28.4.09

ela :: la niña



estava só, não queria voltar para casa. não àquela hora da vida. los pensamientos volaban en sus recuerdos de niña. era assim que sempre se refugiava de questões íntimas e desafiadoras. volvía a ser niña para no volver a su casa. de birra não voltava.

em pé, diante uma avenida ainda movimentada, carros passando da direta para a esquerda, transeuntes passando da direta para a esquerda, ônibus cheios de pessoas amontoadas e ansiosas para voltar a suas casas. todos com os destinos traçados depois do cansaço e o destino dela era não voltar. não havia lugar nenhum que quisesse voltar. em seu interior estava protegida. não conversava. não olhava ninguém. e quando alguém lhe fazia uma pergunta sobre um endereço ou número de ônibus ou ponto de referência, simplesmente não respondia. se calava como toda a vida se calara. em silêncio por fora, muda por dentro, anulada de definições. buscaba su niña para no perderse a la vez. não esperava buscar a mais ninguém, só a si mesma. seu olhar se fixava num ponto indefinido: num asfalto escaldante: num fim de tarde: de um verão desses:

era dezembro de um ano infinito qualquer. o dia havia sido muito quente, mais de quarenta graus Celsius. agora o início da noite era ainda sufocante. custava para a menina respirar e respirava asfixiada por um ar cheiroso a fumaça. esta era a herança do efeito estufa - el niño y la niña - e do aquecimento global - fiebre que sudaba su cuerpo - que lhe restara. a poluição atmosférica- el agobio del humo ofuscante - sufocava qualquer iniciativa de cambio e ela estava congelada por dentro, paralisada de qualquer razão nos primeiros anos de mais um século.

as horas passaram. os carros, as latas, as pessoas, os animais, as memórias - todo su cuento se pasó. e quando ela se deu conta não havia mais movimentos pelas ruas. onde estava? olhou o relógio, sua vida passava, o tempo passava acompanhando os passos da valsa dos ponteiros do relógio que não paravam de girar - como una bailarina que no pára de girar en la cajita de sueños de la niña mala - sem sair do lugar. ela ali convenientemente se colocava. olhou como que pela primeira vez ao redor buscando sei lá por alguém. sentia agora medo. havia abandonado seu reduto íntimo dentro de seu íntimo e voltou por isso o seu medo. ali não era lugar para uma moça encontrar-se só. Ali não era lugar para ela sair de dentro de si mesma. e já era tarde. tarde para encontrar-se. para voltar para sua casa. para voltar a si mesma. se rompió el encanto, se hizo la realidad terríble. ela petrificou por um momento seus reflexos pouco desenvolvidos e espirituosos de pequena e indefesa princesa diante dessa medusa de cabelos de serpente. era tão tarde que os ônibus já estavam guardados nas garagens. essas latas aguardavam o dia útil que seguiria sem sentir falta da utilidade fútil dela. as pessoas exaustas já estavam em seus leitos jazidas de sobrevivência. e ela mais uma vez estava ali - sola.

sentou-se no ponto de ônibus e pensou em proteger-se dos mal-ditos que sempre lhe agrediam com palavras indecorosas. e por que lhe agrediam? perguntava-se. sentiu pena de si mesma e sentiu raiva por sentir pena de si mesma. la derrota empezó a girar alrededor de ella. um motorista de taxi parou para perguntar quanto custava. nada de nada contestó ella. ele colocou o pau para fora e perguntou novamente quanto custava só uma chupadinha. o tempo cíclico rodava na cabeça da menina. os males cíclicos, o mundo cíclico em movimentos cíclicos que dão voltas elípticas no infinito. la bailarina que baila en la cajita de espejos. o pênis do taxista elíptico rebolava nas mãos do taxista. e ela, com sua visão estrábica sobre o mundo, permanecia estátua na parada de ônibus. y nada de nada contestó.

de madrugada todas as gatas são pardas. damas ou vagabundas são todas simplesmente putas. ella tembló. era uma vibração de fora ou seria um grito surdo de dentro? a madrugada, ora o silencio, ora la sirena. de repente um forte estrondo. ella tembló como un refrán. voltou seu olhar para o céu e viu uma luz seguida de um novo estrondo repetido outra e outra vez. a chuva começava mansa, delicada trazendo música ao tocar o asfalto. o chiado foi ficando cada vez mais ritmado e grave. de repente simulava uma orquestra nervosa acompanhada do chiado da chuva, dos estrondos estridentes, dos resplandecentes relâmpagos e o vuuuuuuuhhhhhhhh do vento que agitava os galhos das árvores que dançavam nas pupilas da menina dos olhos de sol. ella, aún niña - ainda que protegida por sua natureza às vezes calma, às vezes intempestiva. todos a queriam dócil. ela dissimulava medo, arrojada dissimulava para si tempestade.

