8.6.09

Mirando a Miró

eduardo galeano
(tradução livre :: patrícia mc quade)

Joan Miró :: Ballerina II

Almir D’Ávila entrou criança, declararam ele demente e nunca mais saiu.

Nunca ninguém lhe escreveu uma carta, nem foi visitado por ninguém.


Mesmo que pudesse ir, não tinha aonde; mesmo que quisesse falar, não tinha com quem.


Há mais de quarenta anos, passa seus dias no manicômio de São Paulo, perambulando em círculos, com um rádio colado na orelha, e em seu caminho cruza sempre com os mesmos homens que perambulam em círculos com um rádio colado na orelha.


Um dos médicos organizou uma visita à exposição de pinturas de Joan Miró.


Almir vestiu seu traje único, velhinho mas bem passado debaixo do colchão, enfiou até os olhos seu chapéu de almirante e marchou com os outros rumo ao museu.


E viu. Viu as cores que estalavam, o tomate que tinha bigodes e o garfo que bailava, o pássaro que era mulher nua, os céus com olhos e as caras com estrelas.


Andou, de quadro em quadro, com a sobrancelha franzida. Era evidente que Miró o tinha defraudado, mas o médico quis conhecer sua opinião.


— Demasiada — disse Almir.

— Demasiada o que?

— Demasiada loucura.


Joan Miró :: Tenedor que baila

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bibliografia: GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires : Catálogos, 2004.

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