14.5.09

manuel bandeira :: porque acordei hoje com um passarinho cantando para mim

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manuel bandeira para mim é a referência poética mais forte que eu sinto, tanto na vida como na minha escrita - se é que dá para separar as duas coisas. sua poesia não tem limites, diáloga de maneira perfeita a forma e o conteúdo, subverte ambos conceitos, passeia pelos versos livres e brancos. alguns de seus poemas tem um altíssimo teor filosófico e narrativo, outros um humor negro que ora nos faz rir ora nos faz meditar sobre nós mesmos: os bichos seres humanos. há outros ainda que brincam em mim como crianças assoprando bolhas de sabão :: as bolhas fazem cosquinhas nos olhos quando flutuam e depois estalam na pele acarinhando o puro prazer sensitivo :: são esses poemas, em especial, os que eu mais gosto. quem não se diverte ao ler "teresa"? ou "trem de ferro"? ou "namorados"? hoje em especial acordei com um poema dele na cabeça intitulado "desencanto". meu ânimo não está muito para brincadeiras, nem para bolhas de sabão. "desencanto" eu sei decor e meus alunos vivem pedindo para que eu o recite em sala. de pura nostalgia, com algum tempero de solidão, procuro por esse poeta hoje para ver se consigo alcançar a catarse que seria mais ou menos uma descarga de desordens emocionais ou afetos desmedidos a partir da experiência estética oferecida, por exemplo, pela poesia dele. mas não se preocupem comigo, estou viva, por isso sinto. essa é a maneira mais saudável de superar algum estado de angústia que anoitece a alma. vejo tudo isso como uma maneira calma, de operação cirúrgica psíquica pessoal, como forma de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente, liberando-me de sintomas e neuroses associadas a algum bloqueio ou desencadeamento [qué sé yo?] de ordem emocional. e como amar não pode ser com a alma, como nos diz lindamente bandeira, que o corpo se expresse, que as lembranças o envolvam, que a dor que ele deva sentir, sinta de verdade, para que depois a dor se vá e ele, o corpo, o meu corpo, esteja pronto para amar tudo e outros outra vez.

obrigada manuel bandeira pelos seus versos. são eles que me falam ao coração.
que você, poeta solitário, me ensine a apr(e)ender a solidão.

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Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

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Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite

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Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

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Pardalzinho


O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!

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Poeminha do contra

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

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livro de cabeceira:

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. São Paulo: ed. Record. 1998.

leitura recomendada.

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