sua vó, quando a menina era ainda uma menina, lhe contava histórias para acalmar seus medos de tempestades: “exu está lavando o céu, a água purifica até o paraíso, os batuques dos trovões não são nada mais nada menos que obaluaê fazendo festa com os atabaques de oxossi. os relámpagos são um curto-circuito das luzes de neon que iluminam sensualmente os seios de yemanjá. exu é o anfitrião dessa festa dionisíaca.” era assim que reconfigurava as-histórias-pra-boi-dormir que sua vó lhe contava. mas uma coisa aprendeu com essa inhá que não conseguiria nunca corromper: “a água sempre distancia a dor, é por isso que chorar alivia a alma. as lágrimas purificam nosso ser, transcende todas as penas.” agora sim, sem corruptelas e profanações se lembrava. todavía no había llorado sus angustias, sus dolores: o mal de uma herança pesada, de uma tradição fadada aos apelos biológicos de seu gênero, de uma cultura estabelecida quase que eterna, de toda a sua linhagem de fêmea, esse conjunto de características físicas e psíquicas que dão forma e substância à mulher. um forte estado anímico das três graças flutuou o seu ser feminino neste instante. seu peito oprimido agora entendia a própria dor de ser menina, de ser mulher. o seu lado noturno lilith, e o cinismo eva reacendeu. era un dolor de milenios. desde que a mulher é mulher, desde que o homem é homem, desde que a mulher quis tomar o poder do homem e o homem sonhou em ser puta. e sentiu o calor de uma lágrima passeando pelo seu rosto. e essa lágrima não vinha sozinha, estava acompanhada de outras tantas que ela não podia conter. os soluços soavam agora junto com a prosódia da orquestra sinfônica da tempestade. e não se sabia quem mais gritava. quem mais cantava.

ainda ela chorava dentro de um tempo que chorava com ela. e essa combinação foi tão exata que resultou em uma companhia para si. a chuva que a chovia por dentro, ela que chovia com a chuva. movimento de tudo que era para ser eterno rompia a estabilidade das instituições privadas e estatais. agora tudo podia ser removido do seu lugar sagrado. o profano voltou a ocupar o privilegio de ser rito em louvor à mãe natureza. esa mujer.

o asfalto mudou de aspecto, agora não era cinzento como a sorte de todas as mulheres. uma mais se havia transformado. outras ainda viriam. a avenida estava fria com um colorido prata de onde reluziam estrelas pequeninas que pululavam no chão ao toque das gotas grossas de chuva. os dourados das luzes urbanas causavam o reflexo brilhante na rua como se fosse um salão de baile cuidadosamente encerado. ela, la niña, passou a palma-flor de uma das mãos para secar seu rosto. sua alma enxuta. se levantou de onde estava para começar a dançar. acompanhada de gala, pagu, virgínia, gertrude. todas ventanias. seu baile cadenciava com a harmonia musical da tempestade que variava, às vezes serena outras frenética como Petrouchka. y ella bailaba como nunca había bailado antes. saiu da cobertura do ponto de ônibus e dançou por toda a avenida. estava deserta, ela também. seu corpo era um infinito de sensações que se mesclavam ao tempo chuvoso. a garoa serena tranqüilizava seus medos. as chicotadas do vento nos pés d’água eram açoites que castigavam seu movimento de mudança. mas ela pagava o preço da tempestade e revolucionava a metereologia do tempo de seu destino. os gritos dos trovões de iansã brigavam com ela para ensiná-la a amar-se. os relâmpagos da espada de xangô eram como flertes que o tempo emanava para apaixonar-se dela. y se miró enamorada de si. E dançavam juntos: as árvores, o vento, a chuva, o tempo, a música, Stravinsky, ella. era tão fácil amar-se! como ninguém havia percebido isso antes? nem ela? e agora todos dançavam.

finalmente a chuva cessou. a dançarina passou seus longos dedos pelos fios de seus cabelos, massageou seu corpo lânguido, levantou seus seios caídos pela falta de uso, seu coração estéril, baixou suas mãos até seu ventre que sentia saudades de seu sexo. e nesse instante, fecunda, ensopada de chuva, suor e do gozo úmido da dança, disse adeus a la niña que lhe fizera companhia, agradeceu à tempestade pela música que lhe ofertara, saudou as ventanias que lhe concederam a honra da dança, olhou para a serra que compunha o cenário de sua estréia, o horizonte com sua cor vermelho-alaranjado, o sol que desvirginava aquela mulher que com ele nascia. os acudidos cidadãos do dia útil que raiava a observavam com olhares burlescos e duvidosas malícias. ella, al revés, los miró con complicidad.

Teve desejo de veracidade,
e voltou para casa não mais vazia.


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