
Denise Stoklos realmente impressiona no palco. Vitalidade, voz poderosa e presença física conseguem retratar de forma ampla e densa a trajetória e as reflexões da escultora Louise Bourgeois: “Meu espetáculo é a Louise inteirinha. É o livro dela completo (Destruição do pai/ Reconstrução do pai: Escritos e entrevistas) e o que pude viver com ela em Nova York, tentando entender o que diz o livro”, afirma a atriz.
O espetáculo foi todo pensado e construído em um trabalho de parceria com a escultora. Esta pequena-gigante senhora de 99 anos, ao contar suas experiências e dividir o seu cotidiano com Denise, não serviu somente de inspiração para a atriz na montagem desse espetáculo autobiográfico, mas participou ativamente de todo o processo de construção da obra. Ela, Louise Bourgeois, escreveu o texto, canto e rap que compõem a dramaturgia da peça, construiu o cenário — que na verdade é uma instalação de objetos que retratam o subconsciente particular da escultora — e ainda atuou como co-produtora do espetáculo junto a Denise Stoklos. A atriz, por sua vez, concebeu o espetáculo a partir da imensa admiração que cultivou por Louise Bougeois, traduziu e adaptou o texto dramatúrgico e assumiu os papéis de direção, coreografia, figurino, sonoplastia, iluminação, além de uma atuação solo no palco.
A peça é um monólogo, mas está longe de ser monótona. Além de incitar uma reflexão sobre os sentimentos humanos como eles são, arrancou risos da platéia apresentando na fala da personagem o humor negro da escultora. Sabemos da dificuldade que existe em conseguir montar um monólogo que prenda a atenção do público. O texto deve ser intenso e intrigante, além da presença física do ator precisar ser muito bem preparada e a força do personagem ser tão bem traduzida em gestos e voz a ponto de seduzir a platéia. No caso do monólogo Louise Bourgeois: faço, desfaço, refaço, Denise Stoklos alcança todas essas qualidades.

O drama?! Esta peça intensifica a referência ao sujeito Louise Bourgeois. Esta por sua vez retira a figura feminina das sombras da história da arte. Denise Stoklos apresenta em carne e espírito esse sujeito duo de Bourgeois: a mulher e a artista excêntrica. Duas sem deixar de ser uma. A aranha é um signo trabalhado pela escultora e mencionada constantemente durante o espetáculo como uma referência à figura materna. Neste caso a teia passa a tomar uma importância muito maior que a imensa aranha das obras de Bourgeois. Teia enquanto texto, enquanto trama, enquanto drama, enquanto vida vivida e tecida pelas mãos femininas e maternas, as que engendram, que envolvem, que enredam.

Enfim, nesta experiência espetacular, podemos conhecer um pouco mais sobre a vida dessa escultora rara e polêmica que completa seu centenário ano que vem (* 25/12/1911), pensar na função do objeto de arte para nós, sobreviventes do séc. XXI e compreender com maior profundidade as contradições que envolvem estas duas artistas em particular que são dotadas de uma percepção da realidade inconscia e que percorrem os recônditos sentimentos recalcados de todos nós. Elas fazem, desfazem e refazem cada pessoa que ali as assiste, e este é o maior espetáculo.
“A arte é um privilégio, uma benção, um alívio. Nascer artista é ao mesmo tempo um privilégio e uma maldição. Privilégio porque quer dizer que você é um favorito, que o que você faz não é completamente seu crédito, nem se deve completamente a você, mas um favor que lhe foi concedido. É um privilégio fantástico ter acesso ao inconsciente. Eu tive de merecer esse privilégio e exercê-lo.” (Louise Bourgeois)
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2 comentários:
Fiquei encantada com essa sua resenha!
Embora no passado, viajei no seu verbo.
Parabéns! Você, assim como Denise, dignificam a obra e a pessoa de Louise.
olá sueli,
que bom que gostou da resenha.
este espetáculo marcou minha percepção de mundo e a transformou.
estas artistas merecem nossos aplausos de pé e ininterruptamente.
um abraço
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