17.6.10

por que um corvo se parece a uma escrivaninha?

*

“Você já decifrou a adivinhação?” perguntou o Chapeleiro, voltando-se outra vez para Alice.
“Não, desisto”, respondeu Alice. “Qual é a resposta?”
“Não faço a mínima idéia”, disse o Chapeleiro.
“Nem eu”, disse a Lebre de Março.
Alice suspirou enfadada. “Acho que você deveria aproveitar melhor o tempo”, disse ela, “em vez de gastá-lo com adivinhações sem resposta.”
“Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço”, disse o Chapeleiro, “você não falaria em gastá-lo, como uma coisa. Ele é alguém.”
“Não sei o que você quer dizer”, disse Alice.
“É claro que você não sabe!” disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça com desdém. “Eu diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!”
“Talvez não”, respondeu Alice com cautela, “mas sei que devo marcar o tempo quando aprendo música.”
“Ah! Isso explica tudo!” disse o Chapeleiro. “Ele não suporta ser marcado. Agora, se você mantivesse com ele boas relações, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo, suponha que fossem nove horas da manhã, justamente a hora de começarem as lições: você teria apenas de sussurrar uma dica ao Tempo, e o ponteiro giraria num piscar de olhos: uma e meia, hora do almoço!”
(“Como eu gostaria que fosse assim mesmo”, sussurrou a Lebre de Março para si mesma.)
“Seria fantástico, com certeza”, disse Alice, pensativa; “mas, então, eu ainda não estaria com fome, não é?”
“Não a princípio, talvez”, disse o Chapeleiro, “mas você poderia permanecer à uma e meia por quanto tempo quisesse.”
“É assim que você faz?” indagou Alice.
O Chapeleiro balançou a cabeça com desgosto: “Eu não!”, disse. “Nós brigamos em março passado... logo antes dela ficar louca, sabe...” (apontou com sua colher para a Lebre de Março),
“foi no grande concerto oferecido pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar:

‘Pisca, pisca, morceguinho,
Aonde vais nem adivinho.’

Você conhece a canção, não é?”
“Já ouvi algo parecido”, disse Alice.
“E continua, sabe”, emendou o Chapeleiro, “assim:

‘Lá no céu, como travessa
Para chá, voas depressa.
Pisca, pisca—’”

(...)
“Bem, eu nem acabara o primeiro verso”, disse o Chapeleiro, “quando a Rainha bradou: ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’”
“Mas que selvageria!” exclamou Alice.
“E desde então”, continuou o Chapeleiro num tom pesaroso, “ele não faz nada do que eu peço! São sempre seis horas!”
“É, é isso mesmo”, disse a Lebre de Março com um suspiro, “é sempre hora do chá, e nós não temos tempo de lavar a louça nos intervalos.”
“É por isso que vocês ficam girando em torno da mesa?” disse Alice.
“Exatamente”, disse o Chapeleiro, “conforme as louças vão ficando sujas.”
“Mas o que acontece quando vocês retornam para o começo?” Alice ousou perguntar.
“Que tal se mudássemos de assunto?” interveio a Lebre de Março, bocejando. “Estou cansada deste. Meu voto é que a senhorita nos conte uma história.”

(...)

***

ilustração original: john tenniel
bibliografia: CARROLL, Lewis.
Alice. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 70/71.


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