5.9.09

"Terra Sonambula" :: um romance de Mia Couto

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Estou finalizando o estudo do livro Terra Sonâmbula de Mia Couto com alunos do 3º ciclo da Escola da Serra (adolescentes de 13/14 anos). Este escritor moçambicano, já é bem conhecido aqui pelos lados de Belo Horizonte, pois diversas vezes recebemos sua visita na UFMG e muitas foram as palestras que ele nos presenteou para falar de literatura em língua portuguesa e de seu país Moçambique.

Terra Sonâmbula
tem como contexto histórico a guerra da independência do país que durou cerca de 16 anos. Com seu término em 1975 os moçambicanos herdam uma terra em estado de luto, deflorada pelas ganâncias do poder capitalista, voltada para o desafio de reconstruir sua nação e resgatar suas tradições em processo de esquecimento por causa do terror da guerra que desumaniza qualquer povo nestas circunstâncias.

Mia Couto cria um cenário que mescla sonho e realidade, o pesadelo da guerra é o personagem principal. A busca pelo resgate da humanidade perdida dentro da alma dos cidadãos moçambicanos é o que comove leitores e nos aproxima de sua história. Faz parte da estética literária de Mia Couto, nesta e em outras de suas obras, a recriação de uma dimensão mágica e mítica das tradições africanas – que são tantas quantas não se pode contar – em busca de uma identidade que unisse as diversas etnias nessa terra existentes e que passaram a fazer parte dos limites de fronteiras impostos pelos colonizadores. Seus personagens, todos vagueiam por uma terra destruída pelo colonialismo brutal e pela luta de sobrevivência, compartilham o desespero mais pungente e uma esperança pela paz que se não se entrega à morte.

Sua linguagem é trabalhada a partir da oralidade das línguas africanas desse país reunidas em vocábulos e expressões próprias desses povos como recurso estilístico de criação de uma língua portuguesa moçambicana, que seja legítima a eles e por eles apropriada. Subverte as regras da gramática portuguesa e re-inventa um língua que a aproxima das identidades dos povos que ali vivem. A partir desse jogo lingüístico enriquece o português e o consagra como uma língua incorporada ao povo moçambicano. De muitos idiomas Terra Sonâmbula é constituída. Em uma entrevista o escritor afirma: “O encontro entre a oralidade e a escrita é uma das pontes que nos faltam para encontrar neste mundo o nosso mundo”.

E o resultado é poesia! Mia Couto canta as vozes dos silenciados pela guerra e massacre, pela fome e desnutrição, pelo abandono e exploração. Essas vozes trazem as histórias míticas da formação de povos, trazem a alma das tradições africanas que foram por milênios, solapadas, estupradas, deturpadas e amordaçadas.

Sem dúvida, Terra Sonâmbula é um romance que nos aproxima — nós, brasileiros — da realidade moçambicana, ainda que sejamos diferentes em contextos históricos, compartilhamos de uma irmandade mística mais negra que branca, uma irmandade de identidade mestiça, por isso universal.
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bibliografia:
COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
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