9.11.08

Cuidado, cuidado, Deus vê! :: Hieronymus Bosch


OS SETE PECADOS CAPITAIS


o pecado original sempre foi uma temática que impressiona o meu imaginário feminino. os sete pecados estão, no meu ponto de vista, condensados neste pecado primeiro da desobediência de eva, ocasionando inevitavelmente a libertação de lilith e nos salvando do tedioso paraíso perfeito. imagine um sexo confinado (e)ternamente à ordem: "crescei e multiplicai". imagine o corpo sempre disposto à obediência e ao trabalho sem nenhuma vez experimentar a morosidade do relaxo, do ócio, da entrega total aos sentidos de sua matéria. imagine o corpo contido de impulsividade, nulo de reações frente às adversidades, sempre controlador das paixões. imagine um mundo sem paixões!
foram elas, as paixões, que levaram o ser humano a criar as mais belas obras de arte, a vencer as limitações de seus conhecimentos intuitivos, míticos, para fazer ciência e entender melhor a própria natureza humana e o mundo no qual (co)habitamos. é pela paixão - no duplo sentido da palavra: de martírio e de amor avassalador e intenso - que pintamos a nossa própria "realidade" com as cores que escolhemos a fim de alimentar o fogo divino roubado por prometeu e continuar a jornada de nossas vivências.
Hieronymus Bosch, dizem, foi um artista extremamente moralista e alegórico – no sentido de pintar figuras compostas pela redundância de um significado que tem, geralmente, cunho moralizante, através do uso de imagens que possuem uma explícita significação coletiva. talvez o quadro Os sete pecados capitais fora encomendado por uma ordem monástica da época, mas isso ninguém pode afirmar. Bosch escolhia personagens de lendas, provérbios e superstições populares, dando-lhes um aspecto fantástico próprio de sua arte, uma visão de mundo condicionada por suas limitações sensoriais condizentes com o pensamento mítico de sua época. uma capacidade sensitiva de capitar essa "realidade" lhe permitiu abordar desde os pecados humanos até sua terrível conseqüência, o inferno. para mim, Bosch demonstrou especialmente neste quadro sua preocupação para com o homem, mostrou de forma contundente e sem rodeios sua percepção apocalíptica dessa condição humana e foi além das barreiras religiosas inquisitivas colocando o homem como centro de seu universo artístico. percebe-se que a paixão de Bosch não é Deus, ou a religião, ou a moral; é o homem tal qual ele é: avarento, luxurioso, irado, preguiçoso, guloso, invejoso e soberbo. não dá pra negar o que faz parte da natureza humana.
na obra Os Sete Pecados Capitais, jesus cristo — deus/homem — se encontra no centro do painel, cercado por um largo anel dourado no qual está inscrito em latim uma frase que podemos ler como um mantra, talvez negativo, que denuncia a espionagem divina: "Cuidado, cuidado, Deus vê". a esfera central nos remete à imagem de um olho humano, com pupila e íris. cristo é o homem que está dentro da pupila. seria o olho de Deus, Aquele que tudo vê. ou poderia ser o olho do inquisitor, vigilante, carnífice, que legitimava pelo nome de Deus a fogueira que acendia o verdadeiro inferno para queimar profanos, bruxas e libertinos?! ao redor temos a representação de cada um dos sete pecados capitais em cenas do cotidiano da época, cíclicas: portanto infinitas, familiares aos observadores que podem flagrar a si mesmos cometendo esses mesmos pecados. nos quatro rincões da moldura encontramos círculos, dentro dos quais estão as figuras oníricas da morte, do juízo final, do inferno e do paraíso. esse circulo central leio como uma mandala que, talvez, sem Bosch se dar conta e obedecendo a sua força de expressividade, ele pintou — de forma alegórica sim — a representação dos elementos pecaminosos que fazem parte intrínseca do ser humano. os outros círculos ao redor seriam partes do universo imaterial que o humano cria a partir de seu imaginário herdado pelo cristianismo, algo fora dele, como se fossem poderes controladores, que insitam a autoflagelação psíquica/física. essa mandala central seria, portanto, a luta do ser humano pela unidade do eu, pela unidade de sua natureza, ou melhor dizendo, pela unidade de seus pecados que o tornam essencialmente humanos.
essa é a minha ousada leitura desse quadro!
Hieronymus Bosch nasceu por volta de 1450 em província holandesa, provavelmente na pequena cidade de Hertogenbosch, da qual é quase certo que derivou seu sobrenome artístico.
***
"O momento ápice no desenvolvimento humano é o todo contínuo de seus pecados. É por causa deles que existem as mais extraordinárias descobertas e também as ordens cristãs. Esta última declara tudo imundo, tudo profano; enquanto a primeira é condizente ao estado original do homem, sem corruptelas. Tudo o que ocorreu antes do pecado, nada aconteceu". Hieronymus Bosch

Nenhum comentário: