27.12.08

cypriano & chan-ta-lan :: teatro oficina uzina uzona

estive a pouco em são paulo inaugurando as minhas tão sonhadas férias no palco pista do teatro oficina uzina uzona. as peças que estavam em cartaz eram duas: os bandidos e cypriano & chan-ta-lan. o texto dramatúrgico da segunda é de luiz antônio martinez corrêa & analú prestes, e é sobre ela que procuro escrever aqui minhas impressões primevas.



de clima totalmente acriançado, de cenários e figurinos muito coloridos e inebriantes, cheia de canções e ritmos dançantes, com toda doçura alucinótica de sonho de valsa, a peça começa com a corrida de alice (analú?) atrás do coelho (luiz antônio?) através do mundo dos espelhos. ao chegar numa espécie de jardim-teatro, onde as flores-atrizes cantam, ela maravilhada se dirige às flores-público e diz estar perdida de novo (exatamente como acontece sempre conosco no dia-a-dia de labirintos da cidade-concreto). é nesse mundo imaginário paralelo ao nosso, onde a fantasia se transforma em elos que une a realidade aos sonhos, que acontece o enredo da história.

o texto da peça é construído a partir do imaginário dos contos populares, segue uma tradição dentro de uma narrativa mágica única, onírica, de estrutura apolínea sim! ainda que com elementos dionisíacos, e totalmente intertextual. uma bricolagem de fragmentos, de recortes de fábulas que se cristalizaram de forma muito plástica no imaginário fantástico de nossa herança erê. é uma história que contem várias histórias. é uma teia de contos onde arachne tece o conto maior :: uma história de amor :: que parece entoada pelo espírito de sherazade somando as mil e duas noites.

(cipriano é um jovem príncipe do reino de golconda que se apaixona por uma doce camponesa chamada chan-ta-lan. certo domingo de primavera, a garota encantada pelo pó mágico de uma borboleta negra, desaparece misteriosamente e cipriano, depois de pedir ajuda a deus e ao diabo, se embrenha em uma viagem mítica em busca do “ungüento cor do tempo” (atualidades políticas? acontecimentos culturais? notícias de jornais?), se torna repentinamente o peregrino de uma aventura labiríntica e enfrenta muitos perigos a fim de salvar sua amada chan-ta-lan. conhece a mãe-sol (célia nascimento) e seu filho gay, o resplandecente sol comedor de príncipes (guilherme calzavara). Tem um encontro caliente com a lua (naomy scholling) e conhece as três marias, as constelações ursa maior e ursa menor e até o cruzeiro do sul. encontra a mãe-Natureza (sylvia prado) e se depara com toda a fauna e a flora selvagens de maracangalha. por fim, enfrenta seu grande inimigo, mister jones, para salvar sua amada transformada em mulher-gaivota (ana guilhermina), que foi presa numa gaiola por esse perverso representante do capitalismo cine-show-business. O happy end se dá em sampã-bagdad, onde finalmente acontece o reencontro de orfeu e eurídice, embalado ao som da festa do cabide inspirada no oriente médio - aqui todos são convidados a tirarem a roupa, senão não seria uma peça do grupo oficina!).


o bonito de tudo isso foi ver que em meio a estrelas do teatro oficina, a meninada do projeto social bixigão brilhou com toda força pueril que demanda a peça. crianças e jovens assistidos pelo teatro oficina uzina uzona deram um show de presentificação e atuação cênica, concentração e entrega total de seus corpos nos vários papéis que desempenharam neste espetáculo. quem não viu, torça para que em 2009 a luz vital de luiz antônio martinez corrêa volte a brilhar nas atuações desses jovens atores que na incubadeira do oficina se formam.


atores do projeto bixigão
Adailton Bruno Almeida, Ageboh Cyrille Didiane, Caio Rocha, Carolina Coelho, Cinthia Ingrid, Fernando S Mello, Geni Lira, Isabela Santana, Ivan Cardoso, Jhonatha Silva, Juliane Lira, Juscelino Wabes, Laene Santana, Lara Lima, Leidiane Oliveira, Rafael Sens, Rubsley Cruz, Thauany, Tiago M Jesus.


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é importante pontuar que cypriano & chan-ta-lan foi a primeira peça escrita pelo irmão de zé celso ainda na incubadeira do teatro oficina em 1973, em parceria com a atriz e artista plástica analú prestes. não fiquei surpresa quando soube que foi censurada pelo regime militar na época, considerando a estética irreverente desse dramaturgo que nunca viu essa sua obra lisérgica materializada nos palcos. tão polêmico quanto seu irmão zé celso, luiz antônio teve uma vida breve, porém intensa, e uma morte trágica. em 1987 foi assassinado brutalmente dentro de seu apartamento em ipanema, crime considerado homofóbico. a mais de 20 anos que zé celso homenageia seu irmão exatamente no dia 23/12, dia em que o corpo celeste de luiz atravessou o meridiano do imaginário para se tornar irremediavelmente em luz. em 1997 encenam em sua homenagem taniko o rito do vale, última peça dirigida por esse dramaturgo. a partir de então todos os anos o grupo oficina encena uma peça nesse mesmo dia em sua memória. ano passado (2007) zé celso e os atores do oficina manifestaram seu luto/festa com o ensaio aberto de cypriano & chan-ta-lan, montada em apenas nove ensaios como conta o próprio diretor marcelo drummond. no ano em que o grupo completa as 50 translações ao redor de apolo (2008), em julho vem à lume essa peça psicodélica, agora definida e reconfigurada aos moldes dionisíacos do grupo oficina, que faz da obra uma tragicomediaorgya – para usar as palavras de zé celso – e encerram o ano de comemorações com essa homenagem amorosa à reminiscência da luz de luiz antônio martinez corrêa.

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muitas foram as cenas encantadas pelo diretor-mago marcelo drummond. duas em especial ficaram na minha memória que a tudo quer guardar e que pouco consegue de fato processar. a primeira é a cena do pozinho da borboleta noturna que cai na cabeça de chan-ta-lan. nela se combinaram essencialmente imagem, ação e música em uma atmosfera ebriosa que contagia o público pela magia das imagens construidas. a segunda, com as mesmas qualidades estéticas, acontece na aparição da lua causando um impacto sonoro-visual maravilhoso em todos na platéia. com sua voz lírica e convulsiva a atriz naomy scholling vestida de prata, de cabelos loiros e comicamente excitada, cavalga cypriano até gozar histericamente. ao final, diz sentir-se cheia apesa de estar minguante (risos da platéia!). de repente um corte sideral: entra o sol em cena e começa a brigar com a lua (a eterna briga dos astros contada nos mitos de fundação).

por fim:
entre o bem e o mal, entre as luzes e a escuridão, nos encontros e desencontros, no entre lugar da eterna guerra da civilização contra a barbarie, a direção de marcelo drummond foi primorosa. logrou a façanha de combinar elementos apolíneos e dionisíacos com uma sensibilidade técnica excepcional tendo como resultados riquezas cênicas surpreendentes.

diante de tantas belezas sensitivas, quem vai perder tempo em apontar as falhas humanas, demasiadamente humanas?!

parabéns a toda produção técnica e artistas do teatro oficina.
parabéns marcelo drummond.

evoé!

Um comentário:

Naomy disse...

Patricia!
Fiquei bem emocionada ao ler suas impressões sobre o Cypriano e Chantalan!
Eu te vi no teatro recentemente, mas não consegui falar com vc.
Te procurei no orkut, mas não achei. Vc saiu do orkut? Terminou a sua tese sobre o Oficina (ou era sobre Os Sertões??)?
Mande notícias! Ainda está em Sampa? Podíamos marcar um papo!!!
Beijo grande!!
NAOMY