31.3.09

Entre dó e si [mesmo] :: de gusthavo santana

**
Saiu pra comprar cigarro e nunca mais voltou

Foi quando crise de abstinência
Ganhou um novo significado
Se absteve de dormir
Naquela noite e na seguinte
Nas demais,
Dormiu leve feito fumaça

de nicotina
de nicotina
de nicotina

O cheiro das cortinas já era insuportável
E supôr o incerto era tão mais plausível
Tão mais divertido
E leve feito fumaça

[Na boca
Na boca
E nos olhos
nos dois]

Que comprar cigarros pareceu odisséia
Talvez pela saia, as saias pelo caminho
Que ficaram pelo chão das salas
Que cairam pelas mão de quem cala
Respirando velha fumaça

de nicotina
de nicotina
de nicotina

O cheiro que atina o senso tísico
Senso físico, furtuito fumo
O furo de cinzas em cima do banco
Cinza feito pranto de quem fica
Em casa, calada
Com as cortinas

de nicotina
de nicotina
de nicotina

***

é no ateliê de clichês que esse artesão da palavra esculpe seus devaneios. seus poemas revelam a juventude e a força poética de sua idade primaveril. e não é só poesia que ele escreve, passeia também entre as veredas da prosa literária onde não abandona a linguagem poética e a criação de espaços ora cênicos, ora cômicos, ora críticos, ora nonsenses :: mas tudo na maior seriedade arrazoada. literalmente brinca com as palavras num divertimento de criança que parece descobrir as cores das letras a cada dia, a cada vez que levanta a sua pena de homemenino. um apaixonado irremediável dos verbos escrever e ler. lembro-me do dia em que me pediu livros emprestados e eu sem saber o que indicaria a um leitor de 16 anos pedi sua lista. não encontrei nada mais nada menos que: pessoa, maiakovski, kafka, kundera, entre outros romancistas e poetas que ele queria. inclusive alguns eu nem conhecia. gosto do que escreve. gosto de saber que o seu potencial em suas produções literárias fazem parte de sua essência particular e que escreve porque precisa escrever, porque seu corpo-pulsão assim exige dele. publico aqui um de seus poemas, o último que ele escreveu, saiu hoje quentinho do forno de seu blog. quem quiser conhecer mais sobre esse poeta-escritor inato, visite seu ateliê. nesse espaço você vai descobrir muita coisa boa que esse rapaz produz com desenvoltura e aptidão pra coisa.

é só clicar e já vai estar lá:
boa leitura!


nenhuma verdade sobre mim

não existe nenhuma verdade em mim. a mentira é a minha maquiagem preferida. a falsidade brilha em meus olhos e lábios revelada no reflexo do espelho de todos os olhos que me olham. minha roupa é a fraude de minha ideologia franco-anárquica. as pessoas que beijei são pura afirmação contrária de minha verdade que não existe a fim de induzir-me a mais e mais erros sem fim. meu sexo é enganador, ilude quem o toca. quem se aproxima de mim também não é real, apenas na aparência pensa que me conhece e nesta busca em constância transforma-me em ilusão, fábula, ficção de uma história onde perdura tudo o que é fugaz. meus vícios são lascivos, costumes supérfluos, prejudiciais e totalmente censuráveis, são erros contra as regras da linguagem ou de um outro saber de corporeidade imperfeita. a cidade onde habito também habita em mim de uma forma desorganizada e caótica. sou um pequeno pastel desprovido de recheio, uma mentirinha de pão-de-ló labiríntica que perturba quem por mim se envereda na busca de meu reconhecimento e nada encontra a não ser muros de pedras despedaçadas de minhas vivências decadentes. meu crime contra a fé pública consiste na alteração intencional da verdade com o intuito de profanar o sagrado e o eterno. invento perguntas das quais não busco respostas. e nessa falta de autenticidade está a minha obra maior: reinvento o amor nietzschiano, o pragmatismo amoroso de uma pluralidade inesgotável e frequentemente contraditória que se revelam inúteis aos interesses da humanidade em geral. sou a deusa da criação de todas as coisas que não valem a pena no papel.


25.3.09

a vida e o tempo :: viviane mosé

***
eu acho que a vida anda passando a mão em mim
eu acho que a vida anda passando a mão em mim
eu acho que a vida anda passando
eu acho que a vida anda
a vida anda em mim
a vida anda
eu acho que há vida em mim
há vida em mim
acho que a vida anda passando
a vida anda passando a mão em mim

e por falar em sexo
quem anda me comendo é o tempo
se bem que já faz tempo, mas eu escondia
porque ele me pegava a força
e por trás

até que um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo, se você tem que me comer
que seja com meu consentimento, e me olhando nos olhos…
eu acho que eu ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem
que ando até remoçando.


