16.7.09

a metáfora da torre de babel :: por jerzy grotowski

"Ludwik Flaszer, o meu estreito colaborador, usou uma vez a metáfora da torre de Babel, que gostaria de desenvolver: parece-me de fato que hoje não só cada coletividade tradicional tenha se tornado uma torre de Babel, na qual as línguas sofreram uma nova mistura e na qual se esvaíram as crenças comuns, mas também cada homem é uma torre de Babel, por que na base do seu ser não há um sistema uniforme de valores. Na forma extrema podem observá-lo em vocês mesmos. Em cada um de vocês provavelmente coexistem diversas crenças: em primeiro lugar, a fé tradicional, a religião tradicional com a qual talvez vocês tenham rompido mas que permanece viva nos estratos profundos do seu ser – é essa que articula a linguagem da imaginação; em segundo lugar, aquela fé (se não desejamos chamá-la de religião, falemos em última análise de filosofia) à qual vocês aspiram conscientemente; no fundo vocês se esforçam para convencer os outros e vocês mesmos de que possuem essa fé de verdade, o que, em suma, se reduz mais a preocupar-se por possuir essa fé geral, do que em possuí-la de verdade, porque estão agitados demais dentro de vocês; depois, têm essa vida dividida entre diversos círculos sociais, pequenos pensamentozinhos, diria crenças pela metade para uso da família, dos colegas, do ambiente de trabalho; mas na base disso tudo há no profundo do seu ser algo como um esconderijo secreto, onde turbilhonam aspirações, crenças autênticas, a fé abandonada; eis a verdadeira torre de Babel. Vocês são assim porque nenhum de vocês quer reconciliar-se com o próprio ser. O velho quer ser um jovenzinho, o jovem quer ser moderno, mas não ele mesmo, porque a vontade de ser moderno se reduz – apesar de todos os protestos – à imitação dos outros, dos mais velhos. Por isso cada um tende a algo que na maioria das vezes não existe; essa é, creio, a doença da civilização, essa multiplicidade de fés; ela pode ter às vezes lados positivos, enquanto rigidez da fé, especialmente se se trata de fé religiosa o para-religiosa, se torna perigosa e conduz ao fanatismo. Porém isso pode ser analisado de diversos pontos de vista; (...)"
quadro de: Duke of Bedford, "Torre de Babel",
c. 1423. British Library, Londres


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bibliografia degustada:

GROTOWSKI, Jerzy. "Teatro e Ritual" in: Teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959 - 1969. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 126.

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