3.1.12

Escola pública, 1976. Dona Elza não tinha ninguém, só um papagaio que lhe havia deixado uma cicatriz na testa, mas declarava seu amor ao homem. Talvez tenha sido por isso que um dia decidiu nos levar ao laboratório, reservado normalmente aos meninos mais velhos.
Fazia um sol branco sem calor.
A primeira revelação que ela nos faria – como parecia feliz! – era
algo que apenas as crianças realmente inteligentes veriam como
extraordinário. Os tolos, os ignorantes, teriam medo – e que medo mais
sem cabimento! E fez-se uma expectativa, uma espera, como se ela
aguardasse que decidíssemos: e então, tolos ou sábios? Depois, puxou o plástico
negro que cobria um esqueleto. Riso nervoso dos garotos, estupefação
forçada dos mais cínicos, gritinhos das meninas.
- Calma, calma, ela pedia, forçando um sorriso como se estivesse
sorrindo mas tentando se conter. E com um tom elevado:
– Isto, meus alunos, é o homem!
O homem. Ou a mulher, acrescentou. Não havia razão para riso nem medo
– era de plástico e mais: era a ciência. Ela compreendia algum
espanto, mas tinha certeza de que não a decepcionaríamos.
Amontoamo-nos em torno do esqueleto, suas órbitas abertas, seu riso
sem direção, seus ossos enormes ou mínimos, atados com arame.
- A mulher? – perguntou um menino de cabeça raspada.
- Claro que sim. Por dentro somos iguaizinhos. – e as meninas pareciam
envergonhadas de sua nudez, ou como que traídas.
Minha professora morreu oito anos depois.

:: um miniconto de carino schlemihl ::

Nenhum comentário: