'Ah, Camões!, se vivesses hoje em dia,
tomavas uns antipiréticos,
uns quantos analgésicos
e Prozac para a depressão.
Compravas um computador,
consultavas a Internet
e descobririas que essas dores que sentias,
esses calores que te abrasavam,
essas mudanças de humor repentinas,
esses desatinos sem nexo,
não eram feridas de amor,
mas somente falta de sexo !'

***

A Vestibulanda ganhou nota DEZ, pela originalidade, pela estruturação dos versos, das rimas insinuantes e também, foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era apenas falta de sexo.
*
***

6.9.09

esfinge subversiva

**
se me decifras
eu te devoro!
**

medo de amar

**

**
"amar: ir além de si mesmo, ultrapassar todos os limites.
e diante de tanta ousadia,
o medo assombra: muitas vezes esse ir, não tem volta."
*
suja de piche

**

5.9.09

"Terra Sonambula" :: um romance de Mia Couto

**

Estou finalizando o estudo do livro Terra Sonâmbula de Mia Couto com alunos do 3º ciclo da Escola da Serra (adolescentes de 13/14 anos). Este escritor moçambicano, já é bem conhecido aqui pelos lados de Belo Horizonte, pois diversas vezes recebemos sua visita na UFMG e muitas foram as palestras que ele nos presenteou para falar de literatura em língua portuguesa e de seu país Moçambique.

Terra Sonâmbula
tem como contexto histórico a guerra da independência do país que durou cerca de 16 anos. Com seu término em 1975 os moçambicanos herdam uma terra em estado de luto, deflorada pelas ganâncias do poder capitalista, voltada para o desafio de reconstruir sua nação e resgatar suas tradições em processo de esquecimento por causa do terror da guerra que desumaniza qualquer povo nestas circunstâncias.

Mia Couto cria um cenário que mescla sonho e realidade, o pesadelo da guerra é o personagem principal. A busca pelo resgate da humanidade perdida dentro da alma dos cidadãos moçambicanos é o que comove leitores e nos aproxima de sua história. Faz parte da estética literária de Mia Couto, nesta e em outras de suas obras, a recriação de uma dimensão mágica e mítica das tradições africanas – que são tantas quantas não se pode contar – em busca de uma identidade que unisse as diversas etnias nessa terra existentes e que passaram a fazer parte dos limites de fronteiras impostos pelos colonizadores. Seus personagens, todos vagueiam por uma terra destruída pelo colonialismo brutal e pela luta de sobrevivência, compartilham o desespero mais pungente e uma esperança pela paz que se não se entrega à morte.

Sua linguagem é trabalhada a partir da oralidade das línguas africanas desse país reunidas em vocábulos e expressões próprias desses povos como recurso estilístico de criação de uma língua portuguesa moçambicana, que seja legítima a eles e por eles apropriada. Subverte as regras da gramática portuguesa e re-inventa um língua que a aproxima das identidades dos povos que ali vivem. A partir desse jogo lingüístico enriquece o português e o consagra como uma língua incorporada ao povo moçambicano. De muitos idiomas Terra Sonâmbula é constituída. Em uma entrevista o escritor afirma: “O encontro entre a oralidade e a escrita é uma das pontes que nos faltam para encontrar neste mundo o nosso mundo”.

E o resultado é poesia! Mia Couto canta as vozes dos silenciados pela guerra e massacre, pela fome e desnutrição, pelo abandono e exploração. Essas vozes trazem as histórias míticas da formação de povos, trazem a alma das tradições africanas que foram por milênios, solapadas, estupradas, deturpadas e amordaçadas.

Sem dúvida, Terra Sonâmbula é um romance que nos aproxima — nós, brasileiros — da realidade moçambicana, ainda que sejamos diferentes em contextos históricos, compartilhamos de uma irmandade mística mais negra que branca, uma irmandade de identidade mestiça, por isso universal.
*
***
bibliografia:
COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
*
***

fragmento de "Terra Sonâmbula" de Mia Couto

**
"O adivinho olhou a terra como se dele dependesse o destino do universo. pesava nos seus olhos a gravíssima decisão de criar um outro dia.
É aqui mesmo!, disse.
(...)
Que morram as estradas, se apaguem os caminhos e desabem as pontes!
Depois começou o discurso, desfiando palavras lentas, rasgando a voz de encontro ao vento:
Chorais pelos dias de hoje? Pois saibam que os dias que virão serão piores. Foi por isso que fizeram esta guerra, para envenenar o ventre do tempo, para que o presente parisse monstros no lugar da esperança. Não mais procureis vossos familiares que saíram para outras terras em busca de paz. Mesmo que os reencontreis, eles não vos reconhecerão. Vós vos convertêsteis em bichos, sem família, sem nação. Porque esta guerra não foi feita para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós. Agora, a arma é vossa única alma. Roubaram-vos tanto que nem sequer os sonhos são vossos, nada de vossa terra vos pertence, e até o céu e o mar serão propriedade de estranhos. Será mil vezes pior que o passado, pois não vereis o rosto dos novos donos e esses patrões se servirão de vossos irmãos para vos dar castigo. Ao invés de combaterem os inimigos, os melhores guerreiros afiarão as lanças nos ventres das suas próprias mulheres. E aqueles que vos deveriam comandar estarão entretidos a regatear migalhas no banquete da vossa própria destruição. E até os miseráveis serão donos do vosso medo pois vivereis no reino da brutalidade. Terão que esperar que os assassinos sejam mortos por suas próprias mãos pois em todos haverá medo da justiça. A terra se revolverá e os enterrados assomarão à superfície para virem buscar as orelhas que lhes foram decepadas. Outros procurarão seus narizes no vômito das hienas e escavarão nas lixeiras para resgatarem seus antigos órgãos. E há-de vir um vento que arrastará os astros pelos céus e a noite se tornará pequena para tantas luzes explodindo sobre as vossas cabeças. As areias se voltearão em remoinhos furiosos pelos ares e os pássaros tombarão extenuados e ocorrerão desastres que não têm nome, as machambas serão convertidas em cemitério e das plantas, secas e mirradas, brotarão apenas pedras de sal. As mulheres mastigarão areia e serão tantas e tão esfaimadas que um buraco imenso tornará a terra oca e desventrada. No final, porém, restará uma manhã com esta, cheia de luz nova e se escutará uma voz longínqua como se fosse uma memória de antes de sermos gente. E surgirão os doces acordes de uma canção, o terno embalo da minha primeira mãe. Esse canto, sim, será nosso, a lembrança de uma raiz profunda que não foram capazes de nos arrancar. Essa voz nos dará a força de um novo princípio e, ao escutá-la, os cadáveres sossegarão nas covas e os sobreviventes abraçarão a vida com o ingênuo entusiasmo dos namorados. Tudo isso se fará se formos capazes de nos despirmos deste tempo que nos fez animais. Aceitemos morrer como gente que já não somos. Deixai que morra o animal em que esta guerra nos converteu".
***
bibliografia:
COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 241-243.
***

4.9.09

uma prece

**
não desabe de mim o voo de amar
de me ver de te ver
de pairar de sentir

seja vital o sopro do vento
que embaraça pensamentos
seja perene a resistência do ar
que provoca movimentos
as penas firmes o corpo livre
olhar em riste
elevar-se
em si confiar

o amar
que seja intenso
o voar
que seja breve
o revés
que seja eterno

uma prece esvoaça as penas
antes de sonhar as alturas

por amor
não fira minhas asas
não fira as tuas asas
não firamos ninguém


**

1.9.09

Mãos dadas

**
Carlos Drummond de Andrade


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria,
o tempo presente,
os homens presentes,
a vida presente.

**

30.8.09

tequila

**

meu dia mais feliz da vida
foi aquele que eu esqueci.

**

23.8.09

Índice de mortalidade infantil

**
eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

Quando Manuel tinha um ano e meio, quis saber por que não conseguia agarrar a água com a mão. Aos cinco anos, quis saber por que as pessoas morrem.

— E morrer, o que é?

— Minha avó morreu porque estava velhinha? E por que morre um neném mais novo que eu, um que eu vi ontem na tv?

— Os doentes morrem? E por que morrem os que não estão doentes?

— Os mortos morrem por um instante ou morrem de vez?

Pelo menos, Manuel tinha resposta para uma pergunta que mais o mortificava:

— Meu irmão Felipe não vai morrer nunca, porque ele sempre quer brincar.

***

bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004, p. 49.


***

20.8.09

él

**


es tuyo
más que mío
**
agárralo
apréndelo
trágalo
**
él
**
es tuyo
más que mío
**
te toca a ti
**

11.8.09

blog :: AQUECIMENTO GLOBAL

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trabalho em uma escola que tem um perfil pedagógico diferenciado. lá os alunos são incentivados a construírem seu próprio conhecimento. nós, professores, não levamos nada pronto para sala de aula. nada de decoreba ou empurrar informações goela abaixo nos alunos. planejamos nossas aulas à base de projetos e atividades variadas que contemplem várias habilidades cognitivas, físicas, psicossociais e emocionais . o estimulo à leitura, pesquisa, jogos e trabalhos em grupo ajudam a fortalecer o respeito uns pelos outros e a capacidade dos alunos de escutar o colega. além disso desenvolve a oralidade e a escrita, competências importantes para que os alunos se expressem com desenvoltura, ética, criatividade e coerência sobre os variados assuntos discutidos em sala de aula. o senso crítico, a autonomia e a capacidade de assumir suas próprias responsabilidades também são nossas metas. e isso tudo contribui para ajudar esses estudantes a se tornarem auto-didatas, pessoas que independem do espaço escolar para a formalização de seus conhecimentos.

há um projeto em especial que reúne todas essas competências acima citadas. chama-se "projeto de livre escolha".

nele os alunos escolhem um assunto de seu interesse, algo que desperte a curiosidade deles em conhecer mais sobre algum tema específico — é imprescindível que esse tema tenha base científica. em seguida, eles definem se querem realizar o trabalho de pesquisa sozinhos ou em pequenos grupos. a partir disso, montam sob a orientação do professor responsável um projeto de pesquisa e investigam toda a bibliografia disponível na biblioteca da escola. neste processo é muito importante o acompanhamento da família, pois os parentes sempre ajudam muito para o enriquecimento da pesquisa oferecendo outros materiais e fontes de consulta. o trabalho escrito deve obedecer a alguns critérios de formalidade exigidos pelo professor: capa com título da pesquisa e nome dos pesquisadores, conteúdo bem desenvolvido e que atenda aos objetivos do projeto inicial, ilustração, conclusão que deve ser escrita com as próprias palavras dos alunos sobre o que aprenderam e fonte bibliográfica. depois disso, os pesquisadores pensam em organizar a apresentação de seu trabalho aos outros colegas de sala: cartazes, data show, exposição de objetos, experiências científicas, performances, videos, etc. são alguns dos recursos usados nesta hora.

o que eu posso falar é que o resultado sempre me surprende muito.

em especial, este ano, uma dupla de pequenas pesquisadoras de 09 e 10 anos, alunas minhas, tiveram a iniciativa de construirem um blog para expor a pesquisa do "projeto de livre escolha" que fizeram. foi uma surpresa quando cheguei em casa hoje e vi uma mensagem de uma delas me anunciando sobre o blog. o tema que elas investigaram foi "o aquecimento global". fizeram uma pesquisa profunda sobre esse assunto que está ultimamente sendo uma das grandes preocupações no mundo todo. essas duas pequetitas engajadas falam sobre o efeito estufa, o protocolo de kioto, o desequilíbrio do clima no planeta e as consequências que todos os seres vivos irão sofrer se algo não for feito pelo ser humano para corrigir esse grave problema que causamos.

é isso, o assunto do meio ambiente é tão sério que virou preocupação de criança!
**
visitem o espaço delas,

essas duas gatinhas merecem muitos parabéns pela iniciativa e todo o encorajamento para que continuem esse trabalho bonito de encher os olhos e movimentar pensamentos.

é só por causa dessas surpresas que eu consigo continuar a acreditar na humanidade.

Luana e Hannah, vocês duas são incríveis!
um bj carinhoso da paty (é como os meus pequenos da escola da serra me chamam :)

8.8.09

ato ou efeito de dissertar :: cuidado! ferramentas de pesquisa na pista



o espaço do blog está sendo temporariamente destinado ao exame de um princípio ou idéia, fato e percepção, com a finalidade de produzir uma apreciação lógica, ilógica, analógica, epistemológica, estética, a-moral e subversiva dos parâmetros acadêmicos sobre a obra Os sertões do teatro Oficina Uzyna Uzona de Corpos, uma leitura-concepção, como costumo chamar, do livro clássico da literatura moderna brasileira de Euclides da Cunha.

agradeço desde já a compreensão de todos os eventuais leitores que por aqui passeiam os olhos e os convido a conhecer um pouco do material em videos que aqui organizo. o objetivo para as postagens de tantos vídeos seria o de facilitar as minhas consultas para a realização da escrita de uma dissertação que incluirá uma análise das possíveis teorias teatrais que dialogam com o grupo e a peça em especial, uma análise do espetáculo que beira o caos mental da impossibilidade, entre outros aspectos e circunstâncias subjacentes que envolvem este épico brasileiro montado pelo grupo Oficina ao longo de 6 anos e que tem, nada mais nada menos, 26 horas de duração, divididas em 5 apresentações: A Terra, O Homem I, O Homem II, A Luta I e A Luta II.
**
abstenho de prerrogativas de qualquer sigilo sobre o qual pousa meu tempo, minha falta de juízo e intelecto, todos fu(n)didos nos últimos 3 anos e abro o campo para perguntas sensatas e insensatas, inclusive sugestões ou palpites aleatórios sobre fontes de pesquisa como sites, bibliografia, outros vídeos, entrevistas, etc., entre outros comentários efetuosos de encorajamento (ultimamente ando muito carente. acho que é efeito da solidão que os estudos nos fins de semana, madrugadas, férias e feriados, me dão como consolo, além das olheiras, claro! e que consolo! :-)
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conto com o desvario de todos
cordialmente,
**
eu, suja de piche

Zé Celso e Marcelo Drummond em Nova Iorque :: abril/ 2009

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Entrevista mediada por Gerald Thomas, no Theaterlab em Nova Iorque, com a presença de Judith Malina, membro fundadora do lendário grupo teatral Living Theatre.









vídeos gravados por Marcelo Drummond após exibição do dvd de As Bacantes, peça de Eurípides com adaptação e direção de José Celso Martinez Corrêa.

6.8.09

HIC JACET

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leo gonçalves e patrícia mc quade

do céu nos olha
o olho vazio do universo
pousado inerte sobre tudo
nada de amor, nada de ira, nada de culpa
pairando sobre o que se move
a partir de agora o destino
é nossa exclusiva responsabilidade
ninguém mais em quem por a culpa
pelo que fizemos
a sorte que nos chega de presente
é mera matemática, verso do acaso
agradecer a quem?
as bênçãos estão suspensas
entre o dito e o suspiro
há um largo sorriso de bufão no céu azul pra anunciar

mortos os deuses
mortos

e esse ceticismo amargo que engolimos
depois de adoçada a língua no sonho do conhecimento?
quede os deuses que criamos a nossa imagem e semelhança?
onde ressoa o verbo feito carne?
ouço-o no silêncio do vácuo objetivo
para o qual migrou a humanidade
comandada pela voz de urizen

já não há mais os escolhidos
por fim somos todos iguais em
desgraça consumismo e mau agouro
fechada para sempre a tenda dos milagres
milagres desfeitos pela química, pela física, pela geometria,
tudo cuidadosamente calculado e
explicável nas ciências naturais
poeira sobre milhares de livros sagrados
nos porões da cidade de bharatpur
esgotada a venda de imóveis no reino dos céus
hipotecas, aluguéis paradisíacos a preços exorbitantes
bolsa do inferno em crise,
aumento vertiginoso na oferta de almas
na banca do diabo super-promoção leve 3 pague 1

as lágrimas do rosário lágrimas agora são
incontáveis pedras rolando montanha abaixo
em nossas cabeças
pedras-cartas
ásperas e pesadas

os deuses morreram

os ritos budistas não acendem mais os seus incensos
não buscam na meditação
uma comunicação com as forças interiores
não há corvos sobre os tetos dos recém-nascidos
os deuses morreram e não habitam mais em nós

as fogueiras xamãs crepitam para manifestar o luto
as cinzas sobem aos céus e impedem
os raios do sol sobre a Terra
em instantes elas se apagarão e não mais serão acesas
na dança do tutuguri
os ancestrais se foram para nunca mais voltar
pois os deuses que nos foram dados por herança
agora estão mortos

os orixás já não giram mais as saias nos terreiros,
calaram-se os tambores
rumpis e lés não curam já não lançam pestes
sob os dedos do ogã
ebós perderam cores e cheiros
equédis de branco luto
manchas de dendê sobre o tecido branco

só há deuses na balança do açougue
deus é fiel:
a carne mais barata

e não ressuscitaram no terceiro dia



***
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:: poema em parceria com leo gonçalves 19/07/2009 ::
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***
**
“o que os sonhos são?
talvez uma teimosia vertiginosa de realizar
o que na realidade não nos é permitido sequer sonhar.”
**
(patrícia mc quade)
**
***

5.8.09

e quem não quer?

**


essa mulher :: de arnaldo antunes

***
**
vi esse vídeo no blog da sol, minha amiga iluminada, estrela maior de brilho próprio, intenso e incandescente. companheira de risos e lágrimas. duas piscinas juntas só pode dar em muita emoção mesmo. : j
**
se quiserem visitar o espaço da sol, acessem:
**
***



color i dora

Os raios de sol são todos iguais.

Mas alguns fabricam arco-íris.

(amora sol *)

***

4.8.09

amor e seu tempo

**
carlos drummond de andrade

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

**

30.7.09

Os sertões :: Grupo Oficina :: Teatro Ritual

***
interesses culturais, pessoais, artíticos, históricos, geográficos, literários, filosóficos, cênicos, performáticos, musicais, plásticos, arqueológicos, biográficos, ritualísticos, humanos, antropofágicos, corporais, biológicos, poéticos, políticos, sociais, metafísicos, comunicativos, expressivos, antropológicos, estratégicos, dançantes, teológicos, astrológicos, experimentais, caricaturais, etc.
**
ufa! uma pesquisa que me acomete a 3 anos.
divido com vcs alguns vídeos da peça.
em alguns deles eu estava presente de corpo
e entregue de alma ; j
**
é um espetáculo simplismente maravilhoso de ver com os ouvidos, tocar com os olhos, sentir com a razão e pensar com o coração. experimente fazer isso, é pura metafísica!
**



(Associação Teatro Oficina apresenta"Os Sertões" ::
Rio de Janeiro nov/2007)



(Rio São Francisco :: A Terra :: em Os Sertões :: Rio de Janeiro 06/11/2007)




(Teatro Oficina Uzyna Uzona o2/10/2006 :: Homem I)




(Teatro Oficina Uzyna Uzona 19/09/2006 :: Homem II)



(Ensaio aberto 23/12/2005 :: A Luta I :: estréia em cartaz em 2006)


**
(Teatro Oficina Uzyna Uzona 10/10/2006 :: A Luta II)
***
***

29.7.09

estados de ânimo :: de mario benedetti



às vezes me sinto
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanés)


algumas vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de cumbres repetidas

algumas vezes me sinto
como uma encosta
e em outras como um céu
azul mas distante

às vezes alguém é
nascente entre rochas
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas

mas hoje me sinto só
uma lagoa insoniosa
com um ancoradouro
já sem embarcações

uma lagoa verde
imóvel e paciente
conforme suas algas
seus musgos e seus peixes

serena em minha confiança
confiante que numa tarde
você se achegue e se mire
se mire ao mirar-me
***

(tradução livre :: patrícia mc quade)
***

25.7.09

*

**

"Mas o tempo linear é uma invenção do ocidente
o tempo não é linear,
é um maravilhoso emaranhado onde a qualquer
instante podem ser escolhidos pontos,
e inventadas soluções
sem começo nem fim...

(Lina Bo Bardi)


**

23.7.09

um prosac com cachaça, moça?

**
"— por favor!
antes, um copo d'água para engolir umas pastilhas de clichê"

...


sentada à mesa do bar
dá de ombros para ficar mais fácil escalar
os destroços de um predestino sem definição

repassa a lição de um sábio budista:
(são nos descaminhos que as frutas mais saborosas são comidas)

foi depois dessa descoberta que passou a se meter
em-beco-sem-saída
e passou a entender tudo a partir do ponto-de-vista da fotografia

mistura na bebida um pouco de luxúria e preguiça pra esquecer
o incômodo do sapato furado colado com chiclete

— há contra-gotas de alma na calma do vinho —
(receita médica guardada na bolsa)

um tempo fugaz a atropela a cem anos de solidão por hora
marcados no velocímetro

a ampulheta no meio da descida não pára para prestar socorro
e no fim do amor alguém lhe pergunta:
o que é eterno?
ela atropelada por um lado se vira sem responder
e segue a derramagem do tempo

espera a última gota d'areia cair

põe as cartas na mesa do bar
e se choca com a manchete do dia:
"suicídio no jornal, ninguém mais lê – esquece"


...


e ao encontrar-se na cartomancie o seu fastio, alguém grita:
"— mais uma bica de cachaça, garçom!
que essa moça tá precisando de mais precipício na veia
e espanto na hora da queda"


...


[instante congela]
uma paradinha para apreciar
a última gota d'areia em suspensão


!


[descongela]

Ufa! de chapada não cai,

...


e dorme na mesa do bar o sono dos anjos

**

18.7.09

Ibrahim Ferrer :: Omara Portuondo :: Buena Vista Social Club

**

Tom Brasil - São Paulo - abril/1999 - Heineken Concerts

Dos Gardenias
Isolina Carrillo


Dos gardenias para ti
con ellas quiero decir
te quiero, te adoro, mi vida.
Ponles toda tu atención
porque serán tu corazón y el mío.

Dos gardenias para ti
que tendrán todo el calor de un beso
de esos besos que te di
y que jamás encontrarás
en el calor de otro querer.

A tu lado vivirán y te hablarán
como cuando estás conmigo
y hasta creerás
que te dirán te quiero.

Pero si un atardecer
las gardenias de mi amor se mueren
es porque han adivinado
que tu amor me ha traicionado
porque existe otro querer.
**
***


Tom Brasil - São Paulo - abril/1999 - Heineken Concerts

Quizás, Quizás, Quizás
Osvaldo Farrés


Siempre que te pregunto
Que, cuándo, cómo y dónde
Tú siempre me respondes
Quizás, quizás, quizás

Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y tú, tú contestando
Quizás, quizás, quizás

Estás perdiendo el tiempo
Pensando, pensando
Por lo que más tú quieras
¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?

Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y tú, tú contestando
Quizás, quizás, quizás,

Estás perdiendo el tiempo
Pensando, pensando
Por lo que más tú quieras
¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?

Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y tú, tú contestando
Quizás, quizás, quizás
***

"canciones de amor que hacen latir más fuerte el corazón"

***