19.4.09

o entre lugar das estações de édipo

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a mãe se levanta bruscamente ao ver os olhos de seu filho aficionados nos joelhos de uma garota. esta por sua vez mira despistada a paisagem através da janela do metrô. a mãe se achega perto do seu homem agarotado e diz: “chego tarde hoje, não se esqueça de fechar bem a porta e tomar seu remédio. você sabe que sua cabeça não funciona sem ele. não se esqueça de esquentar a comida pro almoço. cuidado com o fósforo, não vá se queimar. Esse mundo tá cheio de perigo!” ajusta a saia e olha de rabo de olho pra moça, como quem dando uma indireta pro perigo felino que acerca seu filho. a moça quase imóvel, escondida atrás dos óculos escuros, é uma voyeur sem se querer. escuta a tudo sem dar sinal de que percebera a indireta, sequer o discurso aloucado daquela senhora instruindo seu filho, tampouco as intenções impudentes do marmanjo acriançado. o filho – que continuará a ser filho por toda a vida sem nenhuma perspectiva de ascensão em sua procedência – sobe os olhos das pernas da moça para o colo rosado e o imagina aconchegante. concorda, sem ouvir sequer palavra alguma, com tudo o que a mãe diz. pousa agora o olhar na boca da moça e um gotejo de saliva cai de seu lábio inferior abobado e toca o ziper de sua calça. a moça acompanha o trajeto da gota, somente com os olhos em barra de rolamento, sem movimentar a cabeça e percebe o volume roliço se formando [órgão copulador masculino animalesco, incoercível e invertebrado] e, mesmo sentido certa repulsa, ambos seus lábios [inclusive essa dobra cutânea múltipla situada no vestíbulo das fêmeas em geral] se umedecem. não há explicação. tensão durante a viagem. chega enfim a estação e ambos estão em estado psicodélico: ele desce fraquejante das pernas. a mãe fica, preocupada, olha endurecida mais uma vez a moça imóvel que jaz no banco do metrô e volta seu olhar para acompanhar seu filho, já colada de ensejo à janela, com os olhos agora açucarados de cuidado. o homemenino anda meio de lado tentando não perder a figura da moça completamente esquecido dos cuidados maternos. esse tropeço-de-homem incide em todos os obstáculos imaginários de seus pensamentos vãos para não perder a última imagem que nunca mais verá: a de uma outra mulher que deseja e que não é a sua mãe. o reflexo do sol no metal lhe cega os olhos. a moça, como uma galinha-d’angola, fraqueja em silêncio e entoa o seu canto de asco. composição desprositada da trilha sonora do enleio.

3 comentários:

ana dundes disse...

cenas diárias:"viagens contidianas".

Gostei da prosa, Dona Margarida.
Beijo.

Gusthavo disse...

Prosa invejável. Gostei deveras, de ficar com os lábios umidecidos.

patricia mc quade disse...

uau!