Poema do livro: Pensamento do Chão, poemas em prosa e verso.



***

o vídeo é só pra trazer a emoção da voz da poeta viviane mosé. a parte das imagens não é nada interessante, mas a voz... ah! a voz dela faz toda diferença neste poema.

16.3.09

recital homenagem ao poeta cacaso :: na scriptum

**
Descartes

Não há
no mundo nada
mais bem
distribuído do que a
razão: até quem não tem tem
um pouquinho
**
(cacaso)

***

:: idealizadores ::

:: adriana versiani :: alécio cunha :: ana caetano :: camilo lara :: carlos augusto novais :: carlos barroso :: jovino machado :: kiko ferreira :: leonardo moraes :: marcelo dolabela :: márcio borges :: mário alex rosa :: mônica de aquino :: tida carvalho :: vera casa nova :: wagner moreira :: wilmar silva :: marcos pimenta ::

***

quem acompanha meu blog sabe da paixão que eu cultivo pela poesia de cacaso. sua linguagem singela, seu olhar infantil, sua ironia agri-dulce na verdade desvelam uma complexidade poética que ultrapassa a temática social, política, estética, ética e humana da coisa. é só vivenciando cada poeminha que podemos sentir a profundidade de sua poesia. esta, aos poucos, acaba crescendo dentro da gente e se tornando nossa poesia, como se fizesse parte de nossas próprias vivências e lembramos de uma aqui e outra ali a partir das coisas que acontecem conosco. boa oportunidade teremos para experenciar mais um pouquinho da poesia de cacaso. e não é por acaso que a nós está sendo dada de presente num evento em homenagem a ele, cacaso, no próximo sábado, dia 21, na livraria Scriptum:

dia 21 de março de 2009 * sábado * a partir das 12 horas
scriptum * rua fernandes tourinho, 99 * savassi * bhz

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já disse, compareçam, vale a pena!

"por cacaso ando cheia de lero-lero".

13.3.09

3 poemas :: de renato mendes oliveira


***
**

Antes do descobrimento,
um nativo pensou,
olhando as árvores:
— Fossem prédios, seria,
realmente, horroroso...,
Chegaram os colonizadores
e horrorizaram meu Brasil...
Hoje, olhando os prédios, pensamos:
— Fossem árvores, seria,
realmente, maravilhoso...


***


Ainda me lembro bem
de quando subi as escadarias
do metrô, sem muita pressa
E vi, e me encantei além
do que jamais imaginaria,
Vi bailar, numa festa,
Voadora e bem preta,
Uma pequena borboleta...


***


O agricultor estava parado,
Olhando o Céu, calmo...
Aguardava uma chuva às plantas...

O viajante, do outro lado,
Vendo o horizonte, medindo em palmos
a sua chegada. Andara distâncias tantas...
Queria guardar o Sol ao final da viagem..

O agricultor já se cansara da aragem,
Há tanto tempo sem flor no sorriso...
O viajante... esse só viajava...
Um olho na estrada, outro no paraíso...

***

O plantador procura a chuva,
O viajante torce pelo Sol...Arco-íris.


***

conheci o renato na escola onde trabalho. eu professora do segundo e terceiro ciclos de português e literatura, ele estudante do ensino médio. este menino tem apenas 16 anos e realmente me impressiona o seu potencial poético.
por ele ser um pouco resistente à poesia contemporânea, seus poemas me lembraram o heterônimo de fernando pessoa, ricardo reis. pensei também em manuel bandeira, cecília meireles, mário chamie, oswald de andrade, antônio cícero quando lia seus poemas.
sobre essa sua estética poética, achei interessante a preocupação que tem com a métrica e a rima bem construídas racionalmente em alguns de seus poemas que aqui não editei, onde mescla noções de forma e conteúdo através de uma destreza linguística, objetividade e racionalidade poética, emoção e intuição sensitiva.
gostei em especial desses três poemas que considero de uma beleza imagética surpreendente, de uma graça e singeleza na linguagem que poderia se fazer entender como inocência, se não fosse o delicado toque ácido de crítica socio-política dulcificado por sua ideologia subversiva que só passa despercebida aos olhares menos atentos. os outros tantos poemas que li também são lindos. talvez em uma outra oportunidade eu edito aqui seus sonetos dentre outras formas poéticas que ele experiencia.

boa leitura!
boa poesia!
***

11.3.09

diálogo em monólogo

**
muitas palavras são a metade de um discurso
solitário entrecortado pelo vácuo de outra voz

só agora se ouve o sentido da falta de lógica das palavras

a outra metade ressoa de eco em eco
murmura de mar a mar
nos ouvidos surdos de hera

fica entre perguntas e respostas
desconectas e repetidas
como os olhos dentro do espelho olhando narciso

como olhos que tremem quando veem a noite
como olhos que esperam a paixão de si mesmo

no presente um mar de olundê se balança
entre uma onda e variados pensamentos
um mar deflorado dos seios-olhos de uma virgem viagem
rumor à outra costa do abismo

nasce de olhos d'água a chama que chama outro amor
nasce de olhos d'água uma outra caiala

e eco
de gota em gota
se cala
***

7.3.09

desde que te perdí :: kevin johansen

un regalo:



desde que te perdí :: la letra

Las cosas no andaban bien, nada me salía,
mi vida era un túnel sin salida, pero...

Desde que te perdí se están enamorando todas de mí
y hasta algunas me quieren convencer
que con ellas podría ser feliz.

Desde que te perdí las puertas
se me abren de par en par,
se me abrió hasta la puerta de Alcalá
y yo aprovecho cada oportunidad.

Desde que te perdí nunca tuve tal libertad
desde que te perdí no me importa nada de ná...

Desde que te perdí la vida me sonríe sin cesar,
tengo trabajo y mucha estabilidad
y hasta he trepado en la escala social.

De ágape en ágape,
princesas me sonríen de cuando en vez,
me dicen el Hugh Hefner Aragonés,
seguro que no sabes ni quién es...

Desde que te perdí hago lo que me da la gana
Desde que te perdí ya no tengo ganas de nada...

Desde que te perdí tomamos unas cañas por ahí,
me dices que no es lo mismo ya sin mí,
que ahora también eres mucho más feliz...

Desde que te perdí, desde que me perdiste
desde que me perdí, desde que te perdiste...
***

6.3.09

pena de passarim

(para john willis mc quade, meu pai)***
todo dia bem cedinho
seu joão se levanta
e cuida de passarim

é gorgeio aqui
trinado ali
piada acolá
uma beleza de se escutar

mas a piada melhor
é a de seu joão
de alma de passarim
e pena de voar

bom é acordar juntinho
com seu joão
sempre bem cedinho
de pena leve
e alma de passarim

canta pra mim passarim
canta pra mim

                          ***

hoje meu pai estaria completando 84 anos de idade.
saudades profundas minhas e de meus irmãos.
com muito amor eu reedito este poema que eu fiz um dia em que a saudade apertou mais forte.
um dia eu sei que nos reveremos.

2.3.09

ah! as paixões :: como viver sem elas?


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“Mudamos de paixões, mas não vivemos sem elas.”
(Marquês de Maricá)
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“Nada existe de grandioso sem paixão.”
(Hegel)
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“Não há diferença entre um sábio e um tolo
quando estão apaixonados.”
(George Bernard Shaw)
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“Quando alguém está apaixonado, começa
por enganar-se a si mesmo e acaba por enganar os outros.
É o que o mundo chama romance.”
(Oscar Wilde)
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“O distanciamento é bom conselheiro.
O fogo da paixão diminui e
nos permite aproximarmo-nos mais do eu interior.”
(Léa Waider)
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“Quem domina suas paixões é escravo da razão.”
(Cyril Connolly)
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“Quem se apaixona por si mesmo não tem rivais.”
(Benjamin Franklin)
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“O apaixonado nunca é feliz; a felicidade é o preço da audácia.”
(Lope de Vega)
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“As paixões humanas, como as formas da natureza,
são eternas.”
( Léon Bourgeois)
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“As paixões fazem menos mal que o tédio,
pois elas tendem a diminuir e ele a aumentar.”
(Barbey d'Aurevilly)
***
“Se resistimos às nossas paixões,
é mais pela fraqueza delas que pela nossa força.”
(La Rochefoucauld)
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“Como são sábios os que não passam de tolos apaixonados!”
(Joshua Cooke)
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“Somente os apaixonados levam a cabo
obras verdadeiramente duradouras e fecundas.”
(Miguel de Unamuno)
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"A paixão deixa os sentidos apurados provocando a visão alucinada,
o toque lascivo, os sons do silêncio e o cheiro inebriante do desejo.
Sem ela o corpo estaria condenado à eterna mortalha da razão."
(Patrícia Mc Quade)
***