6.8.09

HIC JACET

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leo gonçalves e patrícia mc quade

do céu nos olha
o olho vazio do universo
pousado inerte sobre tudo
nada de amor, nada de ira, nada de culpa
pairando sobre o que se move
a partir de agora o destino
é nossa exclusiva responsabilidade
ninguém mais em quem por a culpa
pelo que fizemos
a sorte que nos chega de presente
é mera matemática, verso do acaso
agradecer a quem?
as bênçãos estão suspensas
entre o dito e o suspiro
há um largo sorriso de bufão no céu azul pra anunciar

mortos os deuses
mortos

e esse ceticismo amargo que engolimos
depois de adoçada a língua no sonho do conhecimento?
quede os deuses que criamos a nossa imagem e semelhança?
onde ressoa o verbo feito carne?
ouço-o no silêncio do vácuo objetivo
para o qual migrou a humanidade
comandada pela voz de urizen

já não há mais os escolhidos
por fim somos todos iguais em
desgraça consumismo e mau agouro
fechada para sempre a tenda dos milagres
milagres desfeitos pela química, pela física, pela geometria,
tudo cuidadosamente calculado e
explicável nas ciências naturais
poeira sobre milhares de livros sagrados
nos porões da cidade de bharatpur
esgotada a venda de imóveis no reino dos céus
hipotecas, aluguéis paradisíacos a preços exorbitantes
bolsa do inferno em crise,
aumento vertiginoso na oferta de almas
na banca do diabo super-promoção leve 3 pague 1

as lágrimas do rosário lágrimas agora são
incontáveis pedras rolando montanha abaixo
em nossas cabeças
pedras-cartas
ásperas e pesadas

os deuses morreram

os ritos budistas não acendem mais os seus incensos
não buscam na meditação
uma comunicação com as forças interiores
não há corvos sobre os tetos dos recém-nascidos
os deuses morreram e não habitam mais em nós

as fogueiras xamãs crepitam para manifestar o luto
as cinzas sobem aos céus e impedem
os raios do sol sobre a Terra
em instantes elas se apagarão e não mais serão acesas
na dança do tutuguri
os ancestrais se foram para nunca mais voltar
pois os deuses que nos foram dados por herança
agora estão mortos

os orixás já não giram mais as saias nos terreiros,
calaram-se os tambores
rumpis e lés não curam já não lançam pestes
sob os dedos do ogã
ebós perderam cores e cheiros
equédis de branco luto
manchas de dendê sobre o tecido branco

só há deuses na balança do açougue
deus é fiel:
a carne mais barata

e não ressuscitaram no terceiro dia



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:: poema em parceria com leo gonçalves 19/07/2009 ::
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“o que os sonhos são?
talvez uma teimosia vertiginosa de realizar
o que na realidade não nos é permitido sequer sonhar.”
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(patrícia mc quade)
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4 comentários:

leo gonçalves disse...

ei Patrícia,
que bom que você postou o poema.
quanto à frase do sonho, eu poderia dizer que, de vez em quando, de tanto sonhar, não vemos o quanto ele quer ser realidade.
beijos.

patricia mc quade disse...

oi leo,

o querer do sonho só se faz realidade se for livre para se deixar acontecer. se ficar preso só ao desejo deixa de ser livre e com o tempo essa querência passa a não corresponder mais ao sonho original. eis o paradoxo que a razão das relações humanas não compreende.

é o que eu penso.

bj nocê!

leo gonçalves disse...

confuso demais. querer é querer. livre. mas se for a dois, os dois têm que ter olhos livres. a pergunta é: o que fazer para libertar os olhos? suponho que sair de dentro de si, abandonar vaidades e egos, pode ser um bom caminho.

patricia mc quade disse...

pois sim!

:j

